Arquivo mensal: março 2017

Vídeos USP: A escravidão que unificou Brasil, Cuba e Estados Unidos

Pesquisa que analisa as relações comerciais que mantiveram o tráfico de escravizados entre Brasil e Estados Unidos, mesmo após a proibição legal no século XIX, ganha série de vídeos no Youtube da USP.

Nessa semana, a página Ciência USP (no Facebook) publicou o vídeo sobre a tese defendida pelo professor e historiador Tâmis Peixoto Parron em 2015, que analisou como Brasil, Estados Unidos e Cuba se vincularam comercialmente e politicamente para manter o trabalho escravo de africanos em seus países, no século XIX. A tese recebeu o prêmio de melhor tese das ciências humanas no ano de 2016 da USP.

Parron analisou uma aparente contradição do século XIX: como foi possível a escravidão nas Américas chegar ao auge ao mesmo tempo em que a ideia de liberdade se espalhava pelo mundo, fruto, dentre outros, dos preceitos oriundos da Revolução Francesa e suas repercussões sobre o Ocidente. O período analisado vai de 1787 a 1846, portanto, após as leis abolicionistas que proibiam o comércio de escravizados. Segundo o autor da tese, sua pesquisa analisou como políticos, fazendeiros e empresários dos Estados Unidos, da monarquia espanhola e do Império do Brasil transformaram a escravidão negra em uma poderosa instituição internacional do século XIX. Segundo ele, o triunfo dos escravistas sobre os não escravistas durante boa parte do século XIX nasceu da combinação imprevista de pactos políticos nacionais e conjunturas econômicas globais. Para o orientador da pesquisa, prof. Rafael Marquese, a escravidão foi uma instituição social total, que permeava o conjunto da vida no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos — principalmente nos estados do sul. As classes políticas escravistas eram muito poderosas nesses países. Após a proibição do comércio de escravos, em 1831, chegaram ao Brasil mais de 700 mil escravos africanos em 20 anos. Estima-se que 60% dos navios negreiros que chegaram ao Brasil saíram de estaleiros norte-americanos. Quase 100 mil escravizados que saíram dos Estados Unidos, mesmo após a proibição oficial, também chegaram a Cuba, em apenas cinco anos, entre 1815 e 1820  (assista ao vídeo).

Para realizar a pesquisa, Parron utilizou como material o documento histórico, de várias fontes, conforme explica. A documentação envolve documentos oficiais e oficiosos, publicações de jornais e revistas dos três países, além de outras fontes internacionais. O resultado da pesquisa mostra como a integração de Estados Unidos, Cuba e Brasil formou uma espécie de subsistema escravista dentro de um sistema liberal do nascente capitalismo. Antes de se oporem, ambos os sistemas se alimentavam, o que reforça a constatação já presente em outras pesquisas de que, de fato, a escravidão serviu à expansão e consolidação do sistema capitalista. Para o autor, não existe liberdade política de se expressar e liberdade econômica de obter mercadorias sem alguma forma de coerção em algum espaço do mundo que esteja direta ou indiretamente ligado ao lugar onde se exerce a liberdade. Como exemplo, ele cita que para um camponês alemão ou um operário inglês poder comer mais, em alguma outra parte do mundo alguém tinha que trabalhar mais para produzir o que seria consumido.

Na Biblioteca Digital da USP é possível consultar os dados sobre a pesquisa, incluindo o arquivo da tese. Todavia, a USP disponibilizou em seu canal no Youtube Ciência USP uma série de quatro vídeos que abordam as temáticas tratadas na pesquisa.

No primeiro, há um resumo da tese “A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846”, que mostra que esses países usaram laços comerciais para sustentar a política escravocrata, apesar de o século XIX ser marcado pela aspiração à liberdade.

No segundo vídeo, é tratado sobre a chamada “crise do Missouri”: a divergência entre escravocratas e abolicionistas levou os Estados Unidos à Guerra da Secessão. A crise do Missouri, sobre se a região seria ou não escravocrata, foi um dos antecedentes da guerra.

No terceiro vídeo, para além da crise do Missouri, é mostrado como outros episódios políticos nos EUA tiveram implicações para outros espaços de atuação de seus protagonistas. Entre eles, a chamada crise de nulificação, na qual o estado da Carolina do Sul argumentou que teria direito de anular decisões federais.

O último vídeo da série comenta sobre a forma de fazer pesquisa na tradição historiográfica chamada de “História total”, uma análise que busca cruzar as fronteiras do político, do econômico e do social para fazer uma análise totalizante, conjugando esses campos.

O trabalho e os vídeos são importantes no atual contexto brasileiro. De um lado, porque serve para resgatar a importância da História enquanto conteúdo e enquanto ferramenta de pesquisa que permite não apenas compreender o passado, mas também combater os discursos ideológicos que constantemente relativizam ou naturalizam questões histórico-sociais complexas, negando o próprio passado das nossas formações culturais. Entre essas questões, o reconhecimento da escravidão como componente e indutor paradoxal do sistema capitalista; o reconhecimento das repercussões culturais e sócio-econômicas para compreender as relações étnico-raciais do Brasil atual e, ainda, a importância de fornecer respostas aos ataques políticos e ideológicos das proposições que têm tentado extirpar o acesso ao conhecimento históricos dos currículos escolares do país.

 

 

Livro para download: Obras escolhidas de Walter Benjamin

Baixe grátis o livro Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política, de Walter Benjamin.

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Walter Benjamin (1892-1940) foi um dos maiores intelectuais do século XX. Representante da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt, foi um brilhante crítico literário e ensaísta, além e tradutor e filósofo. Em meio a efervescência cultural do seu tempo, foi diretamente influenciado por e exerceu influência sobre outros grandes nomes do início do século XX.

Seu legado, que só se tornou grandemente reconhecido após sua morte, trata principalmente sobre as representações artísticas, culturais e estéticas de seu tempo. Seu tempo, inclusive, marcado por grandes transformações técnicas na sociedade, dos meios de transporte aos meios de comunicação de massa — temática que ocupou o seu pensamento, bem como o pensamento de outros intelectuais da época, sobre as repercussões das transformações técnicas no seio da vida social. Sob influência do idealismo alemão e do materialismo dialético, Benjamin trafegou por essas diferentes vertentes, aproximando-as. Quando o regime nazista ganhou força, Walter Benjamin (assim como outros intelectuais da Escola de Frankfurt), judeu, teve que fugir da Alemanha. Morreu em 1940 enquanto tentava fugir do regime.

Nessa coletânea da Editora Brasiliense, os organizadores pinçam da vasta obra de Benjamin textos que contribuem ainda hoje para pensar sobre certos aspectos da cultura, dos brinquedos, da questão da reprodutividade das obras artísticas contidas no célebre texto “A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica”, entre outros.

Acesse o livro na íntegra.

Livro para download: As Tecnologias da Inteligência

Baixe grátis o livro As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática, de Pierre Lévy.

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Pierre Lévy é um filósofo judeu que se tornou especialista na teoria da inteligência coletiva e precursor da Cibercultura, sendo um dos primeiros a discutir temas como a Wikipédia. No seu Primeiro livro, “As Tecnologias da Inteligência” lançado em 1992, Lévy disserta sobre diversos conceitos, desde o surgimento de um novo formato textual, o Hipertexto, discutindo sua definição e os modos como é empregado, além do impacto social que o computador e suas tecnologias inteligentes causaram na sociedade, até assuntos mais complexos como a Ecologia Cognitiva e o Coletivo Inteligente.

Na primeira parte do livro As Tecnologias da Inteligência, Pierre Lévy explica que na comunicação a informação se precisa através do contexto e do sentido. Eles se interagem, tendo como preceito que o contexto é construído a partir do sentido e o sentido emerge a partir do contexto. Através deles que temos “(…) lances decisivos,… no jogo de interpretação e da construção de realidade”. (LÉVY, 1992). O método de comunicação que busca analisar, então, é o hipertextual. Começa relatando que a mente humana não segue um sentido linear de cognição, quando uma informação lhe é atribuída. Explica no trecho: “Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, (…). Mas apenas os nós selecionados pelo contexto serão ativados com força suficiente em nossa consciência.” (PIERRE LÉVY, 1992, p. 23).

O leme que dá rota a esse fluxo cognitivo, então, é o contexto que “designa portanto a configuração de ativação de uma grande rede semântica” (LÉVY,1992). A essa grande rede semântica, o autor chamou de hipertexto. Para classificá-lo melhor, designa seis princípios básicos e abstratos:
– Principio de heterogeneidade: O modelo hipertextual está em constante mudança de construção e resignificação.
– Principio de heterogeneidade: Os nós e conexões da rede hipertextual serão heterogêneos, ou seja, poderão assumir diversas formas, como imagens, sons, palavras, modelos, etc.
– Principio de multiplicidade e de encaixe das escalas: Uma construção textual será ligada a uma rede de outros textos de modo fractal, ou seja, em progressão geométrica.
– Principio de exterioridade: Os caminhos escolhidos em um hipertexto são de origem externa ao texto, ou seja, vem de seu usuário.
– Principio de tipologia: Os meios compostos por hipertextos interligados são similares e vizinhos, ou seja, tem de ser compatíveis. Por exemplo, um texto de um livro não é comumente ligado a um texto de internet.
– Principio da modalidade dos centros: A rede hipertextual não possui centros, cada texto, cada som, cada imagem que estão interligados possui um centro de significância próprio.

[…]

A segunda parte do livro se propõe a fazer uma descrição geral das técnicas contemporâneas de comunicação e processamento de informação por computador. Contudo primeiro faz um estudo sobre algumas características cognitivas coletivas inerentes a sociedade humana.

Lévy diz que existiam, antes da era da informática, dois tipos de sociedade, uma mais arcaica que se estruturava a partir da Oralidade primaria, e outra mais moderna baseada na oralidade secundária. Oralidade primária seria a que remete ao papel da palavra falada antes do advento da escrita, “(…) a palavra tem como função básica a gestão da memória social, e não apenas a livre expressão das pessoas ou a comunicação prática cotidiana” (LÉVY,1992). Nessa sociedade a inteligência ou sabedoria estaria particularmente relacionada com a memória sobre o conhecimento que era passado de forma oral através de uma relação mais íntima entre indivíduos na construção de uma tradição. A forma de armazenamento dessas informações ou conhecimentos, como já dito, é a memória, por isso é preciso entender um pouco de seu funcionamento, para isso Lévy opta por uma analise a partir dos preceitos da psicologia cognitiva.

Obviamente nossa memória funciona de forma muito diferente a de um equipamento de armazenamento digital, que por vezes traz a recuperação fiel das informações guardadas. Nossa mente guarda informações através de dois veículos:
A memória de curto prazo que está relacionada com a atenção do ouvinte, que tentará reter uma informação durante um curto espaço de tempo para sua rápida utilização. Um recurso usado para o desenvolvimento dela é a constante repetição de uma ação.
A memória de longo prazo, essa mais complexa que a primeira, que funciona com o armazenamento de informações em uma única e imensa rede associativa que deverá contê-la durante um grande período de tempo.

O autor fala que, as sociedades orais, desenvolveram um método de conseguir garantir a eficiência da memória de longo prazo. Teoricamente falando Lévy chama esse método, ou estratégia, de Elaboração. Ela permitiria que a informação fosse condensada e associada a uma rede com grande numero de conexões, partindo para uma forma de compreensão através da representação.

[…]

 

Nova oralidade da rede digital

Como vimos, com o computador pessoal, a informática teve o suporte para se tornar uma cultura de massa. Essa cultura presa pela digitalização, ou seja, transformação de informação em dados a partir da codificação em sinais binários que serão armazenados, reconhecidos pelo equipamento e mostrados na tela de forma inteligível. O autor diz que “(…) a digitalização conecta no centro de um mesmo tecido eletrônico o cinema, o radio, a televisão, o jornalismo, a edição, a musica, as telecomunicações e a informática.” (LÉVY, 1992).

É importante percebemos também que através da digitalização e da rede, a oralidade escrita perde muitas de suas deficiências a pouco apresentadas, a codificação digital liberta o material de seus problemas de composição, de organização, apresentação e acesso. Essa nova oralidade se caracteriza muito mais pelo hipertextual, pela conexão de mídias e de pessoas de uma forma diferente, porém análoga, a da oralidade primaria, mas agora através da utilização da máquina como veículo de comunicação. Outra característica importante dessa oralidade digital é a capacidade que tem de uma informação escrita, imagética ou sonora ser passível de decomposição, recomposição, comentário, ordenação entre outras interferências de modulação.

[…]

Por fim, a outra característica presente na oralidade digital é a capacidade de simulação. Segundo o autor “Um modelo digital não é lido ou interpretado como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa” (LÉVY, 1992). O conhecimento por simulação não se assemelha ao teórico nem ao pratico, ele cria um ambiente que simula a atividade intelectual antes da exposição racional, ou seja, o reflexo mental, a imaginação etc.

Acesse o livro na íntegra.


Esse post foi organizado a partir de excertos do texto de Gabriel Ribeiro publicado na Revista Universitária do Audiovisual, da UFSCar, em setembro de 2010.