Arquivo mensal: janeiro 2015

A emoção está no ar: histórias de superação e lições de vida em programas caça-talentos

Listamos alguns dos mais emocionantes e surpreendentes vídeos de programas caça-talentos pelo mundo para fazer você refletir sobre lições de vida e histórias de superação explorados pela mídia. Difícil é ficar alheio a elas.

Jonathan e Charlotte: contra tudo e contra todos

Jonathan e Charlotte: contra tudo e contra todos

Programas caça-talentos, no estilo The Voice ou Ídolos, são bastante comuns mundo afora. Trata-se basicamente da mesma fórmula exportada para vários países, em alguns nos quais fazem sucesso absoluto de público, além de serem bastante tradicionais. No meio acadêmico, esse tipo de programa tem sido pouco explorado no Brasil, cabendo, potencialmente, uma série de temáticas passíveis de serem investigadas no âmbito das análises midiáticas, desde a construção (artificial ou não) de um ídolo; passando pelos significados e sentidos em torno da ideia de se tornar um ídolo; até a ideia de que um ídolo já nasce como mercadoria numa sociedade do espetáculo; ou ainda, a globalização do entretenimento e, em especial, da música enquanto mercadoria. Existem outras inúmeras possibilidades, o que reforça que este é um campo ainda muito profícuo a ser explorado no meio acadêmico.

Nesse texto temos uma pretensão menor. Sabemos que a mídia explora os dramas humanos do cotidiano por uma questão de audiência. E em programas de caça-talentos, em que a audiência é fundamental — afinal, é da interação com o público que se dá a continuidade e o sucesso ou não do programa — isso não poderia ser diferente. Além disso, parece cair no gosto do público as histórias de superação em que pessoas comuns se tornam fontes de inspiração, afinal, é muito mais fácil se reconhecer nessas pessoas (e se inspirar nelas) do que em pessoas com trajetórias muito singulares.

Escolhemos alguns episódios desses programas caça-talentos pelo mundo pra trazer um pouco dessas histórias de superação e lições de vida, no geral emocionantes e surpreendentes, que esses programas propiciam não apenas para o público, mas também para os profissionais envolvidos. Existem, no YouTube, centenas de vídeos nesses moldes, inclusive compilações muito boas, o que faz desse “recorte” que trazemos aqui algo muito subjetivo. Muito mais do que talento ou do desejo de ser um ídolo (que seriam o ponto fulcral desses programas), as histórias a seguir são recheadas de tons muito pessoais da vida dos candidatos e o que os une é a universalidade da música como meio (ou fim) para vencer as adversidades. Mais do que isso: suas interpretações os colocam como personagens das próprias músicas que interpretam, extraindo da magia da música suas verdadeiras qualidades pessoais.

As aparências enganam. Ou como se dar mal fazendo pré-julgamentos

Uma das lições de vida mais corriqueiras em vídeos de programas caça-talentos é a velha e desgastada lição de que as aparências enganam — ainda assim continuamos nos enganando todos os dias. Ligadas a um pré-conceito e à nossa tendência de ‘padronizar’ estereótipos, na maioria das vezes quebramos a cara por pré-julgamentos sobre as pessoas.

Um dos mais antigos e conhecidos vídeos que circularam na internet é a história de Paul Potts, durante o Britain’s Got Talent, em 2007. Vendedor em uma loja de celulares, Potts anunciou no programa que cantaria ópera, provocando olhares desconfiados de um dos jurados. O desfecho é surpreendente.

Os estereótipos de um ídolo podem levar a equívocos no pré-julgamento de talentos natos. A história de Susan Boyle, também no Britain’s Got Talent em 2011, talvez seja o exemplo mais conhecido disso. Longe de ter um perfil estético aceito pela mídia, com perseverança e talento Susan deu um autêntico “tapa na cara” dos que antes a olharam com cara de menosprezo, ao interpretar “I dreamed a dream”, do clássico musical Os Miseráveis.

E como não incluir a surpresa doce e generosa da senhora Janey Cutler, de 80 anos (um ano antes de sua morte), em 2010, no mesmo Britain’s Got Talent?

O que uma dona de casa, de aparência comum (diga-se fora dos padrões de beleza estética construídos pela mídia do show business), agente prisional, mãe e esposa faria no palco do The X Factor britânico? Surpreender as pessoas e nos ensinar a não julgar pelas aparências. Ela mesmo se preocupa com o fato de que o padrão estético (pela idade e pelas roupas) pode ser um obstáculo à sua participação no programa. Mas aqui, vemos também um exemplo de perseverança. Ao júri e aos expectadores, que bom que Sam Bailey não desistiu de tentar.

Quando Charlotte e Jonathan entraram no palco do Britain’s Got Talent, Simon Cowell — produtor, jurado e líder do programa — balbuciou “quando você pensa que as coisas não poderiam piorar…”, ao ver o desajeitado dueto, em especial, Jonathan, pela sua aparência física. Mais do que surpreender o público e desmistificar a estética visual, no final o dueto mostrou sua cumplicidade que, para além da parceria musical, envolve algo muito mais profundo: a amizade.

Mas, no meio musical, julgar pelas aparências não diz respeito apenas a uma questão de estética física, idade ou profissão. O estilo de se vestir pode levar as pessoas a serem enquadradas a priori.

Nos EUA, o jeitão caipira de Kevin Skinner com seu violão, seu sotaque do campo, seu jeito simples de se vestir e sua ocupação anterior nas fazendas foram motivo de chacota antes de iniciar sua primeira apresentação no America’s Got Talent, em 2009, resultante de um preconceito mais ou menos implícito na mídia, equivalente ao que ocorre com nordestinos ou gaúchos típicos, no Brasil. Ao som do primeiro acorde, a pessoas começaram a o encarar de um jeito diferente. Kevin acabou vencendo a competição daquele ano. E mudou um pouco o visual.

No meio musical, o estilo visual também serve para um enquadramento quanto aos gêneros musicais. Em 2012, Willie Jones fez o seu teste para o X Factor norte-americano e, quando entrou no palco, pelo seu visual e sua cor, o público e os jurados não esperavam que ele cantasse uma música country. Ele precisou de apenas 5 segundos para conquistar o público. Em um país com longo histórico de segregação racial, de culturas e gêneros musicais de negros e brancos bem demarcados, a diluição dessas fronteiras na performance de Jones tem muito mais significados e sentidos do que uma simples competição musical.

No Brasil, algo semelhante aconteceu com Everton Maciel, no programa Ídolos, edição 2012, ironizado pelo produtor Marco Camargo quanto ao gênero musical que iria cantar, possivelmente pelo seu estilo. No decorrer do programa, ficou claro o porquê das escolhas das músicas. Vale a pena conferir, no Youtube, outros vídeos dessa edição do programa.

De volta aos EUA, na edição 2012 do America’s Got Talent, o maquiador Andrew De Leon, de 19 anos, causou grande surpresa na combinação do seu estilo visual com seu estilo musical. Ele, que chegou a ser chamado de vampiro e lobisomem pelo seu estilo original de se vestir se junta ao rol de exemplos de que os pré-julgamentos, pela aparência ou modo de se vestir, deveriam ser questões ultrapassadas no século XXI.

Histórias e lições de vida surpreendentes

Nem só de apresentações surpreendentes vivem os programas de caça-talentos mundo afora. As histórias e lições de vida dos concorrentes por vezes impressionam, inspiram e surpreendem. Não temos como ter certeza até que ponto as histórias de vida sensibilizam os jurados na hora das escolhas, mas o certo é que as músicas que esses candidato escolhem não apenas tem um significado especial para cada um deles, como também a música, de um modo geral, é a sua fortaleza. E só isso já faria deles vitoriosos.

Daryl Markham é um desses exemplos. O relato de vida, a escolha — e interpretação — da música por si só já são tocantes. Mas o desfecho da história, no final do vídeo, é ainda mais emocionante.

Na versão mexicana do The X Factor, o programa Mexico Tiene Talento, edição 2014,o mendigo/cantor de rua Pablo Lopez foi tentar a sorte cantando Old Time Rock and Roll, clássico de Bob Seger. No vídeo, antes de sua apresentação, Pablo conta um pouco de sua história, desde as frustrações com orfanato e adoção até começar a cantar nas ruas. Sem estereótipo/perfil de ídolo, aos olhos mais pré-conceituosos, Pablo precisou apenas de alguns segundos para arrancar gritos da plateia, lágrimas e elogios dos jurados com sua potente voz.

Os motivos de participação nesses programas às vezes vêm de perdas irreparáveis, que sensibilizam o público e os jurados. A história comovente de Daniel Evans no The X Factor norte-americano, aliado à sua humildade enquanto pessoa, deixa uma lição de vida para todos nós e, ao mesmo tempo, demonstra a força da música para nos ajudar a conviver melhor com nossas adversidades.

Essa é a mesma saída que Jonathan Allen, 20 anos — expulso de casa aos 18 — encontrou para superar os momentos difíceis da vida: a música. Sua redenção, no America’s Got Talent, tinha um objetivo muito simples: deixar sua família orgulhosa.

Já na versão coreana do programa, o Korea’s Got Talent, pudemos conhecer a história de vida inspiradora de Choi Sung-Bong. Vivendo sozinho desde os 5 anos de idade, o estudante escolheu o caminho “mais difícil” que sua condição de vida poderia proporcionar: estudar, trabalhar honestamente. A música? Um meio para tentar “ser normal”. Difícil é se manter indiferente.

Histórias de superação e determinação surgem de todo os lados. No Britain’s Got Talent o pequeno Paul Malaki nos ensina sobre determinação e a não desistir, mesmo diante dos nossos maiores fantasmas.

É certo que a vida nos impõe, muitas vezes, limitações ou condições diferenciadas. Mas quais os limites de uma criança autista e cega num show de talentos? Christopher Duffley, então com 10 anos (em 2011) deixa a sua lição de vida.

Por fim, nosso último exemplo de lição de vida e superação vem do The X Factor Australia e se chama Emmanuel. Nascido numa zona de guerra no Iraque, encontrado por freiras em uma caixa de sapatos e com deformação física, transporta sua própria história e desejo de vida para a música que escolhe cantar: Imagine, de John Lennon. O que ele faz é simplesmente cativante e emocionante.

De todos esses vídeos e histórias marcantes, mais uma lição: para os educadores e analistas de mídias, mesmo os programas de TV considerados fúteis — ou como mero entretenimento que, como o nome diz, servem para entreter e fazer passar o tempo caótico dos nossos dias — há muito com o que se pode aprender. Basta ficar atento.

Esse post foi originalmente publicado em 02 de janeiro e atualizado em 11 de julho de 2015.