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Livro para download: “Sociedade do Espetáculo”

Baixe grátis o livro Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord.

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Meio século depois de sua publicação, o livro Sociedade do Espetáculo permanece atual e, de um certo ponto de vista, as ideias centrais contidas na obra pouco se alteraram no que diz respeito às dinâmicas sociais, econômicas e políticas. Pode-se dizer, inclusive, que as tecnologias digitais da comunicação e da informação elevaram à máxima potência algumas das questões que, quando Guy Debord escreveu a obra, ainda não se faziam presente. Cada vez mais representada pelos meios de comunicação (agora também pelas mídias digitais), a concretude da realidade social é um mosaico de espetáculos, alguns com contornos de show de horrores. Os fatos sociais da atualidade (sejam eles um acidente de grande comoção, uma decisão política, a violência urbana ou os engarrafamentos cotidianos) são convertidos em espetáculos a serem transmitidos “em tempo real”, consumidos e patrocinados. Os fatos sociais, como espetáculos, nos chegam aos sentidos não como uma percepção direta, mas são trabalhados com o melhor ângulo da imagem, devidamente recortado no tempo e no espaço, com roteiro e hora certa para acabar — interrompido pelo próprio item da programação, ou estendido à exaustão se estiver gerando audiência e, consequentemente, dinheiro dos patrocinadores. Em certa medida, somos reduzidos a espectadores e formamos nossa opinião sobre algum fato social pela mediação espetacularizada dele, e não sobre o fato em si mesmo.

Guy Debord (1931-1994), pensador e cineasta francês, publicou “Sociedade do Espetáculo” em 1967 e a obra foi e continua sendo de grande influência para os pensadores que têm como objeto de análise os simulacros, as simulações, enfim, o “espetáculo” propriamente dito no qual a sociedade mediatizada se converte. Muito embora o jargão “sociedade do espetáculo” tenha se popularizado para designar um tipo de comportamento social influenciado pelos meios de comunicação, a obra é muito mais complexa do que essa alusão. Os excertos a seguir foram extraídos e adaptados da crônica de José Aloise Bahia, jornalista e escritor, na edição 313 do Observatório da Imprensa, em janeiro de 2005, em que o professor comenta a obra de Debord e, aqui, serve como um preâmbulo, um prefácio não-oficial do livro.

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O ponto de partida do livro é uma crítica ferina e radical a todo e qualquer tipo de imagem que leve o homem à passividade e à aceitação dos valores preestabelecidos pelo capitalismo. Para o autor, a sociedade da época estava contaminada pelas imagens, sombras do que efetivamente existe, onde se torna mais fácil ver e verificar a realidade no reino das imagens, e não no plano da própria realidade. Servindo-se de aforismos, no primeiro deles Debord afirma que ‘toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação’. Ou seja, pela mediação das imagens e mensagens dos meios de comunicação de massa, os indivíduos em sociedade abdicam da dura realidade dos acontecimentos da vida, e passam a viver num mundo movido pelas aparências e consumo permanente de fatos, notícias, produtos e mercadorias.

A sociedade do espetáculo é o próprio espetáculo, a forma mais perversa de ser da sociedade de consumo. Como bem observa José Arbex Jr. no livro Showrnalismo: a notícia como espetáculo (Editora Casa Amarela, São Paulo, 2001):


O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores’.

Desta maneira, as relações entre as pessoas transformam-se em imagens e espetáculo. ‘O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens’, argumenta Debord. O consumo e a imagem ocupam o lugar que antes era do diálogo pessoal através da TV e os outros meios de comunicação de massa, publicidades de automóveis, marcas etc. e produz o isolamento e a separação social entre os seres humanos. Por exemplo, a questão da droga será tratada na TV (algumas telenovelas brasileiras mais recentes abordaram tal assunto), e não no seio familiar. Ocorre aí uma devastadora inversão da noção de valores. O espetáculo se constitui a realidade e a realidade o espetáculo. Já não se tem um limite definido para as coisas.

Efeito-sanduíche

Com a presença incessante dos meios de comunicação de massa, o homem passa a ser e a viver uma vida sonhada e idealizada, na qual a ficção mistura-se à realidade, e vice-versa, incorporando-se à realidade vivida pelo indivíduo (interessante citar, e tudo leva a crer que, a partir das idéias de Debord, Eugênio Bucci apresenta as cinco leis não escritas – não explicitadas – da televisão brasileira no livro Brasil em tempos de TV, da Boitempo Editorial, 1997, entre elas o efeito-sanduíche realidade-ficção/ficção-realidade, pelo qual os telejornais (reino da realidade) se organizam como melodramas (reino da ficção) e as novelas (reino da ficção) vão se alimentar no reino da realidade. O reino da notícia bebe no da ficção, e vice-versa, produzindo um entendimento parcial, fragmentado, e nunca pleno do mundo dos acontecimentos.

Num desdobramento, este esquema perpassa toda a programação da televisão, principalmente no horário noturno. O esquema é o seguinte: um programa alicerçado no real (noticiário, documentário, grandes reportagens) e em seguida outro no reino da ficção (novelas, filmes etc.), e por aí vai se alternando. Debord, enfaticamente, observa que esta imagem manipulada da realidade pelos meios de comunicação de massa faz com que o reino das emoções (raiva, felicidade etc.), assim como a justiça, a paz e a solidariedade, sejam apresentadas como espetáculo. Os meios de comunicação de massa criam a partir daí uma realidade própria para que a sociedade se solidarize e crie novos critérios de julgamento e justiça conforme seus conceitos manipuladores.

Estas novas tecnologias no campo da informação agem na capacidade de percepção dos indivíduos e dificultam a representação do mundo pelas atuais categorias mentais. A sociedade transforma-se numa sociedade do espetáculo, na qual a contínua reprodução da cultura é feita pela proliferação de imagens e mensagens dos mais variados tipos. A conseqüência é uma vida contemporânea super-exposta e invadida pelas imagens, operacionalizando um novo tipo de experiência humana, caracterizada por um modo de percepção que torna cada vez mais difícil separar-se ficção de realidade.

A mídia, principalmente a televisiva, passa então a atuar de maneira decisiva na definição das agendas e dos temas que norteiam todo o processo cultural e social relevantes. Como observa Debord, ‘o conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. Sua diversidade e contrastes são as aparências dessa aparência organizada socialmente, que deve ser reconhecida em sua verdade geral. Considerado de acordo com seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida – isto é, social – como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo o descobre como a negação visível da vida; como negação da vida que se tornou visível’.

O ambiente é o da manipulação, onde o homem acaba sendo governado por algo que ele próprio criou. Relembrando McLuhan, ‘os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os homens’. A visão de mundo já é de outra ordem e natureza. Como afirma Debord:

Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o mundo que já não se pode tocar diretamente, serve-se da visão como sendo o sentido privilegiado da pessoa humana – o que em outras épocas fora o tato; o sentido mais abstrato, e mais sujeito à mistificação, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não pode ser identificado pelo simples olhar, mesmo que este esteja acoplado à escuta. Ele escapa à atividade do homem, à reconsideração e à correção de sua obra. É o contrário do diálogo. Sempre que haja representação independente, o espetáculo se reconstitui.

 

Concentrado e difuso

Debord caracteriza o espetáculo de dois tipos: o concentrado e o difuso. Ambos, centrados na noção de unificação feliz e, posteriormente, acompanhado de mal-estar, desolação e pavor. O tipo concentrado é essencialmente burocrático e ditatorial. Uma situação típica do tipo concentrado de espetáculo advém dos antigos regimes comunistas, em que o Estado impunha a identificação popular pelo espetáculo e com isso escondia-se a verdadeira realidade socioeconômica. Outro exemplo: a hegemonia dos atletas alemães orientais e soviéticos nas Olimpíadas das décadas de 1960 e 1970. Com suas conquistas garantiam internamente a imagem de uma suposta supremacia da ordem estabelecida sobre uma outra exterior – o triunfo maquiando os eventuais desgastes do regime em relação a outras realidades no campo de direitos humanos, alimentação e trabalho.
Atualmente, Cuba é um exemplo clássico deste tipo de espetáculo concentrado. Não devemos esquecer do Brasil pós-1964, com slogans e lemas político-propagandísticos como ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’ e ‘Este é um país que vai pra frente’, cantados, reproduzidos nas rádios e TVs, usados pelos militares para consubstanciar e silenciar as atrocidades cometidas e a inoperância, mascarada de milagre econômico, à custa de endividamento externo estrondoso. O espetáculo difuso está presente em regimes mais democráticos, onde a superprodução de mercadorias em marcas variáveis induz e garante uma aparente ‘poder de escolha’, entretanto fazendo crer que os indivíduos vivam num reino falso da ‘liberdade de escolha’.

Posteriormente, em 1988, Guy Debord retoma a discussão em Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Ampliando a temática, reconhece que o domínio do espetáculo é o grande vencedor e integrador de toda a sociedade: tudo o que se apresenta aos cidadãos e consumidores somente pode ser confirmado, cada vez mais, pelas imagens e o marketing, tendo o público de certa forma de confiar naquilo que foi ‘criado’ para ele. Ou seja, o critério da verdade e da validade da realidade é tudo aquilo que foi noticiado. Se a mídia em geral não noticiou e nada foi comentado em público sobre determinado acontecimento, as pessoas tornam-se céticas quanto à veracidade da informação. Por mais que tenham vivenciado determinado acontecimento, fica no ar a pergunta: ‘Será que isso realmente aconteceu?’ Em outras palavras, se o fato não foi noticiado, divulgado, não teve registro imagético, não deve ter acontecido. É a realidade transformada em imagem, o espetáculo, em realidade. É o reino do espetáculo suplantando a realidade. Reiterando, se o fato não apareceu na TV e jornais, não aconteceu.

Como confirma Debord, ‘no plano das técnicas, a imagem construída e escolhida por outra pessoa se tornou a principal ligação do indivíduo com o mundo que, antes, ele olhava por si mesmo, de cada lugar aonde pudesse ir. A partir de então, é evidente que a imagem será a sustentação de tudo, pois dentro de uma imagem é possível justapor sem contradição qualquer coisa. O fluxo de imagem carrega tudo: outra pessoa comanda a seu bel-prazer esse resumo simplificado do mundo sensível, escolhe aonde irá esse fluxo e também o ritmo do que deve aí se manifestar, como perpétua surpresa arbitrária que não deixa nenhum tempo para a reflexão, tudo isso independe do que o espectador possa entender ou pensar’.

Total desinformação

Uma conseqüência séria, segundo Debord, é a total desinformação da sociedade. Não a desinformação como negação da realidade, e sim um novo tipo de informação que contém uma certa parte de verdade, o qual será usado de forma manipulatória. ‘Em suma, a desinformação seria o mau uso da verdade’. E, o mundo da desinformação é o espaço onde já não existe mais o tempo necessário para qualquer verificação dos fatos.

Assim, analisa Debord, ‘ao contrário do que seu conceito espetacular invertido afirma, a prática da desinformação só pode servir o Estado aqui e agora, sob a sua direção direta, ou por iniciativa dos que defendem os mesmos valores. De fato, a desinformação reside em toda a informação existente; e como seu caráter principal. Ela só é nomeada quando é preciso manter pela intimidação, a passividade. Quando a desinformação é nomeada, ela não existe. Quando existe, não é nomeada’.

Esta nova sociedade do espetáculo e desinformação, de acordo com o autor, é o universo, onde tudo é possível. Um grande carnaval caracterizado pelo desaparecimento de critérios de verdade e validade, que antes eram referenciados em atitudes e funções específicas desempenhadas no mundo do trabalho. Neste contexto, por exemplo, um médico pode ser cantor e ator ao mesmo tempo, e aparecer na televisão defendendo o uso de determinado produto, marca ou remédio de ponta, de determinado laboratório, como sendo o mais eficaz contra determinada doença, fratura ou inflamação. Bem como pode aparecer também em programas de auditório e novelas, garantindo e corroborando o status científico, e a noção do bom e do belo, do asséptico e o efeito dourado de bem-estar do produto para a saúde dos consumidores e cidadãos. Este seria um outro novo aspecto que alimenta e afirma que o espetáculo não pode parar, e que todos podem um dia ter a possibilidade, nem que seja em 15 minutos de fama, de se tornarem artistas e aparecer na televisão.

Desta maneira, parte da modernidade e a época atual são a sociedade do espetáculo, do consumo e da fragmentação. E, de acordo com as idéias de Debord, apocalípticas, extremistas, impiedosas e lúcidas em seus julgamentos, esta sociedade é a negação da própria humanidade, que em sua plenitude procura um certo tipo de felicidade em meio ao esfacelamento da capacidade de liberdade de escolha, já totalmente preenchida em seu imaginário pela satisfação garantida, a partir de um real fabricado, que finca e irradia os seus espectros num mundo cada vez mais saturado pelas imagens.

 

Asimbonanga: o flashmob que mantém Mandela vivo

O flashmob, uma intervenção artística própria da cultura digital, foi improvisado pelo Soweto Gospel Choir’s dois dias após a morte de Mandela, em 2013.

No dia 5 de dezembro de 2013, o mundo deu adeus a uma das principais personalidades do século XX: aos 95 anos e internado há meses por conta de uma infecção pulmonar, a morte do líder político Nelson Mandela era anunciada oficialmente pelo presidente sul-africano Jacob Zuma. Uma onda de comoção tomou conta do país, do noticiário internacional e das redes sociais mundo afora. Na África do Sul, sua terra natal, o sentimento de luto era acrescido pelo sentimento de que, mais do que um líder, o país perdia um pai, sobretudo da população negra. Na página oficial de Mandela, no Facebook, uma mensagem em várias línguas — inclusive em português — lembrava uma de suas frases, em um documentário sobre sua biografia em 1996: A morte é inevitável. Quando um homem fez o que considera seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz. Acredito ter feito esse esforço, e é por isso, então, que dormirei pela eternidade.

Nobel da Paz de 1993, ativista dos direitos humanos e da igualdade racial e líder da África do Sul reunificada racialmente, onde foi presidente de 1994 a 1999, após permanecer 27 anos na prisão. Preso em 1962, condenado a cinco anos de prisão, só foi libertado em 1990, após grande pressão internacional e no auge de uma guerra civil na África do Sul. Durante a prisão, ficou confinado na Ilha Robben numa cela de 2,5 metros por 2,1 metros, com apenas uma pequena janela de 30 cm e sem acesso a qualquer tipo de informação do mundo exterior. Saia da cela apenas para trabalhar, quebrando pedras. Mandela foi o responsável pela unificação racial da África do Sul moderna, no contexto em que uma de suas frases se tornou imortal e síntese de sua luta: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, da sua origem ou da sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar.”. A história de Mandela é, espero, bastante conhecida e sua riqueza não caberia nesse texto. Esse texto não é sobre a vida, a morte ou o legado de Mandela, propriamente dito, mas sobre uma homenagem a ele, improvisada e comovente, que correu o mundo em 2013: um flashmob organizado por um grupo gospel em um supermercado.

Mandela morreu em 5 de dezembro de 2013. A rede de supermercados Woolworths havia planejado para o dia 7 daquele mês um flashmob em uma de suas lojas, na cidade de Pretória, com a intervenção do grupo gospel Soweto Gospel Choir’s, em apoio a uma campanha beneficente de Natal. Mas, com a morte do grande líder Mandela, dois dias antes, o grupo decidiu mudar a performance e no lugar da música I feel good, de James Brown, fazer um tributo a Madiba (como Mandela era chamado por seus admiradores), interpretando a música ‘Asimbonanga‘ (Nós não o vimos, em tradução livre), uma canção de protesto composta pelo músico e ativista sul-africando Johnny Clegg durante o período em que Mandela ainda estava na prisão e durante o apartheid, regime de segregação racial do país.

A canção, em dialeto local, foi traduzida para o português em diferente sites de letras de músicas. A parte apresentada no flashmob traz a seguinte letra [1]:
Asimbonanga [nós não o vimos]
Asimbonang’ uMandela thina [não vimos Mandela]
Laph’ekhona [no lugar onde está]
Laph’ehleli khona [no lugar onde o aprisionaram]
Asimbonanga
Asimbonang ‘umfowethu thina [nós não vimos nosso irmão]
Laph’ekhona [no lugar onde está]
Laph’wafela khona [no lugar onde morreu]
Sithi: Hey, wena [nós dizemos: “ei você!”]
Hey, wena nawe [“ei, você e você!”]
Siyofika nini la’ siyakhona [“quando chegaremos ao nosso destino?”].

Em poucas horas, o tributo a Mandela já tinha mais de dois milhões de visualizações no YouTube. Três anos após a morte de Mandela, o vídeo continua recebendo comentários e já ultrapassa a marca de cinco milhões de visualizações.

 

No cinema, a vida de Mandela foi abordada por diferentes produções. A mais conhecida, provavelmente, é a hollywoodiana Invictus [2] (assista ao trailer), uma espécie de tributo do premiado ator e diretor Clint Eastwood, com o igualmente premiado ator Morgan Freenman no papel de Mandela e com Matt Damon interpretando o papel de François Pienaar, o capitão da equipe de rugby sul-africana Springboks. A história, baseada em fatos reais, retrata o momento da chegada de Mandela ao poder e sua tentativa de reunificar um país dividido por décadas de segregação racial.


[1] tradução de Rafael Arrais publicada no blog Textos para Reflexão, em dezembro de 2013.
[2] O título do filme “Invictus” é uma analogia ao poema homônimo, do poeta inglês William Ernest Henley (1849-1903):
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu – eterno e espesso,
A qualquer deus – se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei – e ainda trago
Minha cabeça – embora em sangue – ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda – eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

Livro para download: Indústria Cultural e Sociedade

Baixe grátis o livro Indústria Cultural e Sociedade, de Theodor Adorno

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O conceito de indústria cultural surgiu pela primeira vez na obra “Dialética do Esclarecimento”, formulado pelo próprio Adorno e por Max Horkheimer, representantes da chamada Escola de Frankfurt — escola de pensamento ligada ao Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. Associada a essa escola estão alguns dos mais notórios pensadores do século XX (além de Adorno e Horkheimer) e da Teoria Crítica. “Os filósofos representantes da Escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Benjamin, Marcuse e outros – se preocupavam com a “crise da razão contemporânea”, destacavam a necessidade de autocrítica, como parte da recuperação da razão ameaçada pelo domínio da técnica. Utilizando o conceito de Iluminismo em sentido mais amplo que no século XVIII, buscavam o domínio do raciocínio para pensar filosoficamente a realidade contemporânea”, diz o texto de apresentação de “Indústria Cultural e Sociedade”.

No ensaio “Dialética do Esclarecimento” (do alemão, Kulturindustrie), publicada na virada da década de 1940 para a de 50, a preocupação de Adorno e Horkheimer era a condição da arte na sociedade de massa, do capitalismo industrial. Tanto a chamada arte erudita (a “alta cultura”) quanto a arte popular estariam perdendo o seu valor crítico, de contestação, por ser cada vez mais rapidamente assimilável pelo próprio sistema de produção em massa e pelo mundo comercial, portanto, de certa forma sendo corrompidas por ele e reduzidas a meras mercadorias. Grosso modo, o problema central não seria o de que as diferentes formas de expressão artísticas se convertessem em mercadorias, mas que na sociedade capitalista industrial elas já nascessem como mercadorias, portanto, fadada ao consumo imediato dentro da lógica do consumismo, sem chegar a exercer plenamente seu papel de permitir a participação intelectual de seus expectadores. A questão se intensifica, haja vista que na lógica do consumismo e de obsolescência programada das mercadorias, a arte e a cultura teriam o mesmo destino, ao passo em que se massificava.

Em “Indústria Cultural e Sociedade” são retomadas algumas dessas ideias, a partir dos ensaios de Adorno. No texto de apresentação da obra, temos que “estudando a mídia norte americana, Adorno sustenta que o lazer não era mais simples diversão ou entretenimento. Havia um imenso maquinismo denominado “indústria cultural”, visando obter um comportamento dócil e uma multidão domesticada, através da exploração sistemática dos bens culturais”. Cabe lembrar que Adorno, juntamente com outros intelectuais da Escola de Frankfurt, tiveram que fugir do regime nazista. Walter Benjamin veio a falecer antes de conseguir sair da Europa. Adorno e Horkheimer foram viver nos EUA. Segundo consta na apresentação de “Indústria Cultural e Sociedade”, Adorno foi um dos responsáveis pelo despertar da consciência e da auto-análise no pós-guerra. Os excertos a seguir foram extraídos e adaptadas da apresentação da obra.

As produções da “indústria cultural”, introduzida como mercadorias, aliadas ao espírito de concentração capitalista perseguiam atitudes passivas de seus consumidores e, buscavam um “cidadão conformista” que não tinha nada em comum com o uso da razão e da liberdade, a arte, especialmente o cinema, se tornou mãos a expressão da racionalidade técnica que instrumento de lazer. A leitura de “Indústria Cultural e Sociedade” leitura indispensável para a reflexão filosófica de todo aquele que se preocupa com a identidade do homem contemporâneo e as amarras invisíveis dos mecanismos do poder econômico.