Arquivo mensal: maio 2015

Campanha substitui cachorro por criança e o final é de cortar o coração

A produtora Deadelens Pictures é especialista em criar campanhas emocionantes. Um vídeo da produtora, de uma campanha publicitária contra o abandono de animais, está fazendo sucesso nas redes sociais pelo desfecho comovente. Publicado em 13 de abril no canal da produtora no YouTube, o vídeo já acumula cerca de 6.6 milhões até a data de hoje.

campanha

A história narrada na campanha é bastante simples e, na verdade, é uma história bem comum no caso de abandono de animais: a rejeição da família, depois de um certo tempo. O sugestivo título “Gift”, atribuído ao filme, é uma alusão ao mito de que animais ‘de estimação’ não passam de presentes, de objetos que quando perdem a graça (ou se tornam um ‘incômodo’) podem ser deixados de lado e/ou descartados, num contexto de sociedade consumista e de descarte programado e de coisificação de seres vivos: pets não passam de mercadorias nesse contexto. Implicitamente, a campanha reforça um tipo de consciência para que as pessoas tratem os animais como seres vivos, e não como objetos. Como seres vivos, precisam de atenção, de cuidados, de rotinas. E, sim, haverá bagunça em algum (ou muitos) momento(s). Se você não estiver pronto pra isso, não adote e muito menos compre um animal.

A grande sacada da campanha foi a de substituir o cachorro por uma menina, gradativamente rejeitada, até ser abandonada. Não se trata de comparar levianamente crianças com animais, mas de trazer uma visão mais humanizada para a questão. Difícil resistir ao final.

13 de maio: a história questionada pela arte do Carnaval

Historicamente, é ensinado nas escolas que no dia 13 de maio é comemorado o dia da abolição na escravatura no Brasil, o que é correto: a Lei Imperial n. 3.353, mais conhecida como Lei Áurea, foi sancionada em 13 de maio de 1888 e extinguiu, oficialmente, a escravidão no Brasil.

A história romantizada coloca a Princesa Isabel, que assinou a lei, como uma espécie de heroína das populações negras. A propaganda ideológica oficial sobre libertação dos negros das duras condições de vida às quais eram submetidos, atrelada a não menos romantizada ideia de uma miscigenação que circulava naquele século, teve grande importância para que durante muito tempo se contasse “a história” da abolição da escravatura no Brasil. Ainda hoje se vê cartazes (muitos reproduzidos nas escolas, com maior ou menor inocência ou negligência) com essa história romantizada. No geral aparecem os agora ex-escravos com suas correntes sendo quebradas, festejando a tão sonhada liberdade.

cartazes

Esses cartazes, muitas vezes trabalhados e apresentados nos murais e corredores das escolas, mostram ainda o longo caminho a ser precorrido para que a história brasileira e, em especial, do negro, sejam recontadas para as novas gerações. Felizmente, nas últimas décadas do século XX, um conjunto de estudos começaram a colocar em xeque a versão romantizada da história da abolição da escravatura no Brasil, que muitas vezes era reforçada na teledramaturgia nacional. Embora presas ao meio acadêmico ou aos movimentos sociais organizados, a problematização dessa versão romântica da história — a dos negros sendo liberados, a euforia generalizada pela Lei Áurea, correntes sendo quebradas etc. — propagada em peças publicitárias da época começou a ganhar maior repercussão para outros espaços sociais e midiáticos.

Em 1988, por ocasião do centenário da Lei Áurea, a Escola de Samba carioca Estação Primeira de Mangueira colocou o dedo na ferida e questionou, para quem quisesse ver e ouvir, a história oficial. O título do samba-enredo (campeão do carnaval daquele ano) era intimidador para quem insistia na versão romantizada da abolição da escravatura: “100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão?”. No decorrer da letra, os compositores indagavam: “dentro da realidade onde está a liberdade?”. E pintavam a aquarela da realidade do negro “liberto”: livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela.

O samba-enredo é considerado um dos mais belos da história do carnaval brasileiro. Não trouxe nenhuma temática nova (o que não é uma função dos temas carnavalescos), mas deu vazão a uma demanda represada de discussões que, na época, ainda não tinham grande repercussão nos espaços mais comuns. Com um adicional de que, à essa época, o carnaval carioca já havia se tornado um grande espetáculo midiático, televisionado para todo o país.

A letra completa é essa a seguir, que você pode conferir ouvindo a versão disponível no Youtube.


Samba Enredo 1988 – 100 Anos de Liberdade, Realidade Ou Ilusão
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (RJ)

O negro samba, o negro joga a capoeira
ele é o rei na verde-rosa da mangueira

Será…
Que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será…
Que a lei áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu
Moço
Não se esqueça que o negro também construiu
As riquezas do nosso brasil

Pergunte ao criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela

Sonhei…
Que zumbi dos palmares voltou
A tristeza do negro acabou
Foi uma nova redenção

Senhor…
eis a luta do bem contra o mal…contra o mal
que tanto sangue derramou
contra o preconceito racial

Fonte: Terra Música


Na internet, existem vários vídeos sobre o desfile. Esse é um compacto, sem a voz dos narradores, apenas com o áudio do sambódramo:

Por que essas questões são importantes?

Primeiro, para que, quando professores forem trabalhar em sala de aula, tentem desmistificar a história romantizada da abolição da escravatura no Brasil e problematizar as condições históricas nas quais os negros foram libertados: como se sabe, muitos não tinham para onde ir e ‘optaram’ por continuar servindo seus antigos senhores.

Segundo, porque em tempos digitais, é preciso estar atento ao que circula nas redes sociais no que diz respeito a posicionamentos racistas, como os que continuam acontecendo e tendo, às vezes, pouca repercussão, como o caso do casal que sofreu racismo no Facebook após publicar uma foto.

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E, para quem pensa que esses problemas estão superados, nesse lindo mês de maio, em que se “comemora” a Lei Áurea, casos de racismo continuam se proliferando no Facebook, como foi noticiado nos últimos dias: o caso do anúncio falso da venda de um bebê, os comentários racistas contra uma jornalista de Brasília (DF) e contra a nova ‘garota do tempo’ do Jornal Nacional. Longe de estar superado, a questão do racismo ganhou novos contornos e precisa ser problematizado pelos educadores em seus espaços de atuação.

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E, em terceiro lugar, para que os professores possam olhar para o Carnaval (mais especificamente os temas-enredos e as letras dos sambas das escolas de samba) como um espaço de produções de críticas sociais muitas vezes mais avançadas do que aquelas reproduzidas nas escolas. E, claro, como possibilidade de se planejar a transposição desses conteúdos (ou do uso de temas abordados nos carnavais) de forma interdisciplinar e transversal aos currículos dos diferentes níveis de ensino.

Tem alguma experiência nessa perspectiva? Compartilhe em sua rede social. Vale o espírito de colaboração e de estabelecimento de comunidades virtuais.

Trabalho ubíquo e o apelo do Ministro: uma realidade na cultura digital?

Ontem, me deparei com um post no Facebook que me chamou atenção.

Antes de prosseguir, devo dizer que tenho, na minha rede social, muitos professores. Muitos deles, professores universitários. Alguns são bem ativos nas redes sociais, outros nem tanto. Algumas vezes, alguns professores vêm desabafar na rede sobre o excesso de trabalho, sobre plataformas que não funcionam ou que exigem que todo o trabalho seja refeito. Por exemplo, a plataforma Sucupira ou a plataforma Lattes, que são de uso praticamente obrigatório para professores e pesquisadores, sobretudo os que atuam na pós-graduação stricto sensu.

Voltando a falar do post, era de ninguém menos do que o Sr. Ministro da Educação, prof. Renato Janine. A certa altura, escreveu ele: “Desde que me tornei ministro da educação, tenho recebido enorme quantidade de mensagens através do Facebook, e me é humanamente impossível dar atenção a tudo o que aqui recebo. Nem mesmo uma triagem pode ser feita por meus assessores, pois o meu perfil é pessoal, não institucional, e os assessores não podem gerir uma página pessoal […]”.

Sem saber, o Ministro chancela, em seu depoimento pessoal — não na condição de ministro, mas por causa disso — uma preocupação que há algum tempo vem chamando minha atenção e que mereceu um estudo mais aprofundado: a realidade da extensificação do trabalho a que professores, de todos os níveis de ensino, são submetidos. No momento estamos realizando a coleta de dados entre professores e pesquisadores que atuam na pós-graduação stricto sensu brasileira sobre os tensionamentos e ambiguidades presentes nos processos de inserção de tecnologias digitais nos processos de trabalho desses pesquisadores. Uma de nossas hipóteses de trabalho é a ocorrência do que estamos chamando de “trabalho ubíquo”.

Em termos de cultura digital, ubiquidade se refere, em linhas gerais, ao duplo movimento simultâneo de presença-ausência física e on-line. Em outros termos, a capacidade que as tecnologias digitais e móveis permitem de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Quando agregamos a esse fator os condicionantes políticos e a lógica do produtivismo acadêmico a que pesquisadores são submetidos temos, em maior ou menor grau, a fusão dos espaços de trabalho e de lazer, a fusão dos tempos de descanso e de trabalho, a fusão do público e do privado. E os momentos e espaços de lazer, na cultura digital, podem se converter também em espaços e tempos de trabalho, sem que muitas vezes os professores pesquisadores se deem conta disso. Essas seriam as principais características disso que provisoriamente estamos nos referindo a trabalho ubíquo e, claro, a pesquisa que estamos realizando vai contestar ou comprovar.

O Ministro da Educação levou apenas algumas semanas no cargo para perceber esse movimento. Em seu desabado on-line, expressou que “Gostaria de manter o Facebook como um espaço de lazer, e não como uma extensão de [suas] atividades de trabalho”. É comum observar outros desabafos como esse. Seja no caso da página pessoal do Facebook, seja no caso do uso do e-mail pessoal (mesmo nos casos em que os professores utilizem também um e-mail institucional) ‘invadido’ por questões relacionado ao trabalho. Outro dia li no post de uma professora universitária que tirou 10 dias de férias para viajar e quando voltou havia 100 e-mails para responder. Provavelmente, outros trabalham nas férias, mesmo que seja lendo e respondendo um único e-mail. Você tira férias, mas o trabalho não pára. Você está em seu momento de descanso, mas via tecnologias digitais e móveis, redes sociais na internet ou WhatsApp, o trabalho vem atrás de você. Quem nunca teve essa sensação? Trabalho ubíquo: você está assistindo a TV, mas também está respondendo um e-mail de trabalho ou, no caso do Ministro (e possivelmente de outros professores), respondendo a mensagens e comentários no Facebook de pessoas com as quais a única ligação existente é o seu trabalho; e obviamente o assunto tratado é referente a trabalho.

Culpa das redes? Claro que não. As tecnologias, por si só, não fazem nada. E esse movimento nem pode ser explicado pelas tecnologias em si. É a tal lógica de funcionamento do sistema, que em busca de maior produtividade vai lançando mão de todos os subterfúgios e recursos disponíveis para impelir os trabalhadores a trabalharem mais sob a falsa aparência de que estão trabalhando menos.

A pergunta que fica: se até o Ministro já sentiu os efeitos do trabalho ubíquo na pele (no caso, na tela), por que não há uma perspectiva de mudança na lógica produtivista imposta pela CAPES aos pesquisadores brasileiros, que favorecem (por suposto) práticas como essas de extensificação do trabalho?