Arquivo mensal: julho 2015

Com quantas curtidas no Facebook se constrói uma nota escolar?

Polêmica envolvendo aluna criadora do Diário de Classe e seu professor de Biologia levanta uma série de questões para educadores ponderarem antes de proporem atividades envolvendo redes sociais.

Em 2012, a adolescente Isadora Faber, de Florianópolis, virou sensação nacional por conta de uma página que criou no Facebook. Diário de Classe foi a maneira encontrada pela estudante para denunciar os problemas estruturais em sua escola, da rede pública. Mas não apenas os problemas, como ela mesma chegou a ressaltar algumas vezes. Embora a página já tenha nascido em meio a polêmicas (inicialmente, alguns pais e professores da escola criticaram a forma como a escola era exposta), a perseverança de Isadora fez com que a página não apenas se mantivesse, como também ganhasse as páginas impressas e digitais de alguns dos maiores jornais e portais de notícia do país. O apoio maciço à estudante fez com que sua página ganhasse algumas centenas de milhares de curtidas em poucos dias e sua iniciativa, no intuito de contribuir para melhorar sua escola, foi elogiada e copiada por muita gente. Atualmente Isadora estuda em uma escola particular, no 2º ano do Ensino Médio, em Florianópolis. E sua página Diário de Classe, ainda ativa, tem cerca de 590 mil seguidores.

Essa semana a adolescente de 16 anos gerou polêmica novamente, ao criticar em sua página um trabalho escolar proposto por um de seus professores, na matéria de Biologia. O assunto virou reportagem na edição catarinense do portal de notícias G1 nesta quarta-feira, 08 de julho. De acordo com a reportagem, o professor Marcelo Soccio organizou a turma em grupos de estudantes e propôs que cada grupo abordasse prevenção de doenças em um trabalho que deveria ser postado no Facebook. A polêmica não se deu por isso, mas pelos critérios de avaliação adotados pelo professor. De acordo com a reportagem, os estuantes teriam uma semana para conseguirem 250 curtidas em seus trabalhos publicados no Facebook. Isso resultaria em três pontos para os estudantes. Outros quatro pontos seriam pela produção do trabalho e o restante da nota (três pontos) estaria relacionadas às demais atividades e comportamento dos alunos.

Na postagem do trabalho do grupo de Isadora, o autor do post com o vídeo original no Facebook, estudante Pedro Abreu, pondera que embora o trabalho proposto pelo professor tenha o “claro e legítimo objetivo de incentivar a conscientização das pessoas sobre o HPV, […] curiosamente, o número de curtidas no vídeo influencie em mais de 40% da nota do trabalho” (sic). E convida as pessoas que queiram “colaborar com essa ideia bizarra” para curtir o vídeo. Já na página do Diário de Classe, Isadora compartilhou o vídeo acompanhado da seguinte ponderação: “Será que o número de curtidas pode influenciar na nota do trabalho? O que vocês acham dessa nova metodologia que meu professor Marcelo Soccio inventou para avaliar os alunos?”

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Um dia após o post, na página Diário de Classe, mais de 250 comentários — a maioria reprovando a metodologia adotada pelo professor, mas muito elogiando a iniciativa de divulgar na rede social uma campanha de conscientização sobre a prevenção de doenças — haviam sido publicados e o vídeo fora exibido mais de 13 mil vezes. E o mais importante, o número de curtidas do vídeo garantiu os três pontos para o grupo de Isadora. Mas a questão permanece: é correto ou adequado atribuir pontos pelo número de curtidas de um trabalho escolar no Facebook?

De acordo com a reportagem publicada no G1 Santa Catarina, Isadora considera que “Avaliar os alunos pelo número de curtidas é um absurdo”. “Acho injusto com quem não utiliza redes sociais ou não tem muitos amigos. É difícil conseguir 250 curtidas em uma semana” — pondera a aluna. Já o professor se defende, alegando que além do respaldo da direção da escola, o tipo de trabalho proposto é o que os adolescentes gostam de fazer. Segundo a mesma reportagem, o professor Marcelo Soccio diz que “É o que eles mais gostam de fazer: curtir. Se eu pedir para fazer um cartaz com papel pardo e colar na parede vão rir da minha cara. O quadro negro e o giz já foram uma tecnologia. Hoje é a internet. É uma forma de incentivá-los a fazer um bom trabalho e a trabalhar em equipe. As pessoas vão curtir se gostarem. O título era uma propaganda preventiva, tinham que abordar temas conhecidos de forma criativa, atraente, que agradassem os amigos” (sic). A questão que fica é: como avaliar o êxito da atividade e como quantificar essa avaliação em termos de nota, em função do número de curtidas?

O fato isolado — mas não único — apresentado acima evidencia o quão longo é o caminho para que a inserção das tecnologias nas atividades escolares possa ser realizada de forma sustentável e coerente; que ao mesmo tempo aproveite os múltiplos espaços e tempos proporcionados pela internet para potencializar a aprendizagem e a divulgar os resultados dela (principalmente espaços pelos quais os alunos já circulam); que tornem o processo de aprendizagem mais significativo e atrativo e que resulte em formas também diferenciadas de se avaliar, uma vez que se tratam de atividades potencialmente inovadoras.

Para minimizar riscos na hora de adotar metodologia de trabalho com os alunos envolvendo uso de tecnologias digitais: os desafios e as escolhas dos professores

A experiência relatada acima, ainda em curso, levanta uma série de questões sobre a inserção das tecnologias e das mídias nos processos educativos escolares. Embora em nossa experiência com formação de professores para uso das tecnologias tenhamos colecionado mais dificuldades e práticas que, do ponto de vista metodológico, pouco contribuíram para diferentes formas de ensinar e aprender, são essas mesmas experiências que alicerçam iniciativas e pavimentam novos caminhos para pensarmos em processos escolares mais coetâneos com o tempo presente. Contudo, o objetivo de qualquer proposta pedagógica não deve estar alicerçada na tecnologia, que no mais das vezes são meios (quase que exclusivamente de aporte instrumental), e não fins em si mesmas.

Desde pelo menos a década de 1980 se fala das potencialidades do computador para a educação. Trinta anos se passaram e ainda estamos no mesmo discurso, muito embora os termos tenha se atualizado: já não se fala meramente em computador, computação, informática; mas em internet, redes sociais, dispositivos móveis, recursos educacionais abertos, ambientes virtuais de ensino-aprendizagem, aprendizagem colaborativa etc. Parece óbvio, nesse percurso, que muitas iniciativas simples foram muito exitosas e inovadoras do ponto de vista metodológico e dos processos de aprendizagem. Muitas dessas experiências exitosas, contudo, partiram da criatividade individual de professores. Em alguns casos, por tentativa e erro. Em se tratando de experiências de aprendizagem envolvendo tecnologias, nem sempre uma história de êxito pode ser reproduzida pura e simplesmente com garantia de novos êxitos. Há uma série de variáveis a serem mensuradas nesse caso. E isso resulta que é muito difícil listarmos os elementos que tornem menos arriscadas e mais acertadas as diversas escolhas envolvidas no uso de tecnologias nas atividades escolares, do planejamento à avaliação. Mesmo assim, a partir da repercussão do caso relatado antes, propomos alguns elementos para serem ponderados, com base em nossa experiência em projetos educacionais e em formação de professores para uso de tecnologias.

1. Internet é mais atrativa do que sala de aula

Isso não significa que realizar as atividades na internet as tornarão mais atrativas. Pode ocorrer justamente o contrário: o uso ‘escolarizado’ de qualquer tecnologia originalmente alheia à escola acaba, muitas vezes, por tornar aquela tecnologia chata. O professor Marcelo tem razão quando fala que o que os jovens mais gostam de fazer é curtir. Mas curtir por obrigação é chato. Curtir trabalho escolar também é, quando o estudante não vê sentido nisso ou quando a recompensa para tal são os pontos obtidos no trabalho. É ilusão pensar em que propor um trabalho que será desenvolvido inteira ou parcialmente na internet será necessariamente mais divertido. Afinal, o quadro negro e o giz pareciam muito mais interessantes e divertidos em nossa época de criança quando não estavam em sala de aula, mas nas nossas brincadeiras.

2. A importância do planejamento

A reportagem deu a entender que muitos alunos não entenderam muito bem a finalidade do trabalho. Segundo o professor, a questão central era a que os alunos elaborassem uma propaganda preventiva, portanto, que fosse difundida. No planejamento da atividade, uma alternativa possível seria a de deixar os grupos escolherem a melhor estratégia de divulgação de campanha. Isso talvez até reforçasse a relevância do trabalho em equipe, pois colocaria os estudantes em contato com o planejamento de ações e tomadas de decisões, diferentemente de quando recebem instruções estritas. Estamos falando de jovens de 15 e 16 anos, que já têm noção do que é divulgação. Formas mais abertas de escolha podem contribuir para a expressão da criatividade, que sabemos ser algo fundamental no mundo da propaganda (lembrando que o objetivo também era esse) e o professor poderia exercer o papel de orientador para auxiliar os grupos na tomada de decisão sobre as formas de apresentar seus trabalhos.

3. A inserção nas e para as tecnologias

Trabalhar com mídias e tecnologias requer um diagnóstico da turma, em termos de competências multimidiáticas e de infraestrutura para a elaboração de trabalhos. É importante o professor conhecer, a priori, o que os alunos já sabem de determinada tecnologia e os meios que dispõem para realizar algumas atividades com ela. Neste caso, estamos falando de adolescentes de uma escola particular de Florianópolis, o que pressupõe algumas características; mas elas não serão necessariamente homogêneas. Se algum objetivo secundário da atividade é a de que os alunos lidem com tecnologias, então esta atividade deveria ser realizada em sala de aula e a avaliação deveria ocorrer pelo processo de produção; e não do produto final, tampouco pelo número de curtidas. Ainda, se o objetivo era trabalhar com tecnologias digitais, o Facebook não é a única disponível. Existem outras possibilidades que poderiam ser trabalhadas no planejamento, por exemplo, deixar que os estudantes elegessem a tecnologia de sua preferência para montar a proposta de propaganda sobre prevenção de doenças. Poderíamos ainda levantar outras questões sobre a restrição ao uso de uma rede social específica, que pode induzir alunos a criarem perfis e ter uma certa rede de popularidade a fim de obter o número de curtidas necessárias. A avaliação, nesse caso, deixa de lado casos — talvez isolados — de estudantes que não participam do Facebook por n razões, ou que não tenham uma rede tão vasta assim.

4. Quanto vale uma curtida?

Parte significativa da nota dos alunos no trabalho (três dos sete pontos) é pelo número de curtidas (250 em uma semana). Esse dado é o resultado quantitativo; é o fim em si mesmo. Ele não considera o trabalho de elaboração, a aprendizagem significativa do aluno, o ponto de partida de cada um. É um número real que não diz muita coisa sobre o envolvimento do aluno. É uma espécie de gincana; uma meta a ser batida. O argumento do professor é que “as pessoas vão curtir se gostarem”. Essa é uma meia verdade. Neste caso específico, as pessoas vão curtir porque seus filhos, sobrinhos, irmãos, amigos pediram que curtissem, para que eles pudessem bater a meta e obterem a recompensa da nota. Em termos de aprendizagem, é um número que não diz nada. Nem representa o real envolvimento dos alunos na tentativa de obter as curtidas necessárias. Outro equívoco é supor que algum conteúdo curtido é conteúdo lido/assistido e que, nesse caso, as atividades dos alunos estariam contribuindo para algum tipo de propagação e conscientização dos que estão de fora, em função do número de curtidas. Muitas vezes as pessoas acessam um conteúdo, gostam dele, mas não deixam o seu “like”. Quantificar os likes e convertê-los em nota, qualquer que seja, não passa de um engodo avaliativo, pois do ponto de vista da aprendizagem, da reelaboração dos conteúdos pelos alunos e mesmo da eficácia da conscientização (quantidade é diferente de qualidade, só para relembrar) é um critério inválido, que não garante nenhum tipo de retorno a priori.

5. Problematizar o que significa curtir

Uma das críticas recentes à superconexão é exatamente o excesso de exposição das pessoas nas diversas redes sociais existentes. Os autores que partilham da defesa da desconectopia problematizam a caça à curtida como uma espécie de patologia do digital, uma espécie de narcisismo digital, um enaltecimento exacerbado de egos que o número de curtidas falsamente representa sobre a relevância de um conteúdo ou de uma pessoa. Em fanpages do Facebook (um exemplo bastante corriqueiro é a página Fatos Desconhecidos) é comum que usuários disputem curtidas nos comentários. Pedir curtidas é, muitas vezes, considerada uma prática constrangedora na rede social. Ao se propor trabalhar com tecnologias,em especial o Facebook, o professor deve problematizar o que significa curtidas e não curtidas. Do contrário, no lugar de trabalhar para desenvolver as competências multimidiáticas (que envolvem criticidade, mediação, reflexão), os professores apenas estarão contribuindo para um fenômeno sintomático de ser curtido para ‘sobreviver’ na rede. E, em vez de contribuir para o senso crítico, reproduzir o senso comum de que o número de curtidas de um post é algo relevante, podendo induzir práticas egocêntricas e hiperexpositivas dos alunos na internet.

6. Para além dos muros da escola

Historicamente, as instituições de ensino são acusadas de erguerem uma espécie de redoma que não dialoga com seu entorno, com a sociedade na qual está inserida. Na década passada, quando os dispositivos móveis estranhos à escola (diferentemente dos computadores, que entraram nas escolas de forma mais ou menos planejada e já fadados à pedagogização) começaram a desfilar nos pátios e corredores pela mão dos estudantes, houve muito alvoroço e debate entre os educadores sobre a proibição ou não dos aparelhos no interior das organizações escolares. Uma das críticas que se fazia aos educadores contrários ao uso dos celulares daquela época (ainda sem internet e com poucos recursos) era a de que eles estavam manter o isolamento da escola do restante da sociedade. Posteriormente, providos de câmera e internet, os celulares portados pelos alunos começaram a trazer um pouco do cotidiano escolar para a web — uma questão ainda a ser resolvida, haja vista alguns conteúdos indesejáveis que às vezes vemos na internet, e que só pode ser resolvida pela via do uso midiático crítico. Atualmente, essa polêmica perdeu força. A ubiquidade das práticas sociais faz com que fronteiras sejam cada vez mais móveis e líquidas. Exemplo mais próximo é a própria página Diário de Classe, que trouxe à tela para conhecimento de todo país o interior de uma escola de Florianópolis.

Essa breve contextualização serve para evidenciar o nó crítico que ainda está presente nas escolas no tocante à exposição dos resultados de sua aprendizagem. Se por um lado temos a função social da escola e acreditamos que os ‘produtos’ desenvolvidos por ela devam contribuir para a melhoria da sociedade, por outro temos que pensar na responsabilidade por expor alunos e seus trabalhos.

Em nossa experiência com uso de tecnologias, muitas vezes recorremos ao uso de blogs, redes sociais e outras mídias para difundir o conhecimento produzido pelos alunos. A socialização de diferentes conteúdos faz mais sentido se houver algum tipo de amarra entre eles; um evento, um painel, um mosaico de conteúdos; um seminário; um programa de rádio, um varal de fotografias… enfim, trabalhar com mídias e tecnologias resulta em muitas possibilidades para que a socialização de conhecimentos possuam um eixo central, um fio condutor que possibilidade contextualizar para o público o objetivo daquela produção.

Uma ponderação inicial que o professor deve fazer quando optar por esse tipo de socialização — e que também deve estar previsto no planejamento — é a metodologia e finalidade dessa socialização. Nem sempre os alunos gostariam de ver seus trabalhos escolares expostos publicamente nas redes sociais. Esse deve ser um cuidado do professor. O outro é: quem vai fazer a publicação? Embora muitos alunos não se importem em terem seus trabalhos publicados, talvez eles mesmos não queiram (sem uma justificativa plausível) serem expostos a ponto de terem que publicar trabalhos escolares. Essa é uma negociação que deve ser feita em sala de aula, entre alunos e professores. Além disso, temos que lembrar que o aluno que tem um perfil em uma rede social pode optar pela sua manutenção apenas para fins pessoais — e não escolares. Sem falar naqueles que preferem não usar redes sociais (sim, eles existem, por incrível que possa parecer!). Todas essas variáveis devem ser levadas em consideração.

A outra questão é: não seria de bom tom que os trabalhos produzidos pelos alunos passassem por algum tipo de avaliação prévia, de validação, de socialização entre os pares, de ‘qualificação’? Essa é uma decisão importante a ser tomada, até mesmo prevendo casos em que o aluno se sinta tão seguro em relação àquilo que produziu, como sugere a reportagem. Se formos fazer um comparativo com a universidade, geralmente a produção do conhecimento começa a ser socializada entre pares até chegar ao grande público (sala de aula – eventos acadêmicos da área – publicação da área etc.).

Neste sentido, é importante lembrar que o Facebook não é um espaço pedagogizado. A menos que o professor (ou a turma) crie uma página da disciplina, ou um blog ou qualquer outro espaço que articule o que está sendo trabalhado e desenvolvido, produções fragmentadas na rede social correm o risco de parecerem sem sentido para o internauta padrão. E acabam por não cumprir seu objetivo de socialização do conhecimento, por não estarem contextualizadas.

Por fim, iniciativas de socialização do conhecimento — via redes sociais ou não — com quem está do lado de fora das instituições de ensino são sempre bem-vindas. É um equívoco pensar que tecnologias antigas (quadro, giz, cartazes) não cumprem mais sua função de socialização do conhecimento, pois leva à falsa ideia de que uma tecnologia é ‘melhor’ do que a outra (se fosse isso, não teríamos tecnologias diferentes coexistindo contemporaneamente). O que importa é o objetivo dessa socialização, que vai nos dizer qual melhor metodologia a ser adotada e quais critérios de avaliação devem ser empregados para dar conta disso. Se o objetivo estiver amarrado ao número de curtidas, teremos um tipo de avaliação; se for a socialização do conhecimento e a conscientização, teremos vários outros possíveis.

Os itens elencados aqui nem de longe esgotam a polêmica relatada no início do texto, muito menos esgotam as possibilidades de uso das tecnologias e/ou as variáveis que devem ser ponderadas quando da organização de uma atividade com esse caráter. Ao contrário, é uma síntese provisória e de caráter muito superficial sobre uma problemática concreta, presente em qualquer escola, dentre outras tantas possibilidades de discussão.

Nota sobre a Maju, Kamel e humanizar a rede

Em 13 de maio fizemos um post para trazer à tona o questionamento da ideia romantizada que foi instaurada com a Lei Áurea e da falsa ideia que o Brasil, miscigenado, tem a questão do racismo bem resolvida. No texto, ressaltávamos a importância de desmistificar essas questões e de dar visibilidade aos casos de racismo que acontecem diuturnamente na internet. Um dos casos de racismo que citamos naquele post envolvia justamente a jornalista Maria Julia Coutinho, apresentadora da previsão do tempo no Jornal Nacional.

Hoje causou rebuliço na internet novos ataques racistas sofridos pela jornalista. Dessa vez a própria Globo decidiu se manifestar em defesa de Maria Julia de forma mais incisiva, diferentemente de outras vezes. O tema ganhou repercussão imediata nas redes sociais. O fato que chama atenção é que, segundo o atual Diretor Geral de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, não existe racismo no Brasil: essa é a tese central de seu livro intitulado “Não somos racistas” e lançado em 2006 como uma espécie de argumento contra às cotas nas universidades.

O argumento do livro era de que não somos racistas no Brasil, muito embora o autor não tenha partido de pesquisas e análises aprofundadas sobre o tema e muito embora o racismo aconteça cotidianamente, de forma mais ou menos velada: o preconceito racial não apenas existe, como é um dos fatores que definem as características socioeconômicas do país — fato ignorado pelo autor do livro.

A repercussão contundente da agressão sofrida pela jornalista Maria Julia Coutinho está longe de ser um fato isolado: é apenas mais um caso de racismo que acontece cotidianamente no país. Esperamos que o Diretor de Jornalismo da Globo mude (ou tenha mudado) de ideia em relação à sua tese de que racismo não existe; e que o mesmo engajamento da emissora, que vimos hoje na TV e na internet, não seja apenas um ato de oportunismo, pois parece contraditório o diretor de uma das áreas mais importantes e influentes da emissora acreditar que não há racismo no Brasil, enquanto seus jornalistas e a emissora, como um todo, acionam as autoridades para apurar o caso mais recente de racismo sofrido por Maria Julia. Ou seja: se o racismo não existe para o seu diretor, porque a equipe de jornalismo da emissora se preocuparia com ele? Ou, de outro modo, como a emissora lida com o racismo, quando seu diretor geral de jornalismo publica um livro com a tese de que racismo não existe? Cabe à Globo essas reflexões, mas a nós cabe ficarmos atentos com o que se faz e com o que se fala na emissora.

Sobre a campanha, lançada pela Globo (#somosmaju), temos como bandeira de que não somos apenas Maju: somos os milhares de brasileiros, haitianos, senegaleses, anônimos que diariamente sofrem ataques racistas on-line e off-line e para os quais parece haver uma capa de invisibilidade, um problema distante do qual a hipocrisia da sociedade não quer tomar partido. Estamos na causa, mas não por modismo, nem por campanha fomentada pela mídia, mas elas também são importantes para fortalecer as discussões, a tomada de consciência e as ações afirmativas. Em paralelo, parabenizamos a postura da jornalista e de seus pais que, segundo depoimento de Maria Julia, sempre militaram na causa do preconceito racial e a educaram e conscientizaram sobre a existência desse fenômeno que, segundo seu chefe Kamel, não existe.

Por fim, aos críticos do Humaniza Redes, cabe lembrar o papel que esse programa desempenha no combate a, entre outros, o racismo. Como navegantes da web, ao nos depararmos com um caso de racismo (ou qualquer outro tipo de agressão) nas redes sociais, podemos adotar duas posturas: a omissão ou a denúncia. Isso define um pouco o tipo de caráter de cada um de nós.