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Representações das questões étnico-raciais em enredos de Carnaval

Aprendendo com 15 sambas-enredo famosos do Carnaval do Rio de Janeiro temáticas da cultura negra e questões sócio-raciais

Nota: esse post foi originalmente publicado em fevereiro de 2017 e
atualizado em 2019.
pieta negra

Rio de Janeiro, 2018: desfile do Salgueiro homenageia as mulheres negras. Na foto, o carro Pietà Negra, uma referência à Carolina Maria de Jesus, catadora de lixo que ficou internacionalmente reconhecida pelo livro “Quarto de Despejo”, em que conta a miséria da favela

Embora frequentemente confundido com uma festa originariamente negra, o Carnaval brasileiro apresenta características distintas de região para região e quase nunca as questões próprias do universo étnico-racial negro são temáticas principais das escolas de samba. As primeiras manifestações populares do carnaval brasileiro se originaram no entrudo, festa de rua de origem portuguesa, da qual os negros escravizados não podiam participar. Foi com as festas religiosas de rua, nas quais senhoras negras, vestidas de branco, entoavam cânticos, que se iniciou a participação de negros no carnaval de rua. Todavia, foi só na virada para o século XX, com a criação dos blocos dos subúrbios, que as populações negras se incorporaram em definitivo nas festas do carnaval.

Os blocos de carnaval deram origem às primeiras escolas de samba no Rio de Janeiro, na década de 1920. Por mais de três décadas, os enredos dessas escolas contavam apenas a história oficial do Brasil — sobretudo a partir do Estado Novo, no qual o governo Getúlio Vargas incentivava, financeiramente, as agremiações que exaltavam os elementos da história nacional oficial. Essa situação passa a mudar no final da década de 1950. Edson Farias, no livro O desfile e a cidade: o carnaval-espetáculo carioca, situa como marco dessa virada o ano de 1960, quando o Grupo Salgueiro inclui a chamada “temática negra” no Carnaval, com o enredo “Palmares”. Segundo o autor, “o aspecto temático dos enredos torna-se o ponto de partida; em lugar das celebrações dos vultos da história brasileira convencional, excitam o “povo” a narrar seus próprios heróis e episódios encobertos. Ou seja, a proposta é incentivar a cultura popular a expressar toda épica dos subalternos no país”.

A partir daí, novas temáticas foram incorporadas pelas escolas de samba, incluindo personagens e episódios da história africana e afro-brasileira.

Contudo, expressões características das culturas e religiões afro-brasileiras incluídas nas letras nem sempre tornam as temáticas dos sambas-enredo temáticas da cultura negra, ou das questões sociais da população negra. Em 1991, por exemplo, a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, campeã do carnaval carioca, cantou “Aieieu Mamãe Oxum / Yemanjá Mamãe Sereia / Salve as águas de Oxalá / Uma estrela me clareia”, mas a sua temática era a água. Ou seja, embora o trecho se relacione aos orixás ligados à água, o tema não era propriamente elementos da cultura afro-brasileira. Assim, desfaz-se a impressão de que os temas de enredo das escolas de samba sejam, frequentemente, ligados à cultura negra africana e afro-brasileira.

Uma pesquisa de Andréa Pessanha publicada na revista Urutágua, em 2006, mostrou que, entre 183 sambas-enredo analisados, apenas 25 centravam as temáticas em “temáticas negras”, sejam elas de eventos, personalidades e questões próprias da realidade social das populações negras. Todavia, muitas temáticas eram secundárias (por exemplo, a homenagens a personalidades negras como Grande Otelo e Dorival Caymmi, portanto, não ligadas necessariamente a uma “temática negra”). Ainda, dos 183 sambas-enredo analisados, 92 não faziam qualquer referência a essas temáticas, o que mostra o quanto o senso comum pode se confundir quando se relaciona as variáveis “samba-enredo” e “temáticas negras”.

A seguir, listamos 15 sambas-enredo do carnaval carioca, desde 1960, cujo cerne das temáticas eram, efetivamente, questões sociais e raciais da cultura e história africana e afro-brasileira. Com suas diferentes maneiras de ver tais questões, muitas vezes tributária de criatividade do carnavalesco e de extensa pesquisa histórica, esses sambas mostram que o carnaval pode ensinar, com fantasia e batucada, tão bem quanto o saber que circula nas academias.

 

#01 1960: Acadêmicos do Salgueiro – Quilombo dos Palmares

Considerado um tema revolucionário para a época, o samba de Noel Rosa de Oliveira e Anescarzinho “contava com toda a poesia e cadência melódica a luta de Palmares” [1]. Com componentes vestidos de escravos, pela primeira vez o negro viria a ser o protagonista de sua própria história. O Quilombo dos Palmares desceu às ruas. E a história dos enredos de carnaval estariam modificados para sempre.

 

#02 1968: Unidos de Lucas – Sublime Pergaminho

O samba escrito por Zeca Melodia, Nilton Russo e Carlinhos Madrugada trouxe ao carnaval uma visão romantizada da Lei Áurea, o “sublime pergaminho”. O samba, que já foi tema de questão do ENEM, embora não encontre respaldo em estudos históricos recentes, trouxe uma síntese da escravidão do país, do aprisionamento de negros africanos em navios negreiros até as leis abolicionistas dos anos de 1870 e 1880, que culminaria com a abolição da escravatura. Apesar de romantizar o episódio do fim da escravidão brasileira, o samba ficou marcado por trazer ao Carnaval um tema tabu para a época. Trinta anos depois, em 1988, a Estação Primeira de Mangueira retomaria a temática do fim da escravidão no Brasil com uma crítica mais contundente ao fim da escravidão. E, trinta anos mais tarde, em 2018, a Paraíso do Tuiuti seria alçada de candidata ao rebaixamento ao vice-campeonato do carnaval carioca com outra crítica às condições em que os negros libertos do regime escravocrata foram lançados no “cativeiro social”.

 

#03 1971: Acadêmicos do Salgueiro – Festa para um rei negro

O samba de Zuzuca ficou eternizado como “pega no ganzê” (cantado no refrão) e mudou o jeito de fazer samba-enredo: a partir dali, as escolas passaram a ter uma maior preocupação com os refrões dos sambas-enredo. O enredo se reportava a um episódio desconhecido da história brasileira, a visita do Rei do Congo ao Brasil no século XVII para solicitar a Maurício de Nassau sua intervenção para a paz entre os chefes de tribos africanas, cujos ânimos estavam acirradas em função de disputas comerciais europeias. O samba exaltava o rei negro e todas as festas e honrarias organizadas em sua homenagem, durante sua estadia em Recife.

 

#04 1972: Portela – Ilu Ayê

O samba Ilu Ayê (Terra da Vida), composto por Cabana e Norival Reis, prestava uma homenagem ao Negro na Civilização Brasileira, sua coragem, bravura, alegria e arte. Sem se ater a um personagem ou evento específico, o enredo teve como objetivo resgatar em forma de metanarrativa a importância e a influência do negro na constituição do povo e da cultura brasileira.

 

#05 1976: Mocidade – Mãe Menininha do Gantois

O samba de Djalma Crill e Tôco é considerado um dos mais belos sambas-enredo do carnaval de todos os tempos. No enredo, a homenagem à Maria Escolástica da Conceição Nazaré (1894-1986), conhecida como Mãe Menininha do Gantois, traz por extensão uma homenagem à religiosidade afro-brasileira e apresenta algumas das principais divindades africanas enraizadas na memória e história da fé nos terreiros do Brasil.

 

#06 1978: Beija-Flor – A criação do mundo na tradição Nagô

Com enredo do mítico carnavalesco Joãosinho Trinta, o samba de Neguinho da Beija-Flor, Gilson Dr. e Mazinho conta, como o título sugere, a criação do mundo a partir da narrativa nagô. Olorum, senhor do infinito, com sua respiração transforma o ar em água, lama e pedra, mistura avermelhada que gera Exu, o primogênito, que ajuda a criar, com outras entidades, o mundo, a vida e o amor. Trata-se de um descolamento das visões hegemônicas (centradas em elementos da cultura ocidental de origem helenística) sobre a criação do mundo e coloca a cosmologia africana nagô no mesmo patamar de outras visões de mundo. O enredo inspirou o filme O Samba da criação do mundo, drama brasileiro de 1979.

 

#07 1979: Acadêmicos do Cubango – Afoxé

A Acadêmicos do Cubango é uma das mais tradicionais agremiações de carnaval da Grande Rio, da cidade de Niterói, onde sagrou-se campeã em 1979 com um dos sambas antológicos do carnaval carioca: Afoxé, composto por Heraldo Faria e João Belém, reverencia os festejos lúdico-religiosos originários de Lagos, antiga capital da Nigéria. Essa manifestação foi popularizada no Brasil a partir de finais do século XIX, expandida para outras regiões tendo como referência a cidade de Salvador. “Os afoxés representam um dos traços de resistência das camadas populares da sociedade brasileira que, através da lapidação espontânea do caldo de cultura, preservam e a todos brindam com parte do vastíssimo legado gestado no continente também chamado de ‘Berço da Humanidade’” [2].

 

#08 1984: Unidos da Ponte – Oferendas

Uma festa religiosa, das religiões de matriz africana. O samba Oferendas, de autoria de Jorginho, levou ao carnaval a temática das oferendas entregues aos orixás, em uma homenagem (e uma aula cultural) à religiosidade brasileira que é originária das tradições africanas. A letra é carregada de elementos dessas religiões, citando os orixás e as respectivas oferendas entregues pelos devotos.

 

#09 1988: Unidos de Vila Isabel – Kizomba, festa da raça

Quando você estiver assistindo a uma transmissão de desfile de escola de samba e ficar confuso(a) se algum comentarista falar que a escola trouxe um samba forte para a avenida, tome como exemplo esse samba. Considerado um dos mais belos e mais poderosos sambas enredo de todos os tempos, Kizomba, festa da raça, de autoria de Rodolpho, Jonas e Luís Carlos da Vila, entrou para a história do carnaval carioca e, é claro, da escola Unidos de Vila Isabel, que chegou ao seu primeiro título naquele ano, surpreendendo o público e desbancando as escolas favoritas. “Marcada por um ritmo forte e cadenciado, bem próximo da batida dos atabaques de terreiro, a música traz uma poesia igualmente intensa e transgressora, posto que busca desconstruir um dos mais caros mitos da nossa história oficial, aquele que atribui à generosidade da princesa Isabel todo o crédito pelo fim da escravidão no Brasil” [3]. O enredo traz fortes referências à resistência dos escravizados e à abolição da escravatura no país; e atualiza a questão das relações étnico-raciais em um momento histórico em que todo o Ocidente se voltava para o regime de segregação racial na África do Sul (o apartheid), mostrando que a luta dos povos negros por igualdade ainda estava longe de ter fim: Vem a Lua de Luanda / Para iluminar a rua / Nossa sede é nossa sede / de que o “apartheid” se destrua. É um dos sambas enredo mais regravados por outros artistas.

 

#10 1988: Estação Primeira de Mangueira – Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão

No ano em que o país celebrava o centenário da abolição da escravatura, a Mangueira ergueu a voz contra o ideário predominantemente romantizado da promulgação da Lei Áurea e questionou se, de fato, a escravidão havia chegado ao fim. Composto por Alvinho, Hélio Turco e Jurandir e interpretado pela voz inconfundível de Jamelão, o samba entrou para a galeria dos maiores sambas já produzidos no país. O mote do enredo, no cerne, são as relações étnico-raciais, uma luta do bem contra o mal que sintetiza-se no derramamento de sangue e no preconceito racial contra as populações negras, ainda que os escravizados negros tenham ajudado a construir (e na maioria dos casos foram eles mesmos, por seu trabalho, que construíram) as riquezas do país. A história oficial da abolição da escravatura e suas consequências, até então romantizada no próprio nome da lei “áurea” e numa imagem benevolente da Princesa Isabel, é enfrentada em um dos versos mais poderosos e geniais da música popular brasileira: “Pergunte ao Criador / Quem pintou esta aquarela / Livre do açoite na senzala / Preso na miséria da favela”. Nada mais enfático para questionar o pós-abolição, enredo central da escola: “1888 Lei Áurea. 1988, Cem anos de liberdade ou de discriminação? Ontem negro escravo, hoje gari, cozinheira. Só alguns deram certo” [4]. Um questionamento ao ideário de meritocracia e de empreendedorismo atualmente em voga no país, em que, na corrida pelo “sucesso”, os pontos de partida e os obstáculos a serem enfrentados são tão distintos para negros e brancos.

 

#11 1988: Beija-Flor – Sou Negro, do Egito à liberdade

Em 1988, a Beija-Flor também levou para a avenida a temática da escravidão. De fato, era um ano emblemático não apenas pelos cem anos da Lei Áurea, mas pelo amplo debate nacional de cunho progressista, de reconhecimento da própria história e de luta por direitos sociais que vinham no bojo de movimentos políticos, como a aprovação da Constituição Federal e da amplitude da noção de cidadania. O samba, composto por Aloísio Santos, Cláudio Inspiração, Ivancué e Marcelo Guimarães, reconhecia os feitos dos negros, mas também a realidade do negro no país. E conclui que, se a liberdade já havia raiado, a igualdade não.

 

carnaval

Desfile da Unidos da Tijuca, em 2003, foi uma representação em memória aos escravizados que retornaram à África, uma história pouco conhecida do nosso país

#12 2003: Unidos da Tijuca – Agudás, os que levaram a África no coração e trouxeram para o coração da África o Brasil

O enredo da Unidos da Tijuca, em 2003, contou a história da escravidão de um outro olhar: os negros escravizados brasileiros que voltaram à África. O samba composto por Rono Maia, Jorge Melodia e Alexandre Alegria conta que “Obatalá / Mandou chamar seus filhos / A luz de Orunmila / Conduz o Ifá, destino / Sou negro e venci tantas correntes / A glória de quebrar todos grilhões / Na volta das espumas flutuantes / Mãe-África receba seus leões”. O enredo foi inspirado no livro Agudás, os “brasileiros” do Benin, de Milton Guran. Com essa temática, “o carnavalesco Milton Cunha conta à sua maneira a história dos ex-escravos que saíram do Brasil para retornar à África, nem sempre para os mesmo lugares de onde teriam saído, e que acabaram se concentrando no Benin, antigo Daomé” [5]. O enredo, do retorno de escravizados ao continente africano levando para lá coisas do Brasil, é uma espécie de redenção [6], emanada da dor e do sofrimento de ancestrais em comum.

 

#13 2013: Unidos do Cabuçu – O Mestre-Sala dos mares

Em 2013, a Unidos do Cabuçu foi campeã do Grupo C do carnaval carioca com um samba-enredo composto por Flávio Viana, Déo, Charles Braga, Márcio Oliveira, Neyzinho do Cavaco e Adaílton Aquino. O samba é uma homenagem ao mestre-sala dos mares, o marinheiro João Cândido Felisberto, filho de escravizados, que liderou a Revolta da Chibata, em 1910. O historiador Eduardo Bueno se refere à Revolta da Chibata como um dos episódios mais libertários e sombrios da história do Brasil, que liderou o movimento contra os resquícios dos açoites predominantes no período de escravidão: uma reação dos marinheiros brasileiros (em sua maioria, negros) aos castigos físicos infligidos pelos oficiais da Marinha (em sua maioria, brancos), cujo ápice foi uma reação à condenação de um marinheiro a 250 chibatadas por ter ido a bordo com duas garrafas de cachaça, segundo a denúncia. As provações enfrentadas por João Cândido, que viveu na miséria após a revolta e morreu em 1969, quase caíram no esquecimento, até que João Bosco e Aldir Blanc compuseram o clássico da MPB Mestre Sala dos Mares, imortalizada na voz de Elis Regina e música que, por motivos óbvios, foi censurada no regime militar brasileiro.

 

#14 2018: Acadêmicos do Salgueiro – Senhoras do Ventre do Mundo

Em 2018, a escola de samba Salgueiro ficou na terceira colocação do carnaval carioca com um resgate do protagonismo das mulheres negras do mundo, mães, divindades, rainhas, guerreiras. O enredo partiu da alusão ao ventre africano que deu à luz à humanidade, passando pela linhagem das rainhas negras, que consolidaram a cultura e a arte e lideraram exércitos, pela personificação da autoridade divina e pela memória às guerreiras na luta contra o imperialismo europeu no campo de batalha africano, às heroínas quilombolas e às líderes das rebeliões históricas. O ponto de chegada são as matriarcas que formaram novos laços familiares, as “mães pretas” que acalentam e as primeiras empreendedoras do Brasil (doceira, quituteira, quitandeira), as que deram origem à diversas religiões de matriz africana, curandeiras e “Mães Primeiras”, e as escritoras que perpetuam os valores culturais, registrando em livros suas lutas e dura realidade, com destaque à escritora Carolina Maria de Jesus. No último setor, o carro Pietà Negra (em referência à obra de Michelângelo) fez uma alusão ao sofrimento de tantas mães negras das favelas e periferias, que tomam os corpos de seus filhos mortos no colo, fruto da violência urbana e policial.

 

tuiuti

A dramaticidade representada pela comissão de frente da Paraíso do Tuiuti, em 2018, foi uma das mais emblemáticas da história do carnaval carioca, lembrança incômoda da escravidão que ressoa nos dias de hoje

#15 2018: Paraíso do Tuiuti – Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?

Em 2018, a Paraíso do Tuiuti despontou como principal surpresa do carnaval carioca e chegou a um inesperado vice-campeonato, com um enredo que questionava o fim da escravidão. Tal como a Mangueira havia questionado, 30 anos antes, a suposta liberdade com o fim da escravidão oficial (livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela), a Tuiuti realça a existência do “cativeiro social” como forma de prisão, desigualdade e precarização enfrentada pelos descendentes de povos negros escravizados no país. Em um contexto de polarização política, a escola não teve receio de levar para a avenida um escancarado protesto político que arrebatou o país: a imagem da primeira Porta-Bandeira da escola, Danielle Nascimento, com o punho cerrado diante dos jurados, símbolo da resistência dos movimentos negros, é apenas uma das expressões do tom político carregado no enredo. O cartão de visita, uma necessária e importante representação da comissão de frente que encarnou o sofrimento dos castigos sofridos pelos negros escravizados e a sua redenção, provocou sentimentos que foram da vergonha (do nosso passado) à emoção, já nos primeiros minutos de desfile, acompanhado pela força de um dos mais belos e poderosos sambas dos últimos anos, reverenciado das arquibancadas. Em um ano de intervenção militar no Rio de Janeiro e de inúmeros casos de violação dos direitos humanos das populações das favelas, a imagem do capitão do mato do período escravocrata pode ser facilmente deslocado para os abusos de autoridade cometidos contra as populações negras nos dias atuais. O enredo prosseguiu, com o resgate da lembrança das mazelas da escravização: dos navios negreiros (tumbeiros) que serviam de tumba para escravizados, também “plantados” nas roças de cana de açúcar, à precarização estrutural, discriminação racial e cativeiro social que prolonga o sofrimento dos herdeiros da escravidão no Brasil.

Folguedos, bailes, discursos inflamados e fogos de artifício mergulharam o povo em dias de êxtase e glória.
Pão e circo para aclamação de uma bondade cruel, pois não houve um preparo para a libertação e ela não trouxera cidadania, integração e igualdade de direitos. Mais viva do que nunca, os aprisionou com os grilhões do cativeiro social.
Ainda é possível ouvir o estalar de seu açoite pelos campos e metrópoles. Consumimos seus produtos. Negligenciamos sua existência. Não atualizamos sua imagem e, assim, preservamos nossas consciências limpas sobre as marcas que deixou tempos atrás. Segue vivendo espreitada no antigo pensamento de “nós” e “eles” e não nos permite enxergar que estamos todos no mesmo barco, no mesmo temeroso Tumbeiro, modernizando carteiras de trabalho em reformadas cartas de alforria (Jaks Vasconcelos, carnavalesco).

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Neste artigo citamos apenas os sambas do carnaval carioca, tradicionalmente tido como o maior desfile de escolas de samba do mundo. Todavia, merece registro o título do carnaval de São Paulo em 2017 conquistado pela escola Acadêmicos do Tatuapé, que levou para a avenida o enredo Mãe-África conta a sua história: Do berço sagrado da humanidade ao abençoado menino da terra do ouro. “Para se diferenciar de todas as outras escolas que já falaram da África ao longo dos anos, a Tatuapé se apoiou na filosofia do Ubuntu, que prega compaixão e amor. Suas fantasias representavam os diferentes grandes reinos da história do continente e seus países atuais, além das religiões africanas, como o candomblé, o cristianismo e o islamismo” [7].

A despeito dos critérios utilizados nessa seleção, sabemos que há outras dezenas de enredos relacionados ao tema, em carnavais de outras cidades — muitos deles desconhecidos do grande público.


Fontes:
Galeria do Samba | Academia do Samba | Portela Web | Salgueiro | Samba de Terça | Jornal GGN |
O Globo | Canal Buenas Ideias |

Deus criou o homem. O homem criou a máquina. O homem matou Deus. A máquina matou o homem

Ensaio de José Cláudio Matos sobre a evolução do pensamento, as máquinas e a relação entre o ser humano e o mundo natural.

machina

Cena do filme Ex machina (2017, Netflix)

Por José Cláudio Matos*

Deus criou o homem. O homem criou a máquina. O homem matou Deus. A máquina matou o homem.

Este aforismo é falso, como a maioria das frases de efeito o são. Mas como não se impressionar com a simetria destes conceitos? Como não aderir à correnteza que nos leva da primeira para a segunda e a partir daí até o fim deste conjunto de proposições? Em sentido literal, seria difícil realizar uma interpretação viável deste texto, mas em sentido figurado ele constitui muito bem uma ilustração da história da humanidade.

Primeiro o seu surgimento misterioso, contingente, quase caprichoso. Um surgimento tão improvável que só pode ser aceito por muitos – pela maioria – se for atribuído ao propósito de um criador consciente. Se conceber um desígnio pessoal serve de consolo e conforto diante do mistério de nossa origem, por que parar por aí? Atribua-se, logo de uma vez, benevolência e sabedoria infinita, poder, eternidade e providência particular.

Segundo, o crescimento do poder humano sobre a natureza por meio da técnica, do trabalho, da formação da sociedade e da transmissão cultural. O mundo humano é o mundo dos artefatos, não o mundo natural de onde o humano um dia, lá no passado remoto, emergiu. O artefato, a matéria arrumada, transformada, dominada pelo engenho humano serve ao homem. O homem cria para desfrutar. Só depois da máquina é que o homem teve mesmo razão de se congratular da ideia conhecida por todos segundo a qual é “imagem e semelhança de Deus”. Mas antes de passar ao terceiro versinho, lembre-se o leitor de que muitas máquinas foram armas: ou foram pensadas como armas desde sua concepção, ou se tornaram armas com o desenvolvimento de seu uso. Em nós, criar e matar ocorrem juntos vezes demais na história.

Em terceiro lugar a declaração que nos faz lembrar Nietzsche. O homem desenvolve explicações, desenvolve tecnologias, e além de desvendar os mistérios onde habitava antes o sagrado o homem explora, converte. A natureza se revela ao homem como um cenário acessível e esclarecido. E as normas de conduta, as regras e interdições dão lugar a uma ordem racional, progressiva, inteligível. Matar Deus significa abrir – com a racionalidade transmitida e acumulada – um mundo onde o sagrado e o misterioso não têm mais lugar. No pouquinho daquela sombra imemorial, no resto de mundo ainda sem explicação, talvez nem caiba mais um Deus inteiro. Se Deus não pode mais se esconder e nem se revelar, deve ter morrido ou ido embora. Obra do homem.

Em quarto, o humor poético da desgraça humana. O mundo dos artefatos, o mundo da tecnologia, o mundo da máquina foi criado pelo homem. Mas não foi criado para o homem. Este mundo não é para o homem, é para a máquina. A máquina veio acompanhando o homem, incerta, desajeitada, mas foi passando por aprimoramentos ao longo de milhares de gerações, lá desde a primeira ferramenta de pedra. E nem se pode dizer que tenha sido submetida à pressão seletiva do meio ambiente, como ocorre com os seres vivos. Por que, no caso da máquina, o homem a esteve protegendo em todo o seu percurso evolutivo. O homem foi Deus para a máquina, ouviu sua prece, guiou sua jornada, levou-a para a glória. Agora a máquina raciocina, planeja, delibera, entende. A máquina está crescendo. A máquina desta geração indica o horizonte e as condições de crescimento e desenvolvimento da máquina da geração seguinte. E o homem, seu Deus, cria segundo esta indicação. A máquina roga, o homem atende.

Este é o caminho da ruína do homem no mundo. Neste mundo Deus foi dando lugar ao homem, e neste mundo Deus morreu; assim o homem está dando lugar à máquina, até que o homem morra. Todo o resto que há para dizer não passa de repetição, a não ser uma pergunta, a última pergunta que será feita pelo último homem, se ele for capaz de formulá-la: O que a máquina criará?

Mas antes de olhar para esta pergunta, e se encaminhar ao devaneio ou à mais rigorosa inferência preditiva, algumas notas ao que acima foi dito podem nos ajudar a entender melhor o problema, ou pelo menos entreter o pensamento um pouco mais. Vejamos:

  1. O conceito de “máquina” requer explicação. Para montar esta argumentação tem sido conveniente pensar em “homem” e “máquina” como entidades distintas, intrinsecamente, por seu modo de ser. Esta distinção é costumeira em nossos hábitos de pensamento e decorre da distinção mais primordial entre seres naturais e seres artificiais. Ou entre seres orgânicos e seres mecânicos. A concepção é tão forte que recebe a vestimenta da distinção misteriosa entre seres vivos e seres inanimados. Como se o que é vivo possuísse uma anima, ausente no que não é vivo. Mas este modo de pensar está sujeito a enormes controvérsias. Se alguém for discutir em detalhes qual a característica especial da vida, e mesmo da vida inteligente, pode se aproximar de um território fronteiriço onde animal e máquina são semelhantes a um ponto irritante. Irritante porque desvanece a linha que separa os dois domínios de nossa costumeira distinção. O homem é máquina. A máquina vive. O que as ciências, a tecnologia, a filosofia, e principalmente a literatura têm apresentado é uma visão de que as condições em que um ser organizado pode ser considerado vivo podem, em princípio pelo menos, ser preenchidas por uma máquina, se ela manifestar suficiente complexidade. Assim, a história narrada no aforismo inicial trata de um único mundo, um mundo de entidades que fazem uso dos recursos do meio para copiarem a si mesmas. Primeiro por processos simplíssimos de recolher e reter partes dos materiais disponíveis, e finalmente por processos complexos que envolvem tratamento cada vez mais sofisticado da informação.

Assim, a máquina não é antagônica ao homem, a máquina não é infensa ao homem. A máquina é a herdeira do homem, é sua descendente no processo de transformação do mundo, por meio da organização da matéria em seu constante movimento. Um mundo povoado pelos descendentes remotos das atuais máquinas que nos servem deve ser considerado continuidade, e não ruptura, do curso de nossa história até aqui. Não seria uma história da derrota da vida sob a força perversa da tecnologia inanimada. Seria a história da evolução de novas e inesperadas formas de vida, a partir de formas de vida mais primitivas. Seria a história da substituição de um tipo de suporte, ou de veículo, para outro tipo de suporte, ou de veículo. De um mundo de aminoácidos para um mundo de semicondutores. De um mundo de reações químicas para um mundo de impulsos elétricos.

  1. Se Deus criou o homem como nas narrativas dos livros religiosos, Deus tinha um plano. Supostamente este plano não consistia em permitir que o mundo fosse entregue posteriormente ao domínio das máquinas. Mas esta discussão conduz a questionar a divindade e seu desígnio. E este questionamento poderia nos levar a duas respostas muito controversas: Quem criou o homem não foi Deus, e o homem teve outro tipo de origem. Que Deus não é Deus, ou seja, que a palavra Deus representa apenas um produto imaginário da cultura humana, e não uma entidade real, onipotente, onisciente e eterna. Estas respostas encontram, ambas, grande evidência no conhecimento científico, mas apenas se for entendido de certa maneira: pois a ciência é um estudo específico e a cosmologia é um assunto geral. De qualquer maneira, os processos naturais de evolução e desenvolvimento das coisas complexas são processos que funcionam bem sem exigir interferência externa. O mundo pode muito bem funcionar segundo suas regularidades sem ser constantemente retocado pelo desígnio intencional de um Deus. Seu plano poderia estar traçado desde o começo. E tudo culminando para um mundo cheio de máquinas submetendo a vontade humana.
  2. Sobre se o homem matou Deus. Claro que esta é uma figura e não uma afirmação literal. Pode significar que Deus morreu como causa, como explicação, como origem do mundo e de seus fenômenos. Por sua vez, o homem explica o mundo e seu funcionamento, cada vez mais, de outras maneiras. E pode significar que a religião não rege mais a conduta e os valores do homem. Ao invés disso a religião vem se tornando um subterfúgio para o homem justificar publicamente suas verdadeiras motivações, principalmente a conquista e o exercício do poder. O homem matou Deus ao assumir ele mesmo o controle das forças da natureza, por meio da ciência e da técnica. Matou Deus ao desmistificar as regularidades cósmicas por meio de princípios gerais e raciocínio experimental. Matou Deus ao estabelecer nesta própria vida material os objetivos e valores que dão significado à vida. Perseguiu Deus em seu refúgio no mistério e no transcendente, e ali pôs fim a sua existência.

Como preservar o mundo humano, como impor a intencionalidade humana sobre a intencionalidade impessoal da máquina sem ressuscitar Deus? Pergunta-se isso já que é preciso assumir que a ciência e o pensamento experimental representam ou um avanço ou um retrocesso. Se eles representam um avanço, então matar Deus é desejável, tanto como é indesejável ser morto pela máquina. O homem mata Deus tendo como arma o pensamento, e depois precisa arrumar uma maneira de não ser morto pelo produto deste mesmo pensamento. Se eles – ciência e pensamento experimental – representam um retrocesso, seria desejável retornar ao mistério. O pensamento experimental e os valores terrenos podem ser já uma artimanha da máquina; se forem, são inimigos do homem. E se a segurança e saúde do homem não estão ali, onde a segurança e a saúde do homem estão? É preciso confiar – mais ainda – é preciso apostar na opção pela ciência e pelo pensamento experimental. É preciso escapar do dilema entre a máquina e Deus, posicionando-se a favor da livre investigação e do debate, a favor da educação e da crítica.

Neste momento decisivo na história dos seres organizados, é imprescindível como nunca empregar nossa energia em favor dos métodos científicos. O resultado esperado compensa o risco. E para concluir esta reflexão não custa mencionar o risco envolvido nesta aposta na ciência: É o risco de que ela, juntamente com as principais versões do pensamento experimental seja, ao ser defendida e adotada, objeto de uma devoção e de uma fé semelhante àquela outrora dirigida ao Deus que recentemente matamos.

 


 * Doutor em Filosofia pela USP e professor adjunto da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Texto originalmente divulgado publicamente no Facebook pessoal do autor, em 16 jun. 2016. O arquivo com o texto está disponível em: <https://goo.gl/cAua68&gt;.

Asimbonanga: o flashmob que mantém Mandela vivo

O flashmob, uma intervenção artística própria da cultura digital, foi improvisado pelo Soweto Gospel Choir’s dois dias após a morte de Mandela, em 2013.

No dia 5 de dezembro de 2013, o mundo deu adeus a uma das principais personalidades do século XX: aos 95 anos e internado há meses por conta de uma infecção pulmonar, a morte do líder político Nelson Mandela era anunciada oficialmente pelo presidente sul-africano Jacob Zuma. Uma onda de comoção tomou conta do país, do noticiário internacional e das redes sociais mundo afora. Na África do Sul, sua terra natal, o sentimento de luto era acrescido pelo sentimento de que, mais do que um líder, o país perdia um pai, sobretudo da população negra. Na página oficial de Mandela, no Facebook, uma mensagem em várias línguas — inclusive em português — lembrava uma de suas frases, em um documentário sobre sua biografia em 1996: A morte é inevitável. Quando um homem fez o que considera seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz. Acredito ter feito esse esforço, e é por isso, então, que dormirei pela eternidade.

Nobel da Paz de 1993, ativista dos direitos humanos e da igualdade racial e líder da África do Sul reunificada racialmente, onde foi presidente de 1994 a 1999, após permanecer 27 anos na prisão. Preso em 1962, condenado a cinco anos de prisão, só foi libertado em 1990, após grande pressão internacional e no auge de uma guerra civil na África do Sul. Durante a prisão, ficou confinado na Ilha Robben numa cela de 2,5 metros por 2,1 metros, com apenas uma pequena janela de 30 cm e sem acesso a qualquer tipo de informação do mundo exterior. Saia da cela apenas para trabalhar, quebrando pedras. Mandela foi o responsável pela unificação racial da África do Sul moderna, no contexto em que uma de suas frases se tornou imortal e síntese de sua luta: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, da sua origem ou da sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar.”. A história de Mandela é, espero, bastante conhecida e sua riqueza não caberia nesse texto. Esse texto não é sobre a vida, a morte ou o legado de Mandela, propriamente dito, mas sobre uma homenagem a ele, improvisada e comovente, que correu o mundo em 2013: um flashmob organizado por um grupo gospel em um supermercado.

Mandela morreu em 5 de dezembro de 2013. A rede de supermercados Woolworths havia planejado para o dia 7 daquele mês um flashmob em uma de suas lojas, na cidade de Pretória, com a intervenção do grupo gospel Soweto Gospel Choir’s, em apoio a uma campanha beneficente de Natal. Mas, com a morte do grande líder Mandela, dois dias antes, o grupo decidiu mudar a performance e no lugar da música I feel good, de James Brown, fazer um tributo a Madiba (como Mandela era chamado por seus admiradores), interpretando a música ‘Asimbonanga‘ (Nós não o vimos, em tradução livre), uma canção de protesto composta pelo músico e ativista sul-africando Johnny Clegg durante o período em que Mandela ainda estava na prisão e durante o apartheid, regime de segregação racial do país.

A canção, em dialeto local, foi traduzida para o português em diferente sites de letras de músicas. A parte apresentada no flashmob traz a seguinte letra [1]:
Asimbonanga [nós não o vimos]
Asimbonang’ uMandela thina [não vimos Mandela]
Laph’ekhona [no lugar onde está]
Laph’ehleli khona [no lugar onde o aprisionaram]
Asimbonanga
Asimbonang ‘umfowethu thina [nós não vimos nosso irmão]
Laph’ekhona [no lugar onde está]
Laph’wafela khona [no lugar onde morreu]
Sithi: Hey, wena [nós dizemos: “ei você!”]
Hey, wena nawe [“ei, você e você!”]
Siyofika nini la’ siyakhona [“quando chegaremos ao nosso destino?”].

Em poucas horas, o tributo a Mandela já tinha mais de dois milhões de visualizações no YouTube. Três anos após a morte de Mandela, o vídeo continua recebendo comentários e já ultrapassa a marca de cinco milhões de visualizações.

 

No cinema, a vida de Mandela foi abordada por diferentes produções. A mais conhecida, provavelmente, é a hollywoodiana Invictus [2] (assista ao trailer), uma espécie de tributo do premiado ator e diretor Clint Eastwood, com o igualmente premiado ator Morgan Freenman no papel de Mandela e com Matt Damon interpretando o papel de François Pienaar, o capitão da equipe de rugby sul-africana Springboks. A história, baseada em fatos reais, retrata o momento da chegada de Mandela ao poder e sua tentativa de reunificar um país dividido por décadas de segregação racial.


[1] tradução de Rafael Arrais publicada no blog Textos para Reflexão, em dezembro de 2013.
[2] O título do filme “Invictus” é uma analogia ao poema homônimo, do poeta inglês William Ernest Henley (1849-1903):
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu – eterno e espesso,
A qualquer deus – se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei – e ainda trago
Minha cabeça – embora em sangue – ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda – eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

Vídeos das aulas de curso da UNICAMP estão disponíveis na web

A Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas disponibiliza 15 aulas da disciplina Pedagogia Histórico-Crítica e a Escola Pública.

aulas

As aulas da disciplina Pedagogia Histórico-Crítica e a Escola Pública, oferecida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da FE-UNICAMP, sob a responsabilidade do professor José Claudinei Lombardi, estão disponíveis no YouTube. A iniciativa é da Faculdade de Educação da Unicamp. Ao todo, são 15 aulas que ocorreram no segundo semestre de 2015, algumas com a participação do professor emérito Dermeval Saviani.

Lista das aulas disponíveis:

Aula 1 – Introdução
EXPOSITOR: Dermeval Saviani

Aula 2 – Fundamentos Históricos e Filosóficos da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITOR: Newton Duarte

Aula 3 – Fundamentos Psicológicos da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITORA: Lígia Márcia Martins

Aula 4 – Pedagogia Histórico-Crítica como teoria pedagógica para uma escola em tempos de transição
EXPOSITOR: Cláudio de Lira Santos Júnior, José Claudinei Lombardi e Paulino José Orso

Aula 5 – Pedagogia Histórico-Crítica e Concepção de Educação Integral e Tempo Integral
EXPOSITORES: Antonio Carlos Maciel e Mara Regina Martins Jacomeli

Aula 6 – Gestão da Educação e da Escola
EXPOSITORES: José Claudinei Lombardi, Luciana Coutinho e Marlene Andrighetti Bialeski

Aula 7 – Implementação do Currículo em Redes Municipais
EXPOSITORAS: Juliana Pasqualini e Rosiane Ponce

Aula 8 – Aprofundamento da Discussão Sobre a Implementação do Currículo
EXPOSITORES: Julia Malanchen e Ricardo Pereira

Aula 9 – Didática: Problemas Teóricos, Metodológicos e Práticos
EXPOSITORAS: Ana Carolina Galvão Marsiglia e Lígia Márcia Martins

Aula 10 –Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica ao Ensino Infantil
EXPOSITORAS: Alessandra Arce e Lucinéia Lazaretti

Aula 11 – Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica ao Ensino Fundamental
EXPOSITORES: Jeferson Gonzalez, Larissa Quacchio e Lucas Teixeira

Aula 12 –Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica ao Ensino Médio
EXPOSITORES: Ricardo Eleutério dos Anjos e Tiago Nicola Lavoura

Aula 13 – Educação Especial na Perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITORES: Marilda Gonçalves Dias Facci, Silvana Tuleski, Sônia Maria Shima Barroco e Régis Henrique dos Reis Silva

Aula 14 – Formação de Professores na Perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITORES: José Claudinei Lombardi, Luciana Coutinho e Newton Duarte

Aula 15 – Conclusão: Possibilidades e Perspectivas
EXPOSITORES: Dermeval Saviani e José Claudinei Lombardi

A Pedagogia Histórico-Crítica, de Dermeval Saviani, é um marco nas teorias educacionais brasileiras. Preza pelo acesso dos estudantes aos conhecimentos científicos e culturais de modo não-conteudista, por meio da socialização do conhecimento historicamente construído pela humanidade, que permita a compreensão crítica do mundo, da sociedade, para poder transformá-los.

Livro para download: Cultura e artes do pós-humano

Baixe grátis o livro Cultura e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura, de Lúcia Santaella

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Uma mudança cultural significativa com e pelas mídias. Esse pode ser considerado o ponto de partida da análise que a pesquisadora brasileira Maria Lúcia Santaella Braga — uma das principais divulgadoras da cultura digital do tempo presente — faz nessa obra, lançada originalmente em 2003. A obra, por sua vez, é uma ampliação significativa (e um aprofundamento significativo de ideias) do livro “Cultura das Mídias”, de 1992. O exemplar reproduzido aqui é a 4ª edição da obra, de 2010. Uma das características das obras de Santaella, a propósito, é retomar em seus livros ideias lançadas em seus livros anteriores. Outra característica é que, mesmo com o passar do tempo, suas ideias permanecem atuais e, em alguns casos, até mesmo futuristas ou prospectivas. O conceito de pós-humano se encaixa nesse perfil.

A perspectiva do pós-humanismo foi elaborada na década de 1970 por Ihab Hassan, norte-americano de ascendência egípcia, para designar uma espécie de ódio do ser humano por si mesmo. Esquecido por algum termo, o neologismo voltou à tona nos escritos de intelectuais que estudam a arte, a cultura e a filosofia a partir da década de 1990, no bojo da emergência da cibernética e da hibridização entre humano e máquina. Embora esse fosse um tema recorrente das obras de ficção científica dos anos 80 (em que “Blade Runner” tornou-se clássico, mas em que talvez Robocop tenha sido a expressão mais popular, visto que não se passava em um futuro distante, mas numa Detroit decadente da época), tal hibridismo, longe de apenas mexer com a imaginação ficcional, está encrustada na própria cultura emergente via redes digitais. É nesta perspectiva que Santaella categoriza a passagem de uma cultura a outra: a cultura oral, a escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias até a cultura digital. A emergência de uma forma de cultura não exclui a outra, mas, ao contrário, a incorpora, de modo que todas coexistem no tempo presente.

Embora Santaella reconheça que os meios de comunicação são meros canais de informação, a passagem de uma cultura a outra está pautada nessas tecnologias como portadoras ou como veículos que carregam os elementos dessas distintas formas de cultura: segundo a autora, os tipos de signos que por elas circulam, os tipos de mensagens que engendram e os
tipos de comunicação que são capazes não só de moldar o pensamento dos seres humanos, mas também de propiciar o surgimento de novos ambientes socioculturais. A convergência das mídias, podemos pensar, seria uma espécie de convergência cultural, sobretudo com a emergência das tecnologias digitais de informação e comunicação, na qual o computador é visto como a mídia das mídias. Decorre da centralidade dessa tecnologia a característica essencial que Santaella distingue como a passagem da cultura de massa (até então predominante) para a cibercultura.

Na perspectiva de Santaella, seu propósito com esse livro é contribuir com sugestões de respostas às questões que estão no centro da atenção daqueles que têm sido movidos pelo desejo da pesquisa sobre os temas do ciberespaço, cibercultura e ciberarte: o que está acontecendo à interface ser humano-máquina e o que isso está significando para as comunicações e a cultura do início do século XXI. Com essa obra, Santaella convida o leitor a repensar o humano no alvorecer do vir-a-ser tecnológico do mundo contemporâneo, a partir da história das novas tecnologias, da filosofia, da psicanálise, da comunicação e semiótica e, principalmente, da arte. Santaella reconhece que o título do livro (referindo-se ao pós-humano) é perturbador, pois pode sugerir que o humano já se foi, perdeu-se no golpe dos acontecimentos. “Insisto em mantê-lo, apesar desses perigos interpretativos, porque pretendo chamar a atenção pra a necessidade de se repensar o humano até o limite de sua essência molecular”, afirma a autora.

Curtas de Museu: vídeos de animações sobre o acervo e a história do Museu Nacional

“Contos de Museu é uma série de pequenos vídeos de animações que contam histórias de itens das diferentes coleções do Museu Nacional e abordam aspectos históricos relacionados ao Paço de São Cristóvão (Edifício Sede do Museu Nacional desde 1892) e à Família Imperial” [1]. Realizada pelo Núcleo de Arte Digital e Animação da PUC-Rio, com financiamento da FAPERJ e consultoria dos professores do Museu Nacional, a série “oferece uma visão diferente sobre objetos de museu: como seria a vida do dinossauro cujo fóssil hoje podemos visitar? Como eram as múmias do Antigo Egito? Como Dom Pedro II reuniu algumas das mais preciosas peças em exposição no Museu Nacional, antigo Museu Real, no Rio de Janeiro?” [2].

Inaugurado em junho de 1818, o Museu Nacional é o mais antigo centro de ciência do país e o maior museu de história natural da América Latina. O site do museu oferece, além de toda informação sobre o acervo, exposições e visitas in loco, um serviço chamado Seção de Assistência ao Ensino – o mais antigo setor educativo de um museu brasileiro, em criado em 1927 – cujas “principais atribuições elaborar e implementar projetos educativos e culturais voltados para o público escolar (professores/as e alunos/as), universitários/as e para o público geral; agendar visitas escolares, formar mediadores para atuar nas ações educativas do Museu e emprestar material didático”. [3].

Sabemos que os museus são excelentes ambientes formativos, que proporcionam experiências enriquecedoras. Além de ser um espaço diferenciado daqueles que os estudantes normalmente frequentam, contém objetos com os quais não se esbarra todos os dias. Esses objetos, invariavelmente, possuem uma história e estão relacionados a fatos históricos, acontecimentos, modos de vida, de pensar e de agir humano e ajudam a contar a história da vida no planeta. Nada melhor do que potencializar a visita aos museus com recursos educacionais como as animações da série Contos de Museu.

Esses vídeos podem ser ponto de partida — ou de chegada — para enriquecer a visita aos museus e servir de apoio a pais e/ou educadores para auxiliar no planejamento de uma visita a qualquer museu. Conheça as animações disponíveis até agora pela série.

Max e Sam

O pequeno dinossauro Sam Tanaraptor avista algo estranho no céu e tenta avisar ao rei da floresta Max Akalissauro da destruição eminente. Os dois amigos então devem se reconciliar antes da chegada do meteoro e se unir aos outros dinossauros.

Bendegó

Na terra seca da caatinga, um menino descobre o que na época seria o maior meteorito já encontrado. Cem anos depois, Dom Pedro II ao saber da preciosidade no sertão baiano, promove uma das maiores empreitadas do Império: transportar mais de cinco toneladas de ferro até a capital no Rio de Janeiro.

Sha-Amun-En-Su

Entre as misteriosas dunas do Egito, esconde-se um templo ancestral chamado Karnak. Um dos seus segredos surge na forma de Shamunensu, uma cantora peculiar que mais tarde se tornaria amiga e conselheira de Dom Pedro.

O Gato Múmia

Os hieróglifos animados de uma antiga parede dos Contos de Museu nos conta a curiosa história dos gatos mumificados. O porque de serem tratados como membros da família a ponto de ter recebido do povo egípcio a honra da mumificação.

Leopoldina – A casa da Imperatriz

Nos tempos do Brasil Império havia uma Imperatriz diferente das outras, Maria Leopoldina,
uma amante das ciências naturais que potencializou a criação do primeiro museu Brasileiro, o Museu Nacional.

Fontes:

[1] https://saemuseunacional.wordpress.com/2014/09/27/contos-de-museu-curtas-de-animacao-sobre-o-acervo-e-a-historia-do-museu-nacional/

[2] http://www.todacriancapodeaprender.org.br/curtas-que-arrebatam-17/

[3] http://www.museunacional.ufrj.br/visitacao/secao-de-assistencia-ao-ensino

Campanha substitui cachorro por criança e o final é de cortar o coração

A produtora Deadelens Pictures é especialista em criar campanhas emocionantes. Um vídeo da produtora, de uma campanha publicitária contra o abandono de animais, está fazendo sucesso nas redes sociais pelo desfecho comovente. Publicado em 13 de abril no canal da produtora no YouTube, o vídeo já acumula cerca de 6.6 milhões até a data de hoje.

campanha

A história narrada na campanha é bastante simples e, na verdade, é uma história bem comum no caso de abandono de animais: a rejeição da família, depois de um certo tempo. O sugestivo título “Gift”, atribuído ao filme, é uma alusão ao mito de que animais ‘de estimação’ não passam de presentes, de objetos que quando perdem a graça (ou se tornam um ‘incômodo’) podem ser deixados de lado e/ou descartados, num contexto de sociedade consumista e de descarte programado e de coisificação de seres vivos: pets não passam de mercadorias nesse contexto. Implicitamente, a campanha reforça um tipo de consciência para que as pessoas tratem os animais como seres vivos, e não como objetos. Como seres vivos, precisam de atenção, de cuidados, de rotinas. E, sim, haverá bagunça em algum (ou muitos) momento(s). Se você não estiver pronto pra isso, não adote e muito menos compre um animal.

A grande sacada da campanha foi a de substituir o cachorro por uma menina, gradativamente rejeitada, até ser abandonada. Não se trata de comparar levianamente crianças com animais, mas de trazer uma visão mais humanizada para a questão. Difícil resistir ao final.

13 de maio: a história questionada pela arte do Carnaval

Historicamente, é ensinado nas escolas que no dia 13 de maio é comemorado o dia da abolição na escravatura no Brasil, o que é correto: a Lei Imperial n. 3.353, mais conhecida como Lei Áurea, foi sancionada em 13 de maio de 1888 e extinguiu, oficialmente, a escravidão no Brasil.

A história romantizada coloca a Princesa Isabel, que assinou a lei, como uma espécie de heroína das populações negras. A propaganda ideológica oficial sobre libertação dos negros das duras condições de vida às quais eram submetidos, atrelada a não menos romantizada ideia de uma miscigenação que circulava naquele século, teve grande importância para que durante muito tempo se contasse “a história” da abolição da escravatura no Brasil. Ainda hoje se vê cartazes (muitos reproduzidos nas escolas, com maior ou menor inocência ou negligência) com essa história romantizada. No geral aparecem os agora ex-escravos com suas correntes sendo quebradas, festejando a tão sonhada liberdade.

cartazes

Esses cartazes, muitas vezes trabalhados e apresentados nos murais e corredores das escolas, mostram ainda o longo caminho a ser precorrido para que a história brasileira e, em especial, do negro, sejam recontadas para as novas gerações. Felizmente, nas últimas décadas do século XX, um conjunto de estudos começaram a colocar em xeque a versão romantizada da história da abolição da escravatura no Brasil, que muitas vezes era reforçada na teledramaturgia nacional. Embora presas ao meio acadêmico ou aos movimentos sociais organizados, a problematização dessa versão romântica da história — a dos negros sendo liberados, a euforia generalizada pela Lei Áurea, correntes sendo quebradas etc. — propagada em peças publicitárias da época começou a ganhar maior repercussão para outros espaços sociais e midiáticos.

Em 1988, por ocasião do centenário da Lei Áurea, a Escola de Samba carioca Estação Primeira de Mangueira colocou o dedo na ferida e questionou, para quem quisesse ver e ouvir, a história oficial. O título do samba-enredo (campeão do carnaval daquele ano) era intimidador para quem insistia na versão romantizada da abolição da escravatura: “100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão?”. No decorrer da letra, os compositores indagavam: “dentro da realidade onde está a liberdade?”. E pintavam a aquarela da realidade do negro “liberto”: livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela.

O samba-enredo é considerado um dos mais belos da história do carnaval brasileiro. Não trouxe nenhuma temática nova (o que não é uma função dos temas carnavalescos), mas deu vazão a uma demanda represada de discussões que, na época, ainda não tinham grande repercussão nos espaços mais comuns. Com um adicional de que, à essa época, o carnaval carioca já havia se tornado um grande espetáculo midiático, televisionado para todo o país.

A letra completa é essa a seguir, que você pode conferir ouvindo a versão disponível no Youtube.


Samba Enredo 1988 – 100 Anos de Liberdade, Realidade Ou Ilusão
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (RJ)

O negro samba, o negro joga a capoeira
ele é o rei na verde-rosa da mangueira

Será…
Que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será…
Que a lei áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu
Moço
Não se esqueça que o negro também construiu
As riquezas do nosso brasil

Pergunte ao criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela

Sonhei…
Que zumbi dos palmares voltou
A tristeza do negro acabou
Foi uma nova redenção

Senhor…
eis a luta do bem contra o mal…contra o mal
que tanto sangue derramou
contra o preconceito racial

Fonte: Terra Música


Na internet, existem vários vídeos sobre o desfile. Esse é um compacto, sem a voz dos narradores, apenas com o áudio do sambódramo:

Por que essas questões são importantes?

Primeiro, para que, quando professores forem trabalhar em sala de aula, tentem desmistificar a história romantizada da abolição da escravatura no Brasil e problematizar as condições históricas nas quais os negros foram libertados: como se sabe, muitos não tinham para onde ir e ‘optaram’ por continuar servindo seus antigos senhores.

Segundo, porque em tempos digitais, é preciso estar atento ao que circula nas redes sociais no que diz respeito a posicionamentos racistas, como os que continuam acontecendo e tendo, às vezes, pouca repercussão, como o caso do casal que sofreu racismo no Facebook após publicar uma foto.

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E, para quem pensa que esses problemas estão superados, nesse lindo mês de maio, em que se “comemora” a Lei Áurea, casos de racismo continuam se proliferando no Facebook, como foi noticiado nos últimos dias: o caso do anúncio falso da venda de um bebê, os comentários racistas contra uma jornalista de Brasília (DF) e contra a nova ‘garota do tempo’ do Jornal Nacional. Longe de estar superado, a questão do racismo ganhou novos contornos e precisa ser problematizado pelos educadores em seus espaços de atuação.

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E, em terceiro lugar, para que os professores possam olhar para o Carnaval (mais especificamente os temas-enredos e as letras dos sambas das escolas de samba) como um espaço de produções de críticas sociais muitas vezes mais avançadas do que aquelas reproduzidas nas escolas. E, claro, como possibilidade de se planejar a transposição desses conteúdos (ou do uso de temas abordados nos carnavais) de forma interdisciplinar e transversal aos currículos dos diferentes níveis de ensino.

Tem alguma experiência nessa perspectiva? Compartilhe em sua rede social. Vale o espírito de colaboração e de estabelecimento de comunidades virtuais.

Trabalho ubíquo e o apelo do Ministro: uma realidade na cultura digital?

Ontem, me deparei com um post no Facebook que me chamou atenção.

Antes de prosseguir, devo dizer que tenho, na minha rede social, muitos professores. Muitos deles, professores universitários. Alguns são bem ativos nas redes sociais, outros nem tanto. Algumas vezes, alguns professores vêm desabafar na rede sobre o excesso de trabalho, sobre plataformas que não funcionam ou que exigem que todo o trabalho seja refeito. Por exemplo, a plataforma Sucupira ou a plataforma Lattes, que são de uso praticamente obrigatório para professores e pesquisadores, sobretudo os que atuam na pós-graduação stricto sensu.

Voltando a falar do post, era de ninguém menos do que o Sr. Ministro da Educação, prof. Renato Janine. A certa altura, escreveu ele: “Desde que me tornei ministro da educação, tenho recebido enorme quantidade de mensagens através do Facebook, e me é humanamente impossível dar atenção a tudo o que aqui recebo. Nem mesmo uma triagem pode ser feita por meus assessores, pois o meu perfil é pessoal, não institucional, e os assessores não podem gerir uma página pessoal […]”.

Sem saber, o Ministro chancela, em seu depoimento pessoal — não na condição de ministro, mas por causa disso — uma preocupação que há algum tempo vem chamando minha atenção e que mereceu um estudo mais aprofundado: a realidade da extensificação do trabalho a que professores, de todos os níveis de ensino, são submetidos. No momento estamos realizando a coleta de dados entre professores e pesquisadores que atuam na pós-graduação stricto sensu brasileira sobre os tensionamentos e ambiguidades presentes nos processos de inserção de tecnologias digitais nos processos de trabalho desses pesquisadores. Uma de nossas hipóteses de trabalho é a ocorrência do que estamos chamando de “trabalho ubíquo”.

Em termos de cultura digital, ubiquidade se refere, em linhas gerais, ao duplo movimento simultâneo de presença-ausência física e on-line. Em outros termos, a capacidade que as tecnologias digitais e móveis permitem de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Quando agregamos a esse fator os condicionantes políticos e a lógica do produtivismo acadêmico a que pesquisadores são submetidos temos, em maior ou menor grau, a fusão dos espaços de trabalho e de lazer, a fusão dos tempos de descanso e de trabalho, a fusão do público e do privado. E os momentos e espaços de lazer, na cultura digital, podem se converter também em espaços e tempos de trabalho, sem que muitas vezes os professores pesquisadores se deem conta disso. Essas seriam as principais características disso que provisoriamente estamos nos referindo a trabalho ubíquo e, claro, a pesquisa que estamos realizando vai contestar ou comprovar.

O Ministro da Educação levou apenas algumas semanas no cargo para perceber esse movimento. Em seu desabado on-line, expressou que “Gostaria de manter o Facebook como um espaço de lazer, e não como uma extensão de [suas] atividades de trabalho”. É comum observar outros desabafos como esse. Seja no caso da página pessoal do Facebook, seja no caso do uso do e-mail pessoal (mesmo nos casos em que os professores utilizem também um e-mail institucional) ‘invadido’ por questões relacionado ao trabalho. Outro dia li no post de uma professora universitária que tirou 10 dias de férias para viajar e quando voltou havia 100 e-mails para responder. Provavelmente, outros trabalham nas férias, mesmo que seja lendo e respondendo um único e-mail. Você tira férias, mas o trabalho não pára. Você está em seu momento de descanso, mas via tecnologias digitais e móveis, redes sociais na internet ou WhatsApp, o trabalho vem atrás de você. Quem nunca teve essa sensação? Trabalho ubíquo: você está assistindo a TV, mas também está respondendo um e-mail de trabalho ou, no caso do Ministro (e possivelmente de outros professores), respondendo a mensagens e comentários no Facebook de pessoas com as quais a única ligação existente é o seu trabalho; e obviamente o assunto tratado é referente a trabalho.

Culpa das redes? Claro que não. As tecnologias, por si só, não fazem nada. E esse movimento nem pode ser explicado pelas tecnologias em si. É a tal lógica de funcionamento do sistema, que em busca de maior produtividade vai lançando mão de todos os subterfúgios e recursos disponíveis para impelir os trabalhadores a trabalharem mais sob a falsa aparência de que estão trabalhando menos.

A pergunta que fica: se até o Ministro já sentiu os efeitos do trabalho ubíquo na pele (no caso, na tela), por que não há uma perspectiva de mudança na lógica produtivista imposta pela CAPES aos pesquisadores brasileiros, que favorecem (por suposto) práticas como essas de extensificação do trabalho?

Museu sem paredes

A imagem abaixo circulou nas redes sociais no começo desse mês, publicada no perfil do Facebook de uma conhecida personalidade. Trata-se, ao fundo, do quadro Ronda Noturna, de Rembrandt, exposto em Amsterdã.

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A descrição da foto dizia: Cultura Virtual. #inacreditável!!!! — assim mesmo, com essas várias exclamações. Imagem sem contextualização + descrição + posicionamento de uma personalidade ilustre = consenso. Como se pode ver nos comentários que se seguiram na publicação, muita gente achou a imagem um absurdo.

Deveria ser proibido entrar com celular. Um desperdicio, total falta de cultura“. “Isto virou pura loucura. A psicanlise explica!” (sic). “Que pena que não dão valor ao que está aos seu redor“. “É triste observar a cena congelada dos jovens grudados em seus celulares tendo uma cena com detalhes de luz fantásticos a serem observados!“. “Inversão de valores… mal do século“. “Depressão coletiva só olham para baixo“. “Futuros alienados!” — esses foram alguns dos comentários sobre a imagem publicada. Alguns, porque a imagem foi compartilhada mais de 70 mil vezes em 15 dias. Bem sabemos que imagem não vale mais do que mil palavras, ao contrário do que reza o dito popular. Millôr Fernandes, certa vez disse:  “uma imagem vale mais do que mil palavras? Tente explicar isso com uma imagem”. Por essa e outras que sempre recorremos à semiótica para analisar uma imagem em seu contexto. E não, nem sempre acredite na descrição que acompanha uma imagem!

A imagem acima, com descrição e interlocutor, é apenas mais um exemplo do quão problemático é se precipitar e julgar uma imagem, sem analisá-la. Embora, à primeira vista, pareça uma “geração de alienados” olhando fixo para o celular e desprezando uma das maiores obras de arte da nossa cultura ocidental, trata-se, na verdade, do uso de tecnologia móvel pelo museu, para ampliar a experiência cultural dos visitantes, conforme foi publicado em outro post, felizmente, por uma usuária do Facebook que entrou em contato com o museu para esclarecer a questão.

Desse episódio tiramos duas lições: não devemos jamais acreditar em tudo o que vemos a priori, mesmo — e talvez principalmente — que seja um post de uma personalidade famosa. E a segunda lição, estamos cada vez mais vendo uso de tecnologias móveis para apreciar obras de arte ou relíquias históricas.

Foi assim que recebemos, semana passada, a notícia via jornal Zero Hora: São Miguel das Missões ganha aplicativo que mostra como ruínas eram antigamente. Trata-se de um aplicativo denominado “Museu sem Paredes”, descrito como um projeto de realidade aumentada por meio do qual é possível ter uma visão 3D do local e saber como era a construção antigamente. O aplicativo está disponível para download gratuito com versões para iOS e Android e foi desenvolvido pela designer Karolina Ziulkoski, como resultado de seu mestrado no Interactive Telecommunications Program da New York University.

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O aplicativo é um modelo para museus em sítios históricos, proporcionando experiências imersivas sem nenhuma intervenção física: o conteúdo é totalmente digital e disponível apenas no local, trazendo informação e conteúdo para sítios históricos. Aqui, o estudo de caso é São Miguel das Missões, RS, Brasil, uma antiga redução jesuítica e patrimônio da humanidade. O aplicativo de realidade aumentada permite uma exploração individual profunda, mostrando de forma íntima o dia a dia da missão em duas partes: o sítio como era antes, e mini guias de áudio feitos a partir de histórias interessantes da comunidade. [1]

As ruínas de São Miguel das Missões foram tombadas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 1983. É o único caso na região sul do Brasil. Se algum dia você for visitar São Miguel das Missões e ver um monte de pessoas grudadas na tela do celular, não pense — a priori — que elas estão ignorando uma das mais poderosas obras arquitetônicas dos jesuítas no Brasil: elas podem estar tendo uma experiência cultural muito mais imersiva na obra do que aqueles que estão apenas segurando os folhetinhos de guias de viagem.