13 de maio: a história questionada pela arte do Carnaval

Historicamente, é ensinado nas escolas que no dia 13 de maio é comemorado o dia da abolição na escravatura no Brasil, o que é correto: a Lei Imperial n. 3.353, mais conhecida como Lei Áurea, foi sancionada em 13 de maio de 1888 e extinguiu, oficialmente, a escravidão no Brasil.

A história romantizada coloca a Princesa Isabel, que assinou a lei, como uma espécie de heroína das populações negras. A propaganda ideológica oficial sobre libertação dos negros das duras condições de vida às quais eram submetidos, atrelada a não menos romantizada ideia de uma miscigenação que circulava naquele século, teve grande importância para que durante muito tempo se contasse “a história” da abolição da escravatura no Brasil. Ainda hoje se vê cartazes (muitos reproduzidos nas escolas, com maior ou menor inocência ou negligência) com essa história romantizada. No geral aparecem os agora ex-escravos com suas correntes sendo quebradas, festejando a tão sonhada liberdade.

cartazes

Esses cartazes, muitas vezes trabalhados e apresentados nos murais e corredores das escolas, mostram ainda o longo caminho a ser precorrido para que a história brasileira e, em especial, do negro, sejam recontadas para as novas gerações. Felizmente, nas últimas décadas do século XX, um conjunto de estudos começaram a colocar em xeque a versão romantizada da história da abolição da escravatura no Brasil, que muitas vezes era reforçada na teledramaturgia nacional. Embora presas ao meio acadêmico ou aos movimentos sociais organizados, a problematização dessa versão romântica da história — a dos negros sendo liberados, a euforia generalizada pela Lei Áurea, correntes sendo quebradas etc. — propagada em peças publicitárias da época começou a ganhar maior repercussão para outros espaços sociais e midiáticos.

Em 1988, por ocasião do centenário da Lei Áurea, a Escola de Samba carioca Estação Primeira de Mangueira colocou o dedo na ferida e questionou, para quem quisesse ver e ouvir, a história oficial. O título do samba-enredo (campeão do carnaval daquele ano) era intimidador para quem insistia na versão romantizada da abolição da escravatura: “100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão?”. No decorrer da letra, os compositores indagavam: “dentro da realidade onde está a liberdade?”. E pintavam a aquarela da realidade do negro “liberto”: livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela.

O samba-enredo é considerado um dos mais belos da história do carnaval brasileiro. Não trouxe nenhuma temática nova (o que não é uma função dos temas carnavalescos), mas deu vazão a uma demanda represada de discussões que, na época, ainda não tinham grande repercussão nos espaços mais comuns. Com um adicional de que, à essa época, o carnaval carioca já havia se tornado um grande espetáculo midiático, televisionado para todo o país.

A letra completa é essa a seguir, que você pode conferir ouvindo a versão disponível no Youtube.


Samba Enredo 1988 – 100 Anos de Liberdade, Realidade Ou Ilusão
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (RJ)

O negro samba, o negro joga a capoeira
ele é o rei na verde-rosa da mangueira

Será…
Que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será…
Que a lei áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu
Moço
Não se esqueça que o negro também construiu
As riquezas do nosso brasil

Pergunte ao criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela

Sonhei…
Que zumbi dos palmares voltou
A tristeza do negro acabou
Foi uma nova redenção

Senhor…
eis a luta do bem contra o mal…contra o mal
que tanto sangue derramou
contra o preconceito racial

Fonte: Terra Música


Na internet, existem vários vídeos sobre o desfile. Esse é um compacto, sem a voz dos narradores, apenas com o áudio do sambódramo:

Por que essas questões são importantes?

Primeiro, para que, quando professores forem trabalhar em sala de aula, tentem desmistificar a história romantizada da abolição da escravatura no Brasil e problematizar as condições históricas nas quais os negros foram libertados: como se sabe, muitos não tinham para onde ir e ‘optaram’ por continuar servindo seus antigos senhores.

Segundo, porque em tempos digitais, é preciso estar atento ao que circula nas redes sociais no que diz respeito a posicionamentos racistas, como os que continuam acontecendo e tendo, às vezes, pouca repercussão, como o caso do casal que sofreu racismo no Facebook após publicar uma foto.

racismo2

E, para quem pensa que esses problemas estão superados, nesse lindo mês de maio, em que se “comemora” a Lei Áurea, casos de racismo continuam se proliferando no Facebook, como foi noticiado nos últimos dias: o caso do anúncio falso da venda de um bebê, os comentários racistas contra uma jornalista de Brasília (DF) e contra a nova ‘garota do tempo’ do Jornal Nacional. Longe de estar superado, a questão do racismo ganhou novos contornos e precisa ser problematizado pelos educadores em seus espaços de atuação.

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E, em terceiro lugar, para que os professores possam olhar para o Carnaval (mais especificamente os temas-enredos e as letras dos sambas das escolas de samba) como um espaço de produções de críticas sociais muitas vezes mais avançadas do que aquelas reproduzidas nas escolas. E, claro, como possibilidade de se planejar a transposição desses conteúdos (ou do uso de temas abordados nos carnavais) de forma interdisciplinar e transversal aos currículos dos diferentes níveis de ensino.

Tem alguma experiência nessa perspectiva? Compartilhe em sua rede social. Vale o espírito de colaboração e de estabelecimento de comunidades virtuais.

Sobre Rafael Cunha

Doutor em Educação; doutorando em Sociologia Política e Mestre em Educação na área de comunicação e tecnologias. Há mais de uma década pesquisa sobre cultura digital e suas relações com trabalho, educação, comunicação e vida cotidiana.

Publicado em 13 de maio de 2015, em Sem categoria. Adicione o link aos favoritos. 1 comentário.

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