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Livros para download: Cibercultura

Baixe grátis o livro Cibercultura, de Pierre Lévy

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Em outra oportunidade, já publicamos outras obras de Pierre Lévy na página e fizemos uma breve apresentação do autor. Pierre Lévy é um filósofo judeu que se tornou especialista na teoria da inteligência coletiva e precursor da Cibercultura, sendo um dos primeiros a discutir temas como a Wikipédia.

Publicado originalmente em 1997, o livro Cibercultura só chegou ao Brasil na década seguinte. Os trechos a seguir, que contextualizam a obra, são de autoria de Marcia Pereira Sebastião e Lucila Pesce, em resenha publicada em 2010 na Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, da PUC-SP.

“De um lado, a obra consubstancia-se como registro histórico da gênese do processo de consolidação do ciberespaço. De outro, permanece atual, na medida em que muitas das proposições nele contidas ainda se apresentam como desafios a serem enfrentados, pelos contemporâneos processos de aprendizagem.

A obra se divide em três partes: Definições, Proposições e Problemas.

Em Definições, Lévy reflete acerca do impacto das tecnologias sobre a construção da inteligência coletiva: termo percebido em meio às suas contradições e, por isso mesmo, denominado pelo autor como “veneno e remédio da cibercultura”. Em sua narrativa
analítica, o autor sinaliza que a sociedade encontra-se condicionada, mas não determinada pela técnica. Tal afirmação permite a percepção da relação biunívoca entre sociedade e tecnologia, mediante a qual a primeira se constitui historicamente pela segunda, embora não seja por ela determinada. […]

Na segunda parte do livro – Proposições – o autor centra suas atenções na cibercultura, percebida em suas múltiplas dimensões: a essência, o movimento social, o som, a arte. Do foco no campo epistemológico emanam considerações sobre a nova relação com o saber, a partir da cibercultura e seus consequentes desdobramentos na educação, na formação e na construção da inteligência coletiva. […]

Ao considerar que a sociedade é constituída pela técnica, o autor elabora um painel histórico, que compreende o advento da escrita, da enciclopédia e do ciberespaço. Nesse cenário, situa a simulação como modo de conhecimento próprio da cibercultura. Amparado no conceito de inteligência coletiva, o sociólogo descortina novas formas de organização e de coordenação flexíveis, em tempo real, no ciberespaço. Ao acenar para o ciberespaço como mediador essencial da inteligência coletiva, o autor convida a educação a levar em conta tais emergências, para, a partir delas, ressignificar o seu atual modus operandi. […]

Na terceira parte – Problemas – Lévy consolida seu olhar sobre as contradições inerentes ao fenômeno da cibercultura, com vistas a desvelar os conflitos de interesse que se apresentam, nos diversos olhares sobre o devir tecnológico. Conflitos que se
manifestam em distintos setores da sociedade: o mercadológico, o midiático, o estatal. Por fim, no item “O ponto de vista do bem público: a favor da inteligência coletiva”, o estudioso reitera a virtuosidade do ciberespaço, ao afirmar que o mesmo se ergue em meio a atividades espontâneas, descentralizadas e participativas.

Disposto a desconstruir os argumentos excessivamente críticos sobre os riscos de o virtual substituir o real (crítica da substituição) e sobre o ciberespaço servir, tão somente, ao estabelecimento de novas dominações (crítica da dominação), o filósofo da Informação tece uma “crítica da crítica”. Ao fazê-lo, começa por delinear as funções do pensamento crítico. Prossegue, com questionamentos sobre até que ponto a crítica ainda se consubstancia como progressista e a partir de quando corre o risco de se tornar conservadora. […]”.

Livros para download: Recursos Educacionais Abertos

Baixe grátis o livro Recursos Educacionais Abertos: práticas colaborativas e políticas públicas, organizado por Nelson de Luca Pretto, Carolina Rossini e Bianca Santana

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A Universidade Federal da Bahia tem produzido alguns dos mais importantes estudos e publicações sobre tecnologias e educação nos últimos anos. Em partes, pelo seu produtivo corpo docente envolvido nos seus Programas de Pós Graduação, em partes, pela militância em favor do software livre e da cibercultura de alguns de seus docentes. É o caso de Nelson Pretto, célebre pesquisador e militante de uma internet livre. Nessa discussão, as tensões entre uma internet livre e as políticas públicas é inevitável. E essas discussões, que frequentemente geram pesquisas, artigos e livros, escoam pela internet de modo livre: mantendo a coerência de sua militância, a maior parte dos livros é disponibilizado gratuitamente na rede. É o caso deste livro.

Publicado em 2012, trata-se do primeiro livro sobre recursos educacionais abertos (REAs) no país. Embora tenha se passado quase cinco anos do lançamento, muitos professores nunca ouviram falar de REAs e muitos outros ainda têm dúvidas sobre o que se trata. Por isso, a obra pode ajudar a se pensar em práticas inovadoras na educação a partir do uso desses recursos educacionais. Os trechos a seguir, que ajudam a contextualizar a obra, foram retirados da própria página que Nelson Pretto mantém na internet, desde 1986. O texto foi publicado por ele em maio de 2012.

“O conceito de recursos educacionais abertos (REA), cunhado pela Unesco em 2002, trata da criação de materiais educacionais abertos “para consulta, uso e adaptação”. “Esse conceito está centrado na ideia dos commons – de que o conhecimento produzido pela humanidade pertence a toda a humanidade – e permite problematizar diversos elementos importantes para que a inovação em rede aconteça nos processos educativos: propriedade intelectual, softwares, conexão de banda larga, educação de professores, material didático, preço, acesso e tantos outros temas e aspectos ligados à questão”, explica Bianca Santana, uma das organizadoras e autoras. […]

[O livro] “Recursos Educacionais Abertos: praticas colaborativas e politicas públicas”, organizado por Nelson Pretto (UFBA), Carolina Rossini (REA Brasil/GPOPAI-USP) e Bianca Santana (Instituto Educadigital/Casa de Cultura Digital) trata da questão da educação aberta e dos recursos educacionais abertos. Com a publicação, os autores esperam ampliar o debate sobre os usos da internet nas escolas, da democratização do acesso à internet e aos recursos educacionais a populações de menor renda. A obra trata ainda das possibilidades de a internet contribuir para o desenvolvimento humano, principalmente no direito de todos à aprendizagem ao longo da vida.

Financiado pelo edital de publicações do Comitê Gestor da Internet (CGI) no Brasil e pela Open Society Foundation, trata-se de uma publicação conjunta da EDUFBA e da Casa da Cultura Digital. Cada um dos capítulos aborda o tema de uma perspectiva diferente, prática ou teórica, já que foi produzido de forma colaborativa a partir de uma chamada na comunidade REA Brasil. Todo o processo de produção foi aberto, com intensivo uso de softwares e fontes livres. Os autores são professores da educação básica, acadêmicos e profissionais da área da educação e das ciências sociais, entusiastas e ativistas da cultura livre e digital, políticos, juristas e gestores públicos […]”.

Livros para download: Pontos de cultura e lan houses

Baixe grátis o livro Pontos de cultura e lan houses: Estruturas para inovação na base da pirâmide social, organizado por Joana Varin Ferraz e Ronaldo Lemos

Produzido a partir dos debates e articulações decorrentes do projeto “Tecnologia, Democracia e Desigualdade Social: Melhores Práticas e Políticas Públicas”, financiado pela Agência Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP e desenvolvido pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (CTS/FGV), o livro reúne artigos de pesquisadores e profissionais de diversas áreas para pensar a importância de promover acesso à cultura digital. Dessa forma, a publicação destaca o importante papel que os pontos de cultura e as lan houses dispersas pelos mais diversos cantos do país, com especial capilaridade nas periferias urbanas, acabam tendo na promoção do acesso à cultura digital, colocando-se como espaços com maior protagonismo dos que os telecentros. A publicação problematiza ainda o desafio que se coloca à legalização das lan houses, ainda desamparadas pela legislação brasileira, e a necessidade de aproximá-las das propostas de pontos de cultura digital e outras políticas públicas.

O texto foi extraído do portal do CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas, 
que também disponibiliza a obra.

Livro para download: Obras escolhidas de Walter Benjamin

Baixe grátis o livro Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política, de Walter Benjamin.

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Walter Benjamin (1892-1940) foi um dos maiores intelectuais do século XX. Representante da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt, foi um brilhante crítico literário e ensaísta, além e tradutor e filósofo. Em meio a efervescência cultural do seu tempo, foi diretamente influenciado por e exerceu influência sobre outros grandes nomes do início do século XX.

Seu legado, que só se tornou grandemente reconhecido após sua morte, trata principalmente sobre as representações artísticas, culturais e estéticas de seu tempo. Seu tempo, inclusive, marcado por grandes transformações técnicas na sociedade, dos meios de transporte aos meios de comunicação de massa — temática que ocupou o seu pensamento, bem como o pensamento de outros intelectuais da época, sobre as repercussões das transformações técnicas no seio da vida social. Sob influência do idealismo alemão e do materialismo dialético, Benjamin trafegou por essas diferentes vertentes, aproximando-as. Quando o regime nazista ganhou força, Walter Benjamin (assim como outros intelectuais da Escola de Frankfurt), judeu, teve que fugir da Alemanha. Morreu em 1940 enquanto tentava fugir do regime.

Nessa coletânea da Editora Brasiliense, os organizadores pinçam da vasta obra de Benjamin textos que contribuem ainda hoje para pensar sobre certos aspectos da cultura, dos brinquedos, da questão da reprodutividade das obras artísticas contidas no célebre texto “A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica”, entre outros.

Acesse o livro na íntegra.

Livro para download: As Tecnologias da Inteligência

Baixe grátis o livro As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática, de Pierre Lévy.

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Pierre Lévy é um filósofo judeu que se tornou especialista na teoria da inteligência coletiva e precursor da Cibercultura, sendo um dos primeiros a discutir temas como a Wikipédia. No seu Primeiro livro, “As Tecnologias da Inteligência” lançado em 1992, Lévy disserta sobre diversos conceitos, desde o surgimento de um novo formato textual, o Hipertexto, discutindo sua definição e os modos como é empregado, além do impacto social que o computador e suas tecnologias inteligentes causaram na sociedade, até assuntos mais complexos como a Ecologia Cognitiva e o Coletivo Inteligente.

Na primeira parte do livro As Tecnologias da Inteligência, Pierre Lévy explica que na comunicação a informação se precisa através do contexto e do sentido. Eles se interagem, tendo como preceito que o contexto é construído a partir do sentido e o sentido emerge a partir do contexto. Através deles que temos “(…) lances decisivos,… no jogo de interpretação e da construção de realidade”. (LÉVY, 1992). O método de comunicação que busca analisar, então, é o hipertextual. Começa relatando que a mente humana não segue um sentido linear de cognição, quando uma informação lhe é atribuída. Explica no trecho: “Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, (…). Mas apenas os nós selecionados pelo contexto serão ativados com força suficiente em nossa consciência.” (PIERRE LÉVY, 1992, p. 23).

O leme que dá rota a esse fluxo cognitivo, então, é o contexto que “designa portanto a configuração de ativação de uma grande rede semântica” (LÉVY,1992). A essa grande rede semântica, o autor chamou de hipertexto. Para classificá-lo melhor, designa seis princípios básicos e abstratos:
– Principio de heterogeneidade: O modelo hipertextual está em constante mudança de construção e resignificação.
– Principio de heterogeneidade: Os nós e conexões da rede hipertextual serão heterogêneos, ou seja, poderão assumir diversas formas, como imagens, sons, palavras, modelos, etc.
– Principio de multiplicidade e de encaixe das escalas: Uma construção textual será ligada a uma rede de outros textos de modo fractal, ou seja, em progressão geométrica.
– Principio de exterioridade: Os caminhos escolhidos em um hipertexto são de origem externa ao texto, ou seja, vem de seu usuário.
– Principio de tipologia: Os meios compostos por hipertextos interligados são similares e vizinhos, ou seja, tem de ser compatíveis. Por exemplo, um texto de um livro não é comumente ligado a um texto de internet.
– Principio da modalidade dos centros: A rede hipertextual não possui centros, cada texto, cada som, cada imagem que estão interligados possui um centro de significância próprio.

[…]

A segunda parte do livro se propõe a fazer uma descrição geral das técnicas contemporâneas de comunicação e processamento de informação por computador. Contudo primeiro faz um estudo sobre algumas características cognitivas coletivas inerentes a sociedade humana.

Lévy diz que existiam, antes da era da informática, dois tipos de sociedade, uma mais arcaica que se estruturava a partir da Oralidade primaria, e outra mais moderna baseada na oralidade secundária. Oralidade primária seria a que remete ao papel da palavra falada antes do advento da escrita, “(…) a palavra tem como função básica a gestão da memória social, e não apenas a livre expressão das pessoas ou a comunicação prática cotidiana” (LÉVY,1992). Nessa sociedade a inteligência ou sabedoria estaria particularmente relacionada com a memória sobre o conhecimento que era passado de forma oral através de uma relação mais íntima entre indivíduos na construção de uma tradição. A forma de armazenamento dessas informações ou conhecimentos, como já dito, é a memória, por isso é preciso entender um pouco de seu funcionamento, para isso Lévy opta por uma analise a partir dos preceitos da psicologia cognitiva.

Obviamente nossa memória funciona de forma muito diferente a de um equipamento de armazenamento digital, que por vezes traz a recuperação fiel das informações guardadas. Nossa mente guarda informações através de dois veículos:
A memória de curto prazo que está relacionada com a atenção do ouvinte, que tentará reter uma informação durante um curto espaço de tempo para sua rápida utilização. Um recurso usado para o desenvolvimento dela é a constante repetição de uma ação.
A memória de longo prazo, essa mais complexa que a primeira, que funciona com o armazenamento de informações em uma única e imensa rede associativa que deverá contê-la durante um grande período de tempo.

O autor fala que, as sociedades orais, desenvolveram um método de conseguir garantir a eficiência da memória de longo prazo. Teoricamente falando Lévy chama esse método, ou estratégia, de Elaboração. Ela permitiria que a informação fosse condensada e associada a uma rede com grande numero de conexões, partindo para uma forma de compreensão através da representação.

[…]

 

Nova oralidade da rede digital

Como vimos, com o computador pessoal, a informática teve o suporte para se tornar uma cultura de massa. Essa cultura presa pela digitalização, ou seja, transformação de informação em dados a partir da codificação em sinais binários que serão armazenados, reconhecidos pelo equipamento e mostrados na tela de forma inteligível. O autor diz que “(…) a digitalização conecta no centro de um mesmo tecido eletrônico o cinema, o radio, a televisão, o jornalismo, a edição, a musica, as telecomunicações e a informática.” (LÉVY, 1992).

É importante percebemos também que através da digitalização e da rede, a oralidade escrita perde muitas de suas deficiências a pouco apresentadas, a codificação digital liberta o material de seus problemas de composição, de organização, apresentação e acesso. Essa nova oralidade se caracteriza muito mais pelo hipertextual, pela conexão de mídias e de pessoas de uma forma diferente, porém análoga, a da oralidade primaria, mas agora através da utilização da máquina como veículo de comunicação. Outra característica importante dessa oralidade digital é a capacidade que tem de uma informação escrita, imagética ou sonora ser passível de decomposição, recomposição, comentário, ordenação entre outras interferências de modulação.

[…]

Por fim, a outra característica presente na oralidade digital é a capacidade de simulação. Segundo o autor “Um modelo digital não é lido ou interpretado como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa” (LÉVY, 1992). O conhecimento por simulação não se assemelha ao teórico nem ao pratico, ele cria um ambiente que simula a atividade intelectual antes da exposição racional, ou seja, o reflexo mental, a imaginação etc.

Acesse o livro na íntegra.


Esse post foi organizado a partir de excertos do texto de Gabriel Ribeiro publicado na Revista Universitária do Audiovisual, da UFSCar, em setembro de 2010.

Livro para download: Cinema, vídeo, Godard

Baixe grátis o livro Cinema, vídeo, Godard, de Philippe Dubois

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Jean-Luc Godard é, evidentemente, um dos maiores nomes da história do cinema. Nascido em Paris, em 1930, foi um dos principais nomes do Nouvelle Vague, um movimento artístico do cinema francês que rompeu com os modelos e padrões de se fazer cinema até então. Desde a imposição do cinema de estúdio, até a fixidez das câmeras, as narrativas lineares (e quase previsíveis) e a moralidade das produções cinematográficas, tudo isso o Nouvelle Vague veio contestar. Incluiu no novo jeito de fazer cinema a montagem inesperada de diálogos , o foco na personalidade dos personagens (e não nas cenas em si mesmo) e nas situações banais e cotidianas, e incluía nas produções elementos do pop art e do teatro épico, com a incorporação de textos de Marx a Balzac.

Como expoente desse movimento, a partir do final da década de 1950, Godard fez seu cinema de vanguarda explorando os temas polêmicos, os dilemas e as perplexidades do século XX. “Seu primeiro longa metragem, “Acossado” (1959), foi ponto de referência na cinematografia francesa, com um relato anti-heróico que rompia com muitas convenções. Audacioso, o cineasta adotou inovações narrativas e filmou com a câmera na mão, rompendo regras até então invioláveis” [1]. A magnitude de Godard para o cinema expressa-se nos diversos prêmios que recebeu ao longo da carreira, incluindo os prêmios honorários pela importância do conjunto de sua obra para o cinema internacional, incluindo dois prêmios César (o Oscar da Europa), um Leão de Ouro Honorário, além do Oscar Honorário, em 2010.

No livro Cinema, vídeo, Godard, o autor Philippe Dubois dedica toda a terceira e última parte da obra a um exame aprofundado da obra e do legado do cineasta francês que, “como nenhum outro, problematizou  com tanta insistência, profundidade e diversidade a mutação das imagens“. [2]. O livro, formado por nove ensaios, por sua vez, trata justamente da questão das imagens para o vídeo e, em especial, para o cinema. Parte, no capítulo inicial, da discussão sobre a teoria das imagens e sua relação com o vídeo, indagando se u vídeo pode ser considerado como um corpo estético específico, uma arte em si mesma, com linguagem própria.

Philippe Dubois é professor no Departamento de Cinema e Audiovisual da Universidade de Paris 3 — Sorbonne Nouvelle — onde leciona teoria das formas visuais. É pesquisador do Instituto Universitário da França (IUF). Há várias décadas pesquisa e publica artigos e livros sobre imagem, fotografia, cinema, vídeo e pós-cinema. Uma de suas áreas de especialidade é a análise fílmica, um porte teórico-metodológico imprescindível para os críticos de cinema. Dubois também já foi crítico e redator da Revue Belge du Cinéma e colaborador da Cinemateca Real da Bélgica. Já esteve no Brasil várias vezes, participando inclusive de uma Aula Magna do curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina, cujo vídeo está disponível no YouTube.

Conforme descrito na apresentação do livro, ressalta que Dubois é um dos poucos pensadores que vêm desenvolvendo uma “reflexão concentrada sobre as atuais mutações do cinema, a perda de sua hegemonia sore a criação audiovisual, a emergência ruidosa do vídeo, o desafio imposto pela televisão e o panorama impreciso que tudo isso projeta num futuro próximo”. Podemos acrescentar a essa panorama a “magia das telas”, com a emergência dos dispositivos digitais e móveis e com a incorporação definitiva de câmeras em nosso cotidiano (vale lembrar que quando o livro foi lançado, ainda não havia YouTube, muito menos os fenômenos das transmissões ao vivo nas redes sociais, feitas com aparelhos celulares). A propósito, o próprio livro foi organizado a partir de um conjunto de ensaios escritos ainda em períodos anteriores nos quais a internet ainda não estava tão presente no cotidiano das pessoas. Todavia, Dubois não havia deixado escapar as nuances dessa mudança emergente.

As obras eletrônicas podem existir [..] associadas a outras modalidades artísticas, a outros meios, a outros materiais, a outras formas de espetáculo. Muitas das experiências videográficas são mesmo fundamentalmente efêmeras, no sentido de que acontecem ao vivo apenas num tempo e lugar específicos e não podem ser resgatadas a não ser sob a forma de documentação (quando existente). Como consequência dessa dissolução do vídeo em todos os ambientes, os profissionais que o praticam, bem como os públicos para os quais ele se dirige, foram se tornando cada vez mais heterogêneos, sem qualquer referência padronizada, perfazendo hábitos culturais em expansão, circuitos de exibição efêmeros e experimentais, que resultam em verdadeiros quebra-cabeças para os fanáticos da especificidade.

O vídeo é o meio do caminho entre o cinema (em que as imagens estão em relação de dependência de um roteiro prévio, um plano de fundo) e o computador, que dispensa tudo isso. Nesse sentido, pensar o vídeo em relação ao cinema implica repensar o vídeo não mais como uma mera forma de registrar e narrar, mas como um pensamento, um modo de pensar.

Acesse o livro na íntegra.


Veja também (vídeos):

O cinema de exposição – Aula Magna com Dubois no curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2013.

Entrevista de Dubois, durante o curso de Análise Fílmica ministrado na Universidade Federal do Ceará em 2010.

Livro para download: Teorias da Comunicação

Baixe grátis o livro Teorias da Comunicação, de Mauro Wolf

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O semiólogo e sociólogo italiano Mauro Wolf (1947-1996) é considerado, ainda hoje, um dos mais influentes pesquisadores sobre a comunicação de massa. Discípulo do também italiano Umberto Eco, Wolf se interessou pelos estudos sobre o ‘mass media‘ e seus efeitos sociais — o que resulta em algumas de suas principais obras. Em “Teorias da Comunicação”, Wolf apresenta “uma análise crítica extremamente completa das teorias e modelos de análise mais importantes elaborados no decurso de vários anos de investigação”. Nas suas diferentes versões em língua portuguesa, essa obra tem sido referência bibliográfica básica em diferentes cursos da área de comunicação social no país.

A obra é dividida em duas partes, nas quais Wolf apresenta um panorama e uma evolução da pesquisa sobre comunicação de massa (‘mass media‘), entendida como “simultaneamente um importantíssimo setor industrial, um universo simbólico, um investimento tecnológico em contínua expansão, uma experiência individual cotidiana, um sistema de intervenção cultural e de agregação social”. A amplitude e a volatilidade dessas características coloca um desafio no estudo da comunicação de massa, justamente, como estudar um objeto em constante mutação de formas. A sinalização de Wolf para tentar contornar esse obstáculo é analisar os modelos teóricos e contextos de pesquisa que baliram, até então, os estudos sobre a comunicação de massa. A primeira parte do livro basicamente ocupa-se disso: discutir as principais teorias do mass media desenvolvidas no século XX e suas abordagens, escolas, representantes, conceitos. Muito embora, cronologicamente, as diferentes teorias tenham emergido sucessivamente, Wolf enfatiza que não existem fronteiras definidas entre elas, mas uma trama, uma rede que faz com que as diferentes perspectivas se entrecruzem, complementem, renovem, se choquem e alinhem.

A segunda parte do livro, como o título sugere, é destinada às tendências de pesquisa emergentes na época sobre os estudos da comunicação de massa. A primeira, relacionada ao estudo dos efeitos a longo prazo da comunicação de massa para a construção da realidade, a partir da hipótese do agenda-setting. Por essa hipótese, formulada ainda na década de 1970, a mídia é quem determina quais os assuntos que farão parte das conversas dos consumidores de notícias, ou seja, é um efeito social da mídia que seleciona e define a incidência de notícias sobre temas que o público irá ter acesso, consumir e discutir. Está relacionado ao que Bourdieu fala a respeito das estratégias utilizadas pela televisão, ao “mostrar escondendo e esconder mostrando” o que e “relevante” para o público ter acesso. Wolf faz uma análise dessa abordagem, inclusive apontando os limites e as possibilidades desse modelo. Já a segunda tendência são os estudos “da sociologia dos emissores aos newmaking“, teoria que no jornalismo discute as formas de produção de notícia. Por essa teoria, as notícias veiculadas pelos meios de comunicação não são um reflexo da realidade social, mas determinadas pelo padrão industrial de produção de notícias. Como existe uma abundância de fatos cotidianos, a organização do trabalho jornalístico se dá por meio de um processo de produção de notícia planejado como uma rotina industrial, no qual alguns critérios são levados em consideração, sobretudo o grau de noticiabilidade (a notícia que, convertida em mercadoria, possa ser mais vendida), os valores-notícia e as relações pessoais dentro da organização, incluindo o grau de interesse dos donos dos meios de comunicação em privilegiar determinados fatos e ocultar outros. Nesses casos, as notícias, responsáveis em grande parte pela formação da opinião pública, nada mais são do que a construção social de uma espécie de realidade que pode refletir mais, menos ou nem refletir o que socialmente acontece de mais importante no cotidiano.

Livro para download: Além das redes de colaboração

Baixe grátis o livro Além das redes de colaboração: Internet, diversidade cultural e tecnologias do poderAlém das redes de colaboração: Internet, diversidade cultural e tecnologias do poder, de Nelson De Luca Pretto e Sérgio Amadeu da Silveira (Organizadores)

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Reconhecidos no âmbito da educação pela defesa do software livre e da internet aberta, os professores e pesquisadores Nelson De Luca Pretto e Sérgio Amadeu da Silveira organizaram essa coletânea, em 2008, com participação de outros grandes nomes da pesquisa em comunicação e da cultura, como o cineasta Carlos Gerbase, o jornalista Marcelo Tas, além de Alex Primo e Léa Fagundes. Coerentes com sua militância pela internet livre e com a livre circulação dos bens culturais, os autores licenciaram o livro pela Creative Commons, o que permite uso da obra para fins não comerciais, incluindo a adaptação, a remixagem e a criação de outras obras elaboradas a partir desta.

Os autores definem a obra como sendo “fruto de um exercício de ‘decodificação’ das tendências culturais contemporâneas, em suas expressões artísticas, tecno-científicas e político-ideológicas, buscando desvendar as intrincadas tramas e seus algoritmos moleculares e globais, hoje condutores da biopolítica e das macroestruturas de poder”. O livro é resultado de seminários realizados pela Casa de Cinema de Porto Alegre e pela Associação de Software Livre, ocorridos no segundo semestre de 2007, como parte do projeto Cultura e Pensamento do Ministério da Cultura. Sérgio Amadeu, em seu blog, se reportando à obra, diz que o livro “trata do tema das redes em uma sociedade midiatizada, com tendências contraditórias e ambivalentes. Discute as possibilidades democratizantes de compartilhamento do conhecimento jamais vistas e a formação de uma sociedade de controle que busca utilizar as tecnologias para concentrar poder e conter a criatividade, expandindo e ampliando a apropriação privada sobre o que é comum”. Entre outras coisas, o livro aborda questões como a cultura digital, as potencialidades das redes na educação, confronto entre colaboração e competição, direitos autorais e propriedade intelectual em tempos de convergência midiática, tudo com o viés da defesa da socialização, das construções coletivas — aquilo que viria a ser a “militância das militâncias” nas redes, ou seja, torná-las livres, na perspectiva de Thaís Brito (em outra interessante obra sobre contracultura digital).

Um trecho da apresentação do livro dá o tom do posicionamento político e intelectual dos autores: “Ao debater os padrões contemporâneos de emancipação, o que pretendemos foi discutir o atual posicionamento das subjetividades, os riscos e exageros do controle do conhecimento e da informática de dominação, além de alertar que a ampliação do compartilhamento é simultaneamente combatida pela expansão da propriedade sobre a cultura e pela ideologia da neutralidade tecnológica”. Vale lembrar que essa mesma preocupação dos autores que assinam a coletânea “Revolução 2.0 e a crise do capitalismo global” (2012), organizada por Giuseppe Cocco e Sarita Albagli. Há, certamente, um povoamento da rede não no sentido da liberdade, mas no sentido de uma submissão às mesmas fontes de poder de períodos mais, digamos, analógicos. E essa é uma questão que perpassa o livro “Além das redes de colaboração”.

Os autores alertam que a proposta do livro foi trabalhar a contradição entre as possibilidades de criação e disseminação culturais inerentes às redes informacionais e as tentativas de manter a inventividade e a interatividade são o controle dos velhos modelos de negócios construídos no capitalismo industrial. O projeto do qual resultou o livro, lembram os autores, “visou jogar uma luz sobre essas batalhas biopolíticas para que pudéssemos decifrar as disputas sociotécnicas em torno da definição de códigos, padrões, protocolos, aparentemente inocentes, neutros, simplesmente pragmáticos (racionais)”. Em suma, a ideia foi “desnudar as novas interfaces de dominação e apontar os novos cenários e personagens dos ideais de liberdade e democratização social”.

Retornando aos dizeres de Sérgio Amadeu, em 2008 no seu blog, no livro “as tecnologias da informação e da comunicação foram avaliadas em suas dimensões mais importantes. As explicações nascidas da matriz do pensamento único, a qual procura esconder suas determinações histórico-sociais sob o discurso de uma racionalidade neutra, foram confrontadas com aquelas que pretendem dar transparência aos processos e politizar o debate sobre tais dimensões tecnológicas e sobre as históricas relações entre a ciência, o capital e o poder”.

A obra é apenas uma das contribuições sobre esse intrincado tema, que nos acomete cotidianamente, muito embora nem sempre o percebamos. Outras obras de semelhante importância complementam esse quadro fragmentado entre os limites e possibilidades da e na rede, como os citados antes nesse texto e os quais na medida do possível também iremos compartilhar.

Livro para download: Sobre a televisão

Baixe grátis o livro Sobre a televisão seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos, de Pierre Bourdieu

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Neste pequeno livro, Bourdieu faz uma provocação: falar da TV na própria TV. Os textos reunidos no livro são fruto de suas aulas transmitidas em um programa de televisão educativa. Nessas aulas, o autor analisa como a televisão influencia diferentes campos do saber e como ela coloca em xeque o próprio conhecimento, a vida política e a democracia. O jornalismo televisivo e os debates políticos na televisão também merecem atenção especial nessa obra, em que Bourdieu critica o jogo dos bastidores, a saber, os jogos de poder e as consequências nefastas para a vida social.
Pierre Bourdieu (1930-2002) é um dos mais importantes pensadores sociais do século XX, cuja influência, chegada tardiamente no Brasil, é muito presente na educação, em especial na sociologia da educação; mas também nas ciências sociais e na antropologia. Na educação, em especial, suas pesquisas sobre o sistema educacional francês trouxeram grandes contribuições para as análises da função da escola e do currículo escolar nas sociedades contemporâneas, ao reproduzir as dinâmicas sociais que, no limite, visam a manutenção das estruturas de poder. Suas ideias permanecem atuais nos dias de hoje, sobretudo em países como o Brasil, em que o sistema escolar nacional está sob constante ataque no que se refere à ameaça do esvaziamento crítico da formação e de uma preparação voltada a formar trabalhadores para qualificações simples. A atualidade do pensamento de Bourdieu vale não apenas para a educação, mas para outros campos aos quais ele se dedicou pesquisar e analisar, como as artes, a religião, a universidade e, no caso específico desse livro, a mídia.

Publicado pela primeira vez no final da década de 1990, “Sobre a televisão” apresenta duras críticas, academicamente falando, relacionadas ao fazer televisivo. Bourdieu deixa claro que os programas de televisão nos quais gravou suas aulas — que vieram a se converter nos textos do livro — tiveram condições excepcionais, se comparados aos programas de televisão convencionais, das emissoras comerciais. Nesse caso, o programa de TV pode ser comparado como um poderoso instrumento de democracia direta, algo ausente da programação televisiva dos canais tradicionais.

Um dos pontos de partida que ajudam a entender a obra é a apropriação dos conceitos usados por Bourdieu em outros escritos, como os conceitos de poder simbólico, habitus, campo e capital cultural. Os trechos a seguir, que apresentam a obra, foram extraídos e adaptados da resenha escrita pela professora Sylvia Caiuby Novaes, do Departamento de Antropologia da USP, para uma edição de 1998 da Revista de Antropologia. Segundo ela, em “Sobre a televisão”, “foi também a partir da noção de campo que Bourdieu desenvolveu sua análise sobre a televisão e, particularmente, sobre o jornalismo televisivo. “Um campo é um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior deste espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar este campo de forças.” (p:57). Como se estrutura o campo jornalístico e quais as conseqüências desta estruturação para o jornalismo que nos é oferecido pela TV?

A tese de Bourdieu é simples: o universo do jornalismo é um campo que está sob a pressão do campo econômico a partir de uma realidade a qual a TV cada vez mais se submete: o índice de audiência. É através dos índices de audiência que a lógica comercial se impõe às produções culturais. Até cerca de trinta anos atrás o sucesso comercial imediato era visto como suspeito – nas artes plásticas, na literatura, etc.; hoje o mercado aparece como instância legítima de consagração do artista – os bestsellers, as listas diárias nos jornais dos mais vendidos, etc., apenas refletem esta tendência. Na TV, como bem lembra Bourdieu, esta lógica é levada ao máximo, já que os índices de audiência podem ser medidos a cada quarto de hora, com a possibilidade inclusive de se verificar as variações por grandes categorias sociais.

Em íntima conexão com os índices de audiência estão os critérios de seleção daquilo que será mostrado na TV. A TV convida à dramatização, no duplo sentido: põe em cena as imagens e exagera a importância do fato, seu caráter dramático e trágico. Os acontecimentos são selecionados a partir do princípio do sensacional, do espetacular, da busca do “furo jornalístico”, que inunda a tela de enchentes, incêndios, acidentes, assassinatos. Ao submeter-se à pressão comercial a TV pode “ocultar mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso fizesse o que supostamente faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade” (p:25). A TV que se pretende um instrumento de registro torna-se, assim, um instrumento de criação de realidades e é, neste sentido, um campo de produção simbólica com muito pouca autonomia”.

Nesse contexto, algumas práticas recorrentes no universo da televisão e do jornalismo são práticas que convertem a televisão de potencial meio de comunicação e, consequentemente, instrumento democrático, em meio hegemônico de conformação ao estado das coisas, segundo os interesses do campo econômico. Essas práticas podem ser identificadas como os debates políticos “falseadamente verdadeiros ou verdadeiramente falsos”, como as estratégias de mostrar escondendo ou esconder mostrando; e como a circulação circular da informação, que ocupa toda a programação da grade com determinados conteúdos, enquanto outros, de relevância social, são minimizados. Embora Bourdieu tenha analisado efetivamente a televisão francesa, essas praticas podem ser transpostas facilmente para qualquer outro país. E, mais ainda, não apenas para o contexto midiático dos meios de comunicação convencionais, mas também para o tipo de conteúdo que largamente se consome nos dias de hoje nas redes sociais da internet, seja por meio de links estrategicamente patrocinados que saltam à tela sem que o usuário tenha procurado por ele, seja pela entrada dos grandes veículos de comunicação no espaço da internet, que inicialmente se apresentava como um espaço de contracultura, mas que cada vez mais é capturado pelas estruturas hegemônicas do poder.

 

Livro para download: “Sociedade do Espetáculo”

Baixe grátis o livro Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord.

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Meio século depois de sua publicação, o livro Sociedade do Espetáculo permanece atual e, de um certo ponto de vista, as ideias centrais contidas na obra pouco se alteraram no que diz respeito às dinâmicas sociais, econômicas e políticas. Pode-se dizer, inclusive, que as tecnologias digitais da comunicação e da informação elevaram à máxima potência algumas das questões que, quando Guy Debord escreveu a obra, ainda não se faziam presente. Cada vez mais representada pelos meios de comunicação (agora também pelas mídias digitais), a concretude da realidade social é um mosaico de espetáculos, alguns com contornos de show de horrores. Os fatos sociais da atualidade (sejam eles um acidente de grande comoção, uma decisão política, a violência urbana ou os engarrafamentos cotidianos) são convertidos em espetáculos a serem transmitidos “em tempo real”, consumidos e patrocinados. Os fatos sociais, como espetáculos, nos chegam aos sentidos não como uma percepção direta, mas são trabalhados com o melhor ângulo da imagem, devidamente recortado no tempo e no espaço, com roteiro e hora certa para acabar — interrompido pelo próprio item da programação, ou estendido à exaustão se estiver gerando audiência e, consequentemente, dinheiro dos patrocinadores. Em certa medida, somos reduzidos a espectadores e formamos nossa opinião sobre algum fato social pela mediação espetacularizada dele, e não sobre o fato em si mesmo.

Guy Debord (1931-1994), pensador e cineasta francês, publicou “Sociedade do Espetáculo” em 1967 e a obra foi e continua sendo de grande influência para os pensadores que têm como objeto de análise os simulacros, as simulações, enfim, o “espetáculo” propriamente dito no qual a sociedade mediatizada se converte. Muito embora o jargão “sociedade do espetáculo” tenha se popularizado para designar um tipo de comportamento social influenciado pelos meios de comunicação, a obra é muito mais complexa do que essa alusão. Os excertos a seguir foram extraídos e adaptados da crônica de José Aloise Bahia, jornalista e escritor, na edição 313 do Observatório da Imprensa, em janeiro de 2005, em que o professor comenta a obra de Debord e, aqui, serve como um preâmbulo, um prefácio não-oficial do livro.

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O ponto de partida do livro é uma crítica ferina e radical a todo e qualquer tipo de imagem que leve o homem à passividade e à aceitação dos valores preestabelecidos pelo capitalismo. Para o autor, a sociedade da época estava contaminada pelas imagens, sombras do que efetivamente existe, onde se torna mais fácil ver e verificar a realidade no reino das imagens, e não no plano da própria realidade. Servindo-se de aforismos, no primeiro deles Debord afirma que ‘toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação’. Ou seja, pela mediação das imagens e mensagens dos meios de comunicação de massa, os indivíduos em sociedade abdicam da dura realidade dos acontecimentos da vida, e passam a viver num mundo movido pelas aparências e consumo permanente de fatos, notícias, produtos e mercadorias.

A sociedade do espetáculo é o próprio espetáculo, a forma mais perversa de ser da sociedade de consumo. Como bem observa José Arbex Jr. no livro Showrnalismo: a notícia como espetáculo (Editora Casa Amarela, São Paulo, 2001):


O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores’.

Desta maneira, as relações entre as pessoas transformam-se em imagens e espetáculo. ‘O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens’, argumenta Debord. O consumo e a imagem ocupam o lugar que antes era do diálogo pessoal através da TV e os outros meios de comunicação de massa, publicidades de automóveis, marcas etc. e produz o isolamento e a separação social entre os seres humanos. Por exemplo, a questão da droga será tratada na TV (algumas telenovelas brasileiras mais recentes abordaram tal assunto), e não no seio familiar. Ocorre aí uma devastadora inversão da noção de valores. O espetáculo se constitui a realidade e a realidade o espetáculo. Já não se tem um limite definido para as coisas.

Efeito-sanduíche

Com a presença incessante dos meios de comunicação de massa, o homem passa a ser e a viver uma vida sonhada e idealizada, na qual a ficção mistura-se à realidade, e vice-versa, incorporando-se à realidade vivida pelo indivíduo (interessante citar, e tudo leva a crer que, a partir das idéias de Debord, Eugênio Bucci apresenta as cinco leis não escritas – não explicitadas – da televisão brasileira no livro Brasil em tempos de TV, da Boitempo Editorial, 1997, entre elas o efeito-sanduíche realidade-ficção/ficção-realidade, pelo qual os telejornais (reino da realidade) se organizam como melodramas (reino da ficção) e as novelas (reino da ficção) vão se alimentar no reino da realidade. O reino da notícia bebe no da ficção, e vice-versa, produzindo um entendimento parcial, fragmentado, e nunca pleno do mundo dos acontecimentos.

Num desdobramento, este esquema perpassa toda a programação da televisão, principalmente no horário noturno. O esquema é o seguinte: um programa alicerçado no real (noticiário, documentário, grandes reportagens) e em seguida outro no reino da ficção (novelas, filmes etc.), e por aí vai se alternando. Debord, enfaticamente, observa que esta imagem manipulada da realidade pelos meios de comunicação de massa faz com que o reino das emoções (raiva, felicidade etc.), assim como a justiça, a paz e a solidariedade, sejam apresentadas como espetáculo. Os meios de comunicação de massa criam a partir daí uma realidade própria para que a sociedade se solidarize e crie novos critérios de julgamento e justiça conforme seus conceitos manipuladores.

Estas novas tecnologias no campo da informação agem na capacidade de percepção dos indivíduos e dificultam a representação do mundo pelas atuais categorias mentais. A sociedade transforma-se numa sociedade do espetáculo, na qual a contínua reprodução da cultura é feita pela proliferação de imagens e mensagens dos mais variados tipos. A conseqüência é uma vida contemporânea super-exposta e invadida pelas imagens, operacionalizando um novo tipo de experiência humana, caracterizada por um modo de percepção que torna cada vez mais difícil separar-se ficção de realidade.

A mídia, principalmente a televisiva, passa então a atuar de maneira decisiva na definição das agendas e dos temas que norteiam todo o processo cultural e social relevantes. Como observa Debord, ‘o conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. Sua diversidade e contrastes são as aparências dessa aparência organizada socialmente, que deve ser reconhecida em sua verdade geral. Considerado de acordo com seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida – isto é, social – como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo o descobre como a negação visível da vida; como negação da vida que se tornou visível’.

O ambiente é o da manipulação, onde o homem acaba sendo governado por algo que ele próprio criou. Relembrando McLuhan, ‘os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os homens’. A visão de mundo já é de outra ordem e natureza. Como afirma Debord:

Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o mundo que já não se pode tocar diretamente, serve-se da visão como sendo o sentido privilegiado da pessoa humana – o que em outras épocas fora o tato; o sentido mais abstrato, e mais sujeito à mistificação, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não pode ser identificado pelo simples olhar, mesmo que este esteja acoplado à escuta. Ele escapa à atividade do homem, à reconsideração e à correção de sua obra. É o contrário do diálogo. Sempre que haja representação independente, o espetáculo se reconstitui.

 

Concentrado e difuso

Debord caracteriza o espetáculo de dois tipos: o concentrado e o difuso. Ambos, centrados na noção de unificação feliz e, posteriormente, acompanhado de mal-estar, desolação e pavor. O tipo concentrado é essencialmente burocrático e ditatorial. Uma situação típica do tipo concentrado de espetáculo advém dos antigos regimes comunistas, em que o Estado impunha a identificação popular pelo espetáculo e com isso escondia-se a verdadeira realidade socioeconômica. Outro exemplo: a hegemonia dos atletas alemães orientais e soviéticos nas Olimpíadas das décadas de 1960 e 1970. Com suas conquistas garantiam internamente a imagem de uma suposta supremacia da ordem estabelecida sobre uma outra exterior – o triunfo maquiando os eventuais desgastes do regime em relação a outras realidades no campo de direitos humanos, alimentação e trabalho.
Atualmente, Cuba é um exemplo clássico deste tipo de espetáculo concentrado. Não devemos esquecer do Brasil pós-1964, com slogans e lemas político-propagandísticos como ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’ e ‘Este é um país que vai pra frente’, cantados, reproduzidos nas rádios e TVs, usados pelos militares para consubstanciar e silenciar as atrocidades cometidas e a inoperância, mascarada de milagre econômico, à custa de endividamento externo estrondoso. O espetáculo difuso está presente em regimes mais democráticos, onde a superprodução de mercadorias em marcas variáveis induz e garante uma aparente ‘poder de escolha’, entretanto fazendo crer que os indivíduos vivam num reino falso da ‘liberdade de escolha’.

Posteriormente, em 1988, Guy Debord retoma a discussão em Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Ampliando a temática, reconhece que o domínio do espetáculo é o grande vencedor e integrador de toda a sociedade: tudo o que se apresenta aos cidadãos e consumidores somente pode ser confirmado, cada vez mais, pelas imagens e o marketing, tendo o público de certa forma de confiar naquilo que foi ‘criado’ para ele. Ou seja, o critério da verdade e da validade da realidade é tudo aquilo que foi noticiado. Se a mídia em geral não noticiou e nada foi comentado em público sobre determinado acontecimento, as pessoas tornam-se céticas quanto à veracidade da informação. Por mais que tenham vivenciado determinado acontecimento, fica no ar a pergunta: ‘Será que isso realmente aconteceu?’ Em outras palavras, se o fato não foi noticiado, divulgado, não teve registro imagético, não deve ter acontecido. É a realidade transformada em imagem, o espetáculo, em realidade. É o reino do espetáculo suplantando a realidade. Reiterando, se o fato não apareceu na TV e jornais, não aconteceu.

Como confirma Debord, ‘no plano das técnicas, a imagem construída e escolhida por outra pessoa se tornou a principal ligação do indivíduo com o mundo que, antes, ele olhava por si mesmo, de cada lugar aonde pudesse ir. A partir de então, é evidente que a imagem será a sustentação de tudo, pois dentro de uma imagem é possível justapor sem contradição qualquer coisa. O fluxo de imagem carrega tudo: outra pessoa comanda a seu bel-prazer esse resumo simplificado do mundo sensível, escolhe aonde irá esse fluxo e também o ritmo do que deve aí se manifestar, como perpétua surpresa arbitrária que não deixa nenhum tempo para a reflexão, tudo isso independe do que o espectador possa entender ou pensar’.

Total desinformação

Uma conseqüência séria, segundo Debord, é a total desinformação da sociedade. Não a desinformação como negação da realidade, e sim um novo tipo de informação que contém uma certa parte de verdade, o qual será usado de forma manipulatória. ‘Em suma, a desinformação seria o mau uso da verdade’. E, o mundo da desinformação é o espaço onde já não existe mais o tempo necessário para qualquer verificação dos fatos.

Assim, analisa Debord, ‘ao contrário do que seu conceito espetacular invertido afirma, a prática da desinformação só pode servir o Estado aqui e agora, sob a sua direção direta, ou por iniciativa dos que defendem os mesmos valores. De fato, a desinformação reside em toda a informação existente; e como seu caráter principal. Ela só é nomeada quando é preciso manter pela intimidação, a passividade. Quando a desinformação é nomeada, ela não existe. Quando existe, não é nomeada’.

Esta nova sociedade do espetáculo e desinformação, de acordo com o autor, é o universo, onde tudo é possível. Um grande carnaval caracterizado pelo desaparecimento de critérios de verdade e validade, que antes eram referenciados em atitudes e funções específicas desempenhadas no mundo do trabalho. Neste contexto, por exemplo, um médico pode ser cantor e ator ao mesmo tempo, e aparecer na televisão defendendo o uso de determinado produto, marca ou remédio de ponta, de determinado laboratório, como sendo o mais eficaz contra determinada doença, fratura ou inflamação. Bem como pode aparecer também em programas de auditório e novelas, garantindo e corroborando o status científico, e a noção do bom e do belo, do asséptico e o efeito dourado de bem-estar do produto para a saúde dos consumidores e cidadãos. Este seria um outro novo aspecto que alimenta e afirma que o espetáculo não pode parar, e que todos podem um dia ter a possibilidade, nem que seja em 15 minutos de fama, de se tornarem artistas e aparecer na televisão.

Desta maneira, parte da modernidade e a época atual são a sociedade do espetáculo, do consumo e da fragmentação. E, de acordo com as idéias de Debord, apocalípticas, extremistas, impiedosas e lúcidas em seus julgamentos, esta sociedade é a negação da própria humanidade, que em sua plenitude procura um certo tipo de felicidade em meio ao esfacelamento da capacidade de liberdade de escolha, já totalmente preenchida em seu imaginário pela satisfação garantida, a partir de um real fabricado, que finca e irradia os seus espectros num mundo cada vez mais saturado pelas imagens.