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O que há de infantil nos filmes infantis? Morte violentas como temas

Desenhos infantis parecem ser uma boa e segura opção para crianças assistirem num fim de noite, por exemplo, certo? No entanto, um estudo realizado por pesquisadores britânicos e canadenses e publicado na revista científica British Medical Journal no final de 2014 comparou a violência mostrada entre desenhos infantis e filmes de terror para adultos e chegou a uma conclusão surpreendente: as crianças estão expostas a mais morte e violência do que os adultos. O que nos leva a pensar na seguinte questão: o que há de infantil nos filmes infantis?

infantil

Essa é uma questão central para correntes dos estudos culturais que analisam o consumo cultural infantil em filmes, desenhos e animações destinadas às crianças. Questões estéticas, relações de gênero e étnico-raciais, mensagens subliminares ao consumismo e violência são alguns dos eixos centrais dentro dessa abordagem.

Henry Giroux, um dos mais importantes pesquisadores da área, tem inúmeras publicações sobre o tema, principalmente exercendo uma crítica à indústria cultural do universo Disney. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão “Rato que ruge – Disney e o fim da inocência” e “A disneyzação da cultura infantil”, esse último, um dos capítulos do livro “Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais”, organizados por Tomaz Tadeu da Silva e Antônio Flávio Moreira. No Brasil, Ruth Sabat com o texto “Mocinhas estranhas e monstros normais nos filmes da Disney” (publicado no livro A cultura da mídia na escola: ensaios sobre cinema e educação, organizado por Maria da Graça Jacintho Setton) segue a mesma linha de contestação.

Blogs sobre cultura pop fizeram suas próprias listas sobre momentos sombrios ou sinistros de animações e desenhos voltadas para o público infantil. Alguns deles com cenas dos filmes mencionados (algumas foram removidas do Youtube, mas é possível localizar vídeos relacionados para quem tiver interesse):

Os 13 momentos mais sinistros de filmes da Disney e da Pixar, segundo o site IGN — a maior rede de youtubers de games do país (2015).

Os 1o momentos mais assustadores da Disney, publicado pela Disney Brasil (2014), mas citando cenas muito mais, digamos, sutis.

As 12 cenas mais sombrias de animações da Disney, (2012) publicado no Blog Monte Olimpo (sobre cinema e séries) e contendo vídeos das respectivas cenas.

10 momentos “sinistros” de filmes da Disney, (2011), publicado no blog de curiosidades Hype Science.

Algumas cenas são tão clássicas que se repetem em mais de uma lista. E também servem de mote para a compilação publicada em um vídeo no Youtube por um canal que se dedica a cinema e animações sobre os “momentos tristes e sinistros” de desenhos da Disney.

 

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Dando ares mais acadêmicos à temática, o estudo mencionado no início do post (publicado na British Medical Journal), de autoria de Ian Colman e James Kirkbride, analisa a violência e as circunstâncias que envolvem mortes violentas em 45 produções de maior bilheteria destinadas ao público infantil, desde “A Branca de Neve e os Sete Anões” (1937) até “Frozen – Uma aventura congelante” (2013).

Os pesquisadores compararam, também, as mortes dos personagens principais dos filmes infantis com outros filmes adultos, também de grande bilheteria, nos mesmos anos, como “O Exorcismo de Emily Rose”, “Revelação”, “Pulp Fiction – Tempos de Violência”, “Os Infiltrados”, e “Cisne Negro”. Nos desenhos infantis, os personagens principais têm 2,5 vezes mais chances de morrer do que um personagem principal em um filme adulto. Já as chances de os pais dos personagens principais morrerem, segundo o estudo, foi cinco vezes maior em filmes infantis, comparados aos filmes adultos analisados.

As mortes em desenhos animados têm uma linha comum de violência: nos primeiros quatro minutos de “Procurando Nemo”, a mãe de Nemo foi devorada por uma barracuda, e cerca de quatro minutos de “Tarzan”, seus pais foram mortos por um leopardo. A lista de mortes comoventes é ampla, e envolve tanto mortes por arma branca (em “A Pequena Sereia” e “Bela Adormecida”) quanto por tiros (“Bambi”, “Pocahontas” e “Peter Pan”, por exemplo), além de cinco mortes por ataques de animais (“Vida de Inseto”, “Os Croods”, “Como Treinar Seu Dragão”, “Procurando Nemo”, “Tarzan”), sugerindo mortes macabras são comuns em filmes para crianças.

Os pesquisadores também relataram que não encontraram nenhuma diferença nos níveis de violência entre 1937 (“Branca de Neve”) e 2013 (“Frozen”) nos filmes infantis da Disney, que em comparação são filmes de adultos que mostram uma menina assombrada. O estudo também destaca as mortes violentas nos desenhos infantis e cita o exemplo da “Branca de Neve”, em que a Madrasta (a rainha má) é atingida por um raio, cai de um penhasco e é esmagada por uma pedra, depois de ser perseguida por sete anões furiosos em busca de vingança.

Os autores do estudo identificaram, em sua amostra, que as causas mais comuns de morte nos filmes infantis incluem ataque e defenestração causadas por animais, o que poderia levar as crianças a desenvolver potencial temor a animais, alturas, ou ambos. Já as mortes por assassinato, em taxa maior do que as de filmes direcionados para faixa etária adulta, segundo os pesquisadores podem ser particularmente traumática para os jovens espectadores por causa de sua intenção inerentemente violenta.

Além de identificar que os pais (ou personagens que ocupem essa função) dos personagens centrais estão mais propensos a morrerem no início da trama, os pesquisadores também identificaram que os antagonismos entre os bons e os maus nos filmes infantis perpassam uma complexa implicação moral em função das mortes: a justificativa moral duvidosa de que “bandidos merecem morrer”.

Os pesquisadores avaliam que os filmes de animação para crianças, ao invés de serem alternativas inócuas para a carnificina típica de filmes americanos, são de fato focos de assassinato e caos. E alertam os pais que as classificações indicativas vinculadas aos desenhos animados não significa que seus filhos terão uma experiência de visualização livre de violência.

Por fim, acerca da morte violenta nos filmes infantis, os autores destacam o que já se sabe sobre a temática: que as crianças pequenas não têm uma compreensão completa do conceito de morte; que a morte é um tema comum em filmes norte-americanos e que as crianças assistem muitos filmes. A este estado da arte, o estudo de Colman e Kirkbride acresenta que personagens importantes em filmes de animação para crianças morrem mais rapidamente do que personagens importantes em filmes destinadas a adultos; que as crianças que assistem filmes de animação são frequentemente expostas a cenas de assassinato e não são poupadas de assistirem causas horríveis (o potencialmente traumática) de morte, como tiros, facadas, e ataques de animais.

Você pode conferir, em inglês, a versão do artigo publicado por Ian Colman e James Kirkbride:

CARTOONS KILL: casualties in animated recreational theater in an objective observational new study of kids’ introduction to loss of life.

Uma versão resumida desse texto foi publicada anteriormente na página do Facebook do Mídias, Educação e Tecnologias, em 18 dez. 2014.