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Mídias e história: Animação conta relato de sobrevivente à bomba de Hiroshima

“Nossa cidade estava completamente destruída (…) não havia mais nenhum prédio, nenhum cão ou gato, nem pássaros ou borboletas. Só havia pessoas perambulando cobertas de cinzas”

Bun Hashizume tinha 14 anos quando os EUA lançaram a primeira bomba atômica da história, sobre a cidade japonesa de Hiroshima, há exatos 70 anos, no final da Segunda Guerra Mundial. Até o final daquele ano, mais de 140 mil pessoas (das 350 mil que vivam em Hiroshima) morreram e outras milhares ficaram com danos permanentes devido à exposição à radiação da bomba. Três dias após o primeiro ataque, a cidade de Nagasaki também foi bombardeada.

A História nos ensina que devemos aprender com os fatos do passado para não repeti-los no futuro. Na Alemanha, por exemplo, diversos monumentos e memoriais alusivos às vítimas dos campos de concentração nazista, na mesma Guerra que devastou Hiroshima, trazem as emblemáticas inscrições “Nie vergessen” (nunca esquecer). As pessoas que visitam tais memoriais relatam uma sensação de desolação ao contemplar essas representações de uma das páginas mais desumanas da história e afirmam que muitos alemães mais velhos ainda hoje se sentem envergonhados pelo que o país submeteu aos judeus. Por outro lado, como mensurar a dor dos que foram vítimas do inimigo, sem que tivessem culpa pelas agressões de seus compatriotas? (Lembremos que em 1942 o Japão aniquilou a base norte-americana de Pearl Harbor, no Pacífico. Até então os EUA não haviam entrado diretamente na guerra e negociavam com o Japão uma saída diplomática, até o ataque surpresa. Desde então os norte-americanos planejaram uma revanche aos japoneses, o que se concretizou — depois de vários outros ataques — com os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, que levou à rendição do Japão dias depois).

Pois, depois de 70 anos, as mídias — em especial o cinema, os documentários e, agora, as animações — continuam ajudando a jamais esquecermos das desumanidades das guerras, embora elas continuem acontecendo e com tecnologias de destruição cada vez mais eficazes. Esse é o caso de uma animação de menos de cinco minutos produzida pela BBC a partir do relato de Bun Hashizume, uma sobrevivente da bomba de Hiroshima.

“Pensei que o sol havia caído diante dos meus olhos”

Bun Hashizume tinha 14 anos e trabalhava no Ministério das Comunicações em Hiroshima. Conforme ela relata, como muitos homens estavam na guerra, o governo obrigava as crianças a abandonarem a escola e a trabalharem nos postos deixados pelos adultos. Foi da janela do prédio do Ministério que Bun Hashizume viu o sol cair diante dos seus olhos e, em seguida, a destruição da cidade. A animação da BBC a partir do relato de Bun Hashizume, com dublagem em português, nos ajuda a dar a dimensão de como um bombardeio afeta para sempre um sobrevivente.

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O drama de Bun Hashizume não é único sobre esse episódio triste de nossa história. Mas seu relato e a animação a partir dele nos ajuda a lembrar o que jamais deve ser esquecido: “o fato de que seres humanos lançaram uma bomba atômica sobre outros seres humanos.”.

Usando as mídias para contar a História

A animação acima é um exemplo de conteúdos midiáticos que ajudam a contar histórias sobre a História. E muitos deles podem ser utilizados como estratégia de ensino.

Existem dezenas de filmes que contam a história da Segunda Guerra Mundial, de muitas perspectivas diferentes. Felizmente esse tipo de mídia já foi incorporado ao ensino em sala de aula pelos professores, embora alguns zelos devem ser lembrados antes de exibir um filme na classe:

  • lembrar de observar a classificação indicativa do filme: ninguém vai querer que crianças de 12 anos assistam Bastardos Inglórios na classe, certo?
  • adequar tempo/espaço de exibição do filme: os melhores filmes sobre a Segunda Guerra são longos, a exemplo de “A lista de Shindler”. Exibir apenas uma parte de um filme pode não ser muito adequado (na maioria das vezes é). Por outro lado deve-se levar em consideração o tempo disponível de aula que assegure a exibição do filme, a contextualização inicial e comentários ou debate após a exibição. Também deve-se levar em consideração o conforto dos estudantes: nem todas as escolas possuem dalas adequadas como as de cinema ou como assistir um filme em casa e poder ser extremamente desconfortável ficar três horas mantendo concentração e silêncio para assistir um filme que, por vezes, não faz o gênero de preferência do estudante.
  • a escolha do filme (já que são muitas as opções) é fator determinante para o êxito dessa escolha metodológica. A exibição de um filme jamais deve se bastar em si mesma (por exemplo, justificar que se empregou diferentes estratégias metodológicas no ensino), mas, ao contrário, deve partir de uma necessidade pedagógica. Lembre-se que a maioria dos filmes comerciais não têm a finalidade pedagógica de escolarizar determinado conteúdo. Muitos filmes se ambientam na Segunda Guerra, mas contam histórias particulares de personagens fictícios ou não. A construção dos filmes, por sua vez, parte sempre de um ponto de vista dos diretres e produtores e podem apresentar uma visão parcial sobre os eventos. Problematizar essas questões são cruciais e devem ser levadas em conta na hora de escolher um filme. Por fim, a escolha jamais deve se basear em um gosto pessoal do professor, mas sim, ter um objetivo de aprendizagem no contexto da matéria que está sendo estudada.
  • um filme nunca deve ser utilizado em sala como um tapa-buraco (casos em que professores faltam, por exemplo). Os alunos percebem que se trata de uma improvisação e a atividade acaba se tornando sem sentido. Além disso, o uso constante dessa indevida estratégia pode forjar uma certa resistência dos alunos para assistirem filmes em outras ocasiões e cuja exibição foi devidamente planejada pelos professores.
  • a exibição de um filme deve ser incluída no planejamento da matéria e — além de ter um objetivo de aprendizagem — deve ser contextualizada para os estudantes. Existem várias estratégias de se fazer isso: fazer uma sinopse antes de apresentar o filme, chamar a atenção para os pontos aderentes do filme com a matéria ensinada, propor algum tipo de roteiro. Alguns professores preferem exibir o filme antes e comentar somente depois. Pode ser uma estratégia acertada, mas há grande possibilidade de ser um tiro no pé; visto que os alunos podem ter dificuldades de entender o sentido de estarem assistindo o filme. Por isso, fazer uma breve introdução relacionando o filme a ser exibido com o contexto da aula é mais eficaz. Independente de ser solicitado ou não um trabalho posterior sobre o filme ao aluno, é importante fazer uma rodada de debates sobre o filme logo após a apresentação; pois a troca de ideias pode ajudar a preencher lacunas que eventualmente os alunos não tenham captado no momento em que assistiram ao filme.
  • evite pausar o filme durante a exibição, principalmente para comentar determinados aspectos. A experiência imersiva do aluno na narrativa é importante, por isso evite ficar fazendo muitos comentários enquanto o filme roda na tela. Se for preciso, faça inserções pontuais, mas o melhor é chamar atenção para aspectos gerais antes de começar o filme. Se o filme escolhido for muito longo e demandar uma pausa (para ir no banheiro, p. ex.), negocie isso com a turma antes da exibição. E de preferência deixe anotado o momento em que o filme pode ser pausado, de preferência em algum trecho de corte maior de cenas.
  • e, claro, assista o filme de preferência mais de uma vez antes de propor a exibição em suas aulas.

As dicas acima, embora tenham partido do exemplo do tema “Segunda Guerra Mundial”, podem ser adaptadas à qualquer temática. Com a internet, a seleção de filmes sobre determinado assunto ficou muito mais prática para o professor. Existem bons sites de cinema (Adoro Cinema, e-Pipoca, CinePop etc.) que vez ou outra elaboram listas de filmes sobre determinado assunto. Também é importante lembrar que os alunos têm diferentes experiências culturais e que determinada obra pode fazer mais ou menos sentido para um grupo de estudantes. Conhecer bem a turma e suas especificidades ajuda na definição de qual melhor filme a ser exibido.

Com quantas curtidas no Facebook se constrói uma nota escolar?

Polêmica envolvendo aluna criadora do Diário de Classe e seu professor de Biologia levanta uma série de questões para educadores ponderarem antes de proporem atividades envolvendo redes sociais.

Em 2012, a adolescente Isadora Faber, de Florianópolis, virou sensação nacional por conta de uma página que criou no Facebook. Diário de Classe foi a maneira encontrada pela estudante para denunciar os problemas estruturais em sua escola, da rede pública. Mas não apenas os problemas, como ela mesma chegou a ressaltar algumas vezes. Embora a página já tenha nascido em meio a polêmicas (inicialmente, alguns pais e professores da escola criticaram a forma como a escola era exposta), a perseverança de Isadora fez com que a página não apenas se mantivesse, como também ganhasse as páginas impressas e digitais de alguns dos maiores jornais e portais de notícia do país. O apoio maciço à estudante fez com que sua página ganhasse algumas centenas de milhares de curtidas em poucos dias e sua iniciativa, no intuito de contribuir para melhorar sua escola, foi elogiada e copiada por muita gente. Atualmente Isadora estuda em uma escola particular, no 2º ano do Ensino Médio, em Florianópolis. E sua página Diário de Classe, ainda ativa, tem cerca de 590 mil seguidores.

Essa semana a adolescente de 16 anos gerou polêmica novamente, ao criticar em sua página um trabalho escolar proposto por um de seus professores, na matéria de Biologia. O assunto virou reportagem na edição catarinense do portal de notícias G1 nesta quarta-feira, 08 de julho. De acordo com a reportagem, o professor Marcelo Soccio organizou a turma em grupos de estudantes e propôs que cada grupo abordasse prevenção de doenças em um trabalho que deveria ser postado no Facebook. A polêmica não se deu por isso, mas pelos critérios de avaliação adotados pelo professor. De acordo com a reportagem, os estuantes teriam uma semana para conseguirem 250 curtidas em seus trabalhos publicados no Facebook. Isso resultaria em três pontos para os estudantes. Outros quatro pontos seriam pela produção do trabalho e o restante da nota (três pontos) estaria relacionadas às demais atividades e comportamento dos alunos.

Na postagem do trabalho do grupo de Isadora, o autor do post com o vídeo original no Facebook, estudante Pedro Abreu, pondera que embora o trabalho proposto pelo professor tenha o “claro e legítimo objetivo de incentivar a conscientização das pessoas sobre o HPV, […] curiosamente, o número de curtidas no vídeo influencie em mais de 40% da nota do trabalho” (sic). E convida as pessoas que queiram “colaborar com essa ideia bizarra” para curtir o vídeo. Já na página do Diário de Classe, Isadora compartilhou o vídeo acompanhado da seguinte ponderação: “Será que o número de curtidas pode influenciar na nota do trabalho? O que vocês acham dessa nova metodologia que meu professor Marcelo Soccio inventou para avaliar os alunos?”

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Um dia após o post, na página Diário de Classe, mais de 250 comentários — a maioria reprovando a metodologia adotada pelo professor, mas muito elogiando a iniciativa de divulgar na rede social uma campanha de conscientização sobre a prevenção de doenças — haviam sido publicados e o vídeo fora exibido mais de 13 mil vezes. E o mais importante, o número de curtidas do vídeo garantiu os três pontos para o grupo de Isadora. Mas a questão permanece: é correto ou adequado atribuir pontos pelo número de curtidas de um trabalho escolar no Facebook?

De acordo com a reportagem publicada no G1 Santa Catarina, Isadora considera que “Avaliar os alunos pelo número de curtidas é um absurdo”. “Acho injusto com quem não utiliza redes sociais ou não tem muitos amigos. É difícil conseguir 250 curtidas em uma semana” — pondera a aluna. Já o professor se defende, alegando que além do respaldo da direção da escola, o tipo de trabalho proposto é o que os adolescentes gostam de fazer. Segundo a mesma reportagem, o professor Marcelo Soccio diz que “É o que eles mais gostam de fazer: curtir. Se eu pedir para fazer um cartaz com papel pardo e colar na parede vão rir da minha cara. O quadro negro e o giz já foram uma tecnologia. Hoje é a internet. É uma forma de incentivá-los a fazer um bom trabalho e a trabalhar em equipe. As pessoas vão curtir se gostarem. O título era uma propaganda preventiva, tinham que abordar temas conhecidos de forma criativa, atraente, que agradassem os amigos” (sic). A questão que fica é: como avaliar o êxito da atividade e como quantificar essa avaliação em termos de nota, em função do número de curtidas?

O fato isolado — mas não único — apresentado acima evidencia o quão longo é o caminho para que a inserção das tecnologias nas atividades escolares possa ser realizada de forma sustentável e coerente; que ao mesmo tempo aproveite os múltiplos espaços e tempos proporcionados pela internet para potencializar a aprendizagem e a divulgar os resultados dela (principalmente espaços pelos quais os alunos já circulam); que tornem o processo de aprendizagem mais significativo e atrativo e que resulte em formas também diferenciadas de se avaliar, uma vez que se tratam de atividades potencialmente inovadoras.

Para minimizar riscos na hora de adotar metodologia de trabalho com os alunos envolvendo uso de tecnologias digitais: os desafios e as escolhas dos professores

A experiência relatada acima, ainda em curso, levanta uma série de questões sobre a inserção das tecnologias e das mídias nos processos educativos escolares. Embora em nossa experiência com formação de professores para uso das tecnologias tenhamos colecionado mais dificuldades e práticas que, do ponto de vista metodológico, pouco contribuíram para diferentes formas de ensinar e aprender, são essas mesmas experiências que alicerçam iniciativas e pavimentam novos caminhos para pensarmos em processos escolares mais coetâneos com o tempo presente. Contudo, o objetivo de qualquer proposta pedagógica não deve estar alicerçada na tecnologia, que no mais das vezes são meios (quase que exclusivamente de aporte instrumental), e não fins em si mesmas.

Desde pelo menos a década de 1980 se fala das potencialidades do computador para a educação. Trinta anos se passaram e ainda estamos no mesmo discurso, muito embora os termos tenha se atualizado: já não se fala meramente em computador, computação, informática; mas em internet, redes sociais, dispositivos móveis, recursos educacionais abertos, ambientes virtuais de ensino-aprendizagem, aprendizagem colaborativa etc. Parece óbvio, nesse percurso, que muitas iniciativas simples foram muito exitosas e inovadoras do ponto de vista metodológico e dos processos de aprendizagem. Muitas dessas experiências exitosas, contudo, partiram da criatividade individual de professores. Em alguns casos, por tentativa e erro. Em se tratando de experiências de aprendizagem envolvendo tecnologias, nem sempre uma história de êxito pode ser reproduzida pura e simplesmente com garantia de novos êxitos. Há uma série de variáveis a serem mensuradas nesse caso. E isso resulta que é muito difícil listarmos os elementos que tornem menos arriscadas e mais acertadas as diversas escolhas envolvidas no uso de tecnologias nas atividades escolares, do planejamento à avaliação. Mesmo assim, a partir da repercussão do caso relatado antes, propomos alguns elementos para serem ponderados, com base em nossa experiência em projetos educacionais e em formação de professores para uso de tecnologias.

1. Internet é mais atrativa do que sala de aula

Isso não significa que realizar as atividades na internet as tornarão mais atrativas. Pode ocorrer justamente o contrário: o uso ‘escolarizado’ de qualquer tecnologia originalmente alheia à escola acaba, muitas vezes, por tornar aquela tecnologia chata. O professor Marcelo tem razão quando fala que o que os jovens mais gostam de fazer é curtir. Mas curtir por obrigação é chato. Curtir trabalho escolar também é, quando o estudante não vê sentido nisso ou quando a recompensa para tal são os pontos obtidos no trabalho. É ilusão pensar em que propor um trabalho que será desenvolvido inteira ou parcialmente na internet será necessariamente mais divertido. Afinal, o quadro negro e o giz pareciam muito mais interessantes e divertidos em nossa época de criança quando não estavam em sala de aula, mas nas nossas brincadeiras.

2. A importância do planejamento

A reportagem deu a entender que muitos alunos não entenderam muito bem a finalidade do trabalho. Segundo o professor, a questão central era a que os alunos elaborassem uma propaganda preventiva, portanto, que fosse difundida. No planejamento da atividade, uma alternativa possível seria a de deixar os grupos escolherem a melhor estratégia de divulgação de campanha. Isso talvez até reforçasse a relevância do trabalho em equipe, pois colocaria os estudantes em contato com o planejamento de ações e tomadas de decisões, diferentemente de quando recebem instruções estritas. Estamos falando de jovens de 15 e 16 anos, que já têm noção do que é divulgação. Formas mais abertas de escolha podem contribuir para a expressão da criatividade, que sabemos ser algo fundamental no mundo da propaganda (lembrando que o objetivo também era esse) e o professor poderia exercer o papel de orientador para auxiliar os grupos na tomada de decisão sobre as formas de apresentar seus trabalhos.

3. A inserção nas e para as tecnologias

Trabalhar com mídias e tecnologias requer um diagnóstico da turma, em termos de competências multimidiáticas e de infraestrutura para a elaboração de trabalhos. É importante o professor conhecer, a priori, o que os alunos já sabem de determinada tecnologia e os meios que dispõem para realizar algumas atividades com ela. Neste caso, estamos falando de adolescentes de uma escola particular de Florianópolis, o que pressupõe algumas características; mas elas não serão necessariamente homogêneas. Se algum objetivo secundário da atividade é a de que os alunos lidem com tecnologias, então esta atividade deveria ser realizada em sala de aula e a avaliação deveria ocorrer pelo processo de produção; e não do produto final, tampouco pelo número de curtidas. Ainda, se o objetivo era trabalhar com tecnologias digitais, o Facebook não é a única disponível. Existem outras possibilidades que poderiam ser trabalhadas no planejamento, por exemplo, deixar que os estudantes elegessem a tecnologia de sua preferência para montar a proposta de propaganda sobre prevenção de doenças. Poderíamos ainda levantar outras questões sobre a restrição ao uso de uma rede social específica, que pode induzir alunos a criarem perfis e ter uma certa rede de popularidade a fim de obter o número de curtidas necessárias. A avaliação, nesse caso, deixa de lado casos — talvez isolados — de estudantes que não participam do Facebook por n razões, ou que não tenham uma rede tão vasta assim.

4. Quanto vale uma curtida?

Parte significativa da nota dos alunos no trabalho (três dos sete pontos) é pelo número de curtidas (250 em uma semana). Esse dado é o resultado quantitativo; é o fim em si mesmo. Ele não considera o trabalho de elaboração, a aprendizagem significativa do aluno, o ponto de partida de cada um. É um número real que não diz muita coisa sobre o envolvimento do aluno. É uma espécie de gincana; uma meta a ser batida. O argumento do professor é que “as pessoas vão curtir se gostarem”. Essa é uma meia verdade. Neste caso específico, as pessoas vão curtir porque seus filhos, sobrinhos, irmãos, amigos pediram que curtissem, para que eles pudessem bater a meta e obterem a recompensa da nota. Em termos de aprendizagem, é um número que não diz nada. Nem representa o real envolvimento dos alunos na tentativa de obter as curtidas necessárias. Outro equívoco é supor que algum conteúdo curtido é conteúdo lido/assistido e que, nesse caso, as atividades dos alunos estariam contribuindo para algum tipo de propagação e conscientização dos que estão de fora, em função do número de curtidas. Muitas vezes as pessoas acessam um conteúdo, gostam dele, mas não deixam o seu “like”. Quantificar os likes e convertê-los em nota, qualquer que seja, não passa de um engodo avaliativo, pois do ponto de vista da aprendizagem, da reelaboração dos conteúdos pelos alunos e mesmo da eficácia da conscientização (quantidade é diferente de qualidade, só para relembrar) é um critério inválido, que não garante nenhum tipo de retorno a priori.

5. Problematizar o que significa curtir

Uma das críticas recentes à superconexão é exatamente o excesso de exposição das pessoas nas diversas redes sociais existentes. Os autores que partilham da defesa da desconectopia problematizam a caça à curtida como uma espécie de patologia do digital, uma espécie de narcisismo digital, um enaltecimento exacerbado de egos que o número de curtidas falsamente representa sobre a relevância de um conteúdo ou de uma pessoa. Em fanpages do Facebook (um exemplo bastante corriqueiro é a página Fatos Desconhecidos) é comum que usuários disputem curtidas nos comentários. Pedir curtidas é, muitas vezes, considerada uma prática constrangedora na rede social. Ao se propor trabalhar com tecnologias,em especial o Facebook, o professor deve problematizar o que significa curtidas e não curtidas. Do contrário, no lugar de trabalhar para desenvolver as competências multimidiáticas (que envolvem criticidade, mediação, reflexão), os professores apenas estarão contribuindo para um fenômeno sintomático de ser curtido para ‘sobreviver’ na rede. E, em vez de contribuir para o senso crítico, reproduzir o senso comum de que o número de curtidas de um post é algo relevante, podendo induzir práticas egocêntricas e hiperexpositivas dos alunos na internet.

6. Para além dos muros da escola

Historicamente, as instituições de ensino são acusadas de erguerem uma espécie de redoma que não dialoga com seu entorno, com a sociedade na qual está inserida. Na década passada, quando os dispositivos móveis estranhos à escola (diferentemente dos computadores, que entraram nas escolas de forma mais ou menos planejada e já fadados à pedagogização) começaram a desfilar nos pátios e corredores pela mão dos estudantes, houve muito alvoroço e debate entre os educadores sobre a proibição ou não dos aparelhos no interior das organizações escolares. Uma das críticas que se fazia aos educadores contrários ao uso dos celulares daquela época (ainda sem internet e com poucos recursos) era a de que eles estavam manter o isolamento da escola do restante da sociedade. Posteriormente, providos de câmera e internet, os celulares portados pelos alunos começaram a trazer um pouco do cotidiano escolar para a web — uma questão ainda a ser resolvida, haja vista alguns conteúdos indesejáveis que às vezes vemos na internet, e que só pode ser resolvida pela via do uso midiático crítico. Atualmente, essa polêmica perdeu força. A ubiquidade das práticas sociais faz com que fronteiras sejam cada vez mais móveis e líquidas. Exemplo mais próximo é a própria página Diário de Classe, que trouxe à tela para conhecimento de todo país o interior de uma escola de Florianópolis.

Essa breve contextualização serve para evidenciar o nó crítico que ainda está presente nas escolas no tocante à exposição dos resultados de sua aprendizagem. Se por um lado temos a função social da escola e acreditamos que os ‘produtos’ desenvolvidos por ela devam contribuir para a melhoria da sociedade, por outro temos que pensar na responsabilidade por expor alunos e seus trabalhos.

Em nossa experiência com uso de tecnologias, muitas vezes recorremos ao uso de blogs, redes sociais e outras mídias para difundir o conhecimento produzido pelos alunos. A socialização de diferentes conteúdos faz mais sentido se houver algum tipo de amarra entre eles; um evento, um painel, um mosaico de conteúdos; um seminário; um programa de rádio, um varal de fotografias… enfim, trabalhar com mídias e tecnologias resulta em muitas possibilidades para que a socialização de conhecimentos possuam um eixo central, um fio condutor que possibilidade contextualizar para o público o objetivo daquela produção.

Uma ponderação inicial que o professor deve fazer quando optar por esse tipo de socialização — e que também deve estar previsto no planejamento — é a metodologia e finalidade dessa socialização. Nem sempre os alunos gostariam de ver seus trabalhos escolares expostos publicamente nas redes sociais. Esse deve ser um cuidado do professor. O outro é: quem vai fazer a publicação? Embora muitos alunos não se importem em terem seus trabalhos publicados, talvez eles mesmos não queiram (sem uma justificativa plausível) serem expostos a ponto de terem que publicar trabalhos escolares. Essa é uma negociação que deve ser feita em sala de aula, entre alunos e professores. Além disso, temos que lembrar que o aluno que tem um perfil em uma rede social pode optar pela sua manutenção apenas para fins pessoais — e não escolares. Sem falar naqueles que preferem não usar redes sociais (sim, eles existem, por incrível que possa parecer!). Todas essas variáveis devem ser levadas em consideração.

A outra questão é: não seria de bom tom que os trabalhos produzidos pelos alunos passassem por algum tipo de avaliação prévia, de validação, de socialização entre os pares, de ‘qualificação’? Essa é uma decisão importante a ser tomada, até mesmo prevendo casos em que o aluno se sinta tão seguro em relação àquilo que produziu, como sugere a reportagem. Se formos fazer um comparativo com a universidade, geralmente a produção do conhecimento começa a ser socializada entre pares até chegar ao grande público (sala de aula – eventos acadêmicos da área – publicação da área etc.).

Neste sentido, é importante lembrar que o Facebook não é um espaço pedagogizado. A menos que o professor (ou a turma) crie uma página da disciplina, ou um blog ou qualquer outro espaço que articule o que está sendo trabalhado e desenvolvido, produções fragmentadas na rede social correm o risco de parecerem sem sentido para o internauta padrão. E acabam por não cumprir seu objetivo de socialização do conhecimento, por não estarem contextualizadas.

Por fim, iniciativas de socialização do conhecimento — via redes sociais ou não — com quem está do lado de fora das instituições de ensino são sempre bem-vindas. É um equívoco pensar que tecnologias antigas (quadro, giz, cartazes) não cumprem mais sua função de socialização do conhecimento, pois leva à falsa ideia de que uma tecnologia é ‘melhor’ do que a outra (se fosse isso, não teríamos tecnologias diferentes coexistindo contemporaneamente). O que importa é o objetivo dessa socialização, que vai nos dizer qual melhor metodologia a ser adotada e quais critérios de avaliação devem ser empregados para dar conta disso. Se o objetivo estiver amarrado ao número de curtidas, teremos um tipo de avaliação; se for a socialização do conhecimento e a conscientização, teremos vários outros possíveis.

Os itens elencados aqui nem de longe esgotam a polêmica relatada no início do texto, muito menos esgotam as possibilidades de uso das tecnologias e/ou as variáveis que devem ser ponderadas quando da organização de uma atividade com esse caráter. Ao contrário, é uma síntese provisória e de caráter muito superficial sobre uma problemática concreta, presente em qualquer escola, dentre outras tantas possibilidades de discussão.