Arquivo da categoria: Direitos humanos

Imagem e memória: o racismo contado em 20 fotografias

Para celebrar o Dia da Consciência Negra, o site Imagens & História publicou uma série de imagens históricas que ajudam a contar a história do racismo. Selecionamos 20 imagens com suas histórias, listadas a seguir*.

A memória coletiva não pode ser apagada, nem seus fatos esquecidos, ao menos tão facilmente ou sem apagar, junto, uma parte da própria sociedade. Mas, olhando pelo retrovisor da História, mesmo em civilizações que foram aniquiladas por seus conquistadores, os resquícios e traços da cultura atravessaram os séculos, e ainda hoje servem como vestígios de acontecimentos que colocam em xeque a história oficial contada, na maioria das vezes, pelo ponto de vista dos vencedores.

A memória é tão importante quanto a história e a sua função social mais elementar: conhecer e desmistificar o passado para compreender o presente e não repetir os mesmos erros para o futuro. Na Alemanha, por exemplo, diversos monumentos espalhados pelas cidades lembram os dramas do holocausto judeu, para que as futuras gerações alemãs possam lembrar dos perigos do nazismo mais especificamente, mas também a irracionalidade da segregação racial e do ódio e da violência gerada por ela e, nesse caso em particular, os erros históricos originados na crença de uma suposta superioridade da raça ariana em relação às demais. A mesma lógica vale para as relações étnico-raciais entre brancos e negros em sociedades ocidentais, como Brasil e Estados Unidos — países democráticos e supostamente não-racistas, mas cujas práticas sociais apontam para o sentido oposto. Algumas imagens, ainda que incômodas, servem para lembrar que estamos a um passo do passado, e que é muito fácil — e perigoso — titubear ao dar o próximo em direção ao futuro e, em vez disso, dar um passo atrás.

A memória imagética é importante para recontar a história do racismo e contribuir para a reflexão sobre o tema em um momento histórico em que a internet e as redes sociais concederam uma certa liberdade para que práticas racistas recobrassem fôlego. As imagens listadas a seguir* e suas respectivas histórias foram publicadas em diferentes períodos na página Imagens & História, no Facebook, e republicada hoje por ocasião do Dia da Consciência Negra.

1. Menina negra é acompanhada à escola por policiais federais nos EUA

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Em 14 de novembro de 1960, Ruby Bridges, uma menina de seis anos de idade, foi levada à escola em Nova Orleans, EUA, por uma escolta de policiais federais.
A menininha foi pesadamente insultada e ameaçada de morte por uma multidão enfurecida. Assistiu às aulas sozinha: as demais crianças foram mantidas em casa pelos pais.
Ruby Bridges era negra – esse era seu crime.
Ruby foi a primeira criança negra a ir para a escola, com o fim da política de segregação racial nos EUA, em Nova Orleans, em 1960.
Seu primeiro dia de aula foi marcado por xingamentos, medo, racismo. A escola, pasmem, estava vazia, pois os pais não deixaram seus filhos frequentarem o ano escolar com a presença de Ruby. Também não havia professores, apenas um educador quis dar aula para Ruby. Seus pais foram severamente ameaçados. E, durante meses, ela teve que ir e voltar da escola acompanhada por 4 policiais.
E mesmo quando objetos e xingamentos eram jogados contra seu corpo, com 6 anos de idade, Ruby não desistiu, não chorou, sequer fraquejou. Era uma pequena soldada – palavras de Charles Burks, um dos quatro policiais que a escoltavam.
No ano seguinte, Ruby não estava mais sozinha na escola. Inspirados por sua coragem e pela de sua família outras crianças negras foram matriculadas.

2. Homem branco joga ácido em piscina com negros

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EUA, 1964. James Brock (o gerente de hotel Monson Motor Lodge) derrama ácido na piscina enquanto pessoas negras nadam.
Ele jogou ácido muriático (clorídrico), utilizado para retirar manchas, na piscina reservada unicamente para brancos após um grupo de manifestantes negros pularem nela.
Também na piscina estava o policial Henry Billitz para retirar as pessoas da água. Após o incidente, o nome de James e a foto rodaram o mundo, chocando muitas pessoas.

3. Imagem emblemática dos Jogos Olímpicos: o punho cerrado dos vencedores

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Em 1968 Martin Luther King foi assassinado. Malcom X também. Muhammad Ali perdeu o título de campeão mundial dos pesos pesados por se recusar a lutar no Vietnã.
Os velocistas americanos Tommie Smith e John Carlos, após ficarem em primeiro e terceiro lugar na prova de atletismo de 200m rasos nos Jogos Olímpicos do México, fizeram a saudação ‘Black Power’ no pódio. Com o hino dos Estados Unidos a soar, Smith e Carlos levantaram o braço em que tinham uma luva preta, fecharam os olhos e inclinaram a cabeça para baixo. Sem tênis e apenas de meias pretas, os atletas pretenderam simbolizar a “pobreza negra na racista sociedade norte-americana”.
O comitê olímpico internacional reclamou, a delegação americana os expulsou do time e o México retirou o visto dos dois, que voltaram pra casa mas nunca se arrependeram do que disseram ao mundo.
A história dessa imagem poderia terminar aqui. Mas ela é muito mais rica. Nos jogos Olímpicos desse ano, repercutiu na internet a história do outro atleta do pódio, Peter Norman, e sua decisiva participação em uma das imagens mais poderosas do século XX. O texto, do jornalista italiano Riccardo Gazzaniga, você pode conferir aqui.

 

4. O punho cerrado, símbolo do ativismo negro, desafiando o ódio neonazista

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Maria-Teresa Tess Asplund, ativista negra, desafiando sozinha com o punho em riste um grupo de 300 neonazistas, durante uma manifestação em uma cidade no interior da Suécia, em 2016.

5. O primeiro dia de aula de uma negra em uma escola pública (de brancos)

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Dorothy Counts foi a primeira estudante negra admitida numa escola pública americana (de brancos). A fotografia retrata seu primeiro dia de aula na Universidade de Harry Harding, na Carolina do Norte (EUA), em 1957.
O vestido de Dorothy foi feito por sua avó especialmente para seu primeiro dia de aula. Cuspiram nele.
Centenas de alunos seguiram e acompanharam sua chegada à escola. De vez em quando alguns jogavam coisas em sua direção enquanto outros faziam gestos obscenos. Os estudantes gritam para ela voltar para casa. Dorothy foi em frente sem reagir.
Este absurdo momento de violência prosseguiu nos dias seguintes. Foram 4 dias de perseguições e insultos. Jogavam lixo durante a sua refeição e seu armário era saqueado. Depois surgiram ameaças telefônicas agravando ainda mais a situação. Por fim, os seus pais consideraram que a sua vida poderia estar em risco e optaram por tirá-la da escola.
Pode parecer pouco mas os quatro dias em que Dorothy tentou frequentar a Harry Harding High School foi de grande importância para o Movimento dos Direitos Civis e fim da segregação racial nos Estados Unidos.
O preconceito torna o cérebro ignorante e as pessoas cegas.

 

6. O pioneiro da cirurgia cardíaca, quase escondido da história

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Vivien Thomas, pioneiro da cirurgia cardíaca, em 1940.
Vivien foi um técnico cirúrgico americano que auxiliou no desenvolvimento de procedimentos importantes. Com um limitado grau de educação formal e sem nunca ter cursado uma faculdade, Thomas lutou contra a pobreza e o racismo para se tornar um pioneiro na área da cirurgia cardíaca e um professor para estudantes que se tornariam os melhores cirurgiões dos Estados Unidos. Em meio a uma época extremamente racista nos EUA, Vivien Thomas recebeu o título de Doutorado Honorário.
No cinema, essa história foi contada pelo filme Quase Deuses, que retrata não apenas a engenhosidade de uma cirurgia considerada impossível nos anos 1940, mas também as pressões sociais pelo fato de Thomas ser negro.

7. Zoológico humano

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Foto de um zoológico humano, tirada em 1958 na Bélgica.
Há menos de 60 anos, existiam zoológicos como este, onde negros, geralmente africanos, eram expostos para as pessoas brancas européias.

8. Médicos negros socorrendo membro da KKK

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Durante um ataque da Ku Klux Klan a uma família negra na Geórgia, a família teve a sua casa incendiada. Neste ataque um engenheiro membro da K K K, foi agredido a golpes de foice por um morador de 14 anos, obviamente negro. O mesmo rapaz teve sua casa incendiada e sua avó de 89 anos assassinada a chutes.
O ataque ocorreu com uma foice, segundo o jovem, em defesa de sua família e ao ver sua avó no chão sendo brutalmente espancada, resolveu intervir.
O engenheiro ferido, de 38 anos foi levado as pressas para um hospital, onde estavam apenas um médico negro e enfermeiras também negras,que o socorreram imediatamente e conseguiram estancar a hemorragia e salvar o indivíduo, independente de quem ele era.

9. Choque de realidades – 1

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Criança vestida de membro da Ku Klux Klan, tocando o escudo de um policial negro, em passeata da KKK, em 1992.
Ku Klux Klan (também conhecida como KKK) são várias organizações racistas dos Estados Unidos que apoiam a supremacia branca. A KKK, em seu período mais forte, foi localizada principalmente na região sul dos EUA, em estados como Texas e Mississipi.

10. Desafiando a suposta superioridade racial branca

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Jesse Owens, o negro que derrotou Hitler em 1936, nas Olimpíadas do nazismo.
Ele participou nos Jogos Olímpicos de Verão em Berlim, Alemanha, onde se tornou conhecido mundialmente por ganhar quatro medalhas de ouro nos 100 e 200 m rasos, no salto em distância e no revezamento 4×100 m.
Porém, a maior conquista de Owens foi não se contrapor ao regime hitlerista, mas sim abalar a noção racista da nação americana no século XX, como ele mesmo deixou bem claro em sua biografia. Ele declarou que o que mais o magoou foi o presidente norte-americano Roosevelt não ter lhe mandado sequer um telegrama felicitando-o por suas conquistas na olimpíada.
Owens teria dito mais tarde: “Não foi Hitler que me ignorou, quem o fez foi Franklin Delano Roosevelt. O presidente nem sequer me mandou um telegrama.”

11. Choque de realidades – 2

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Foto icônica do Movimento dos Direitos Civis, em 1965.
Um menino negro tem a bandeira arrancada de suas mãos por um policial branco.
Na bandeira estava escrito um pedido pelo fim da brutalidade policial.

12. Quem quer perder privilégios? O uso de crianças na transmissão do racismo

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Menina segurando cartaz dizendo “Nós queremos que mantenham a nossa escola branca” em protesto contra a matrícula de Ruby Bridges, a primeira criança negra a estudar em uma escola de Nova Orleans, em 1960.

13. Consciência e resistência – 1 

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Escolas de treinamento para afro-americanos não caírem nas provocações racistas nos EUA, na década de 1960.
Como a política do movimento liderado por Martin Luther King era a de não-violência, foram criadas tais escolas para afro-americanos com o intuito de saberem resistir impassíveis às provocações daqueles que se opunham à integração dos negros na sociedade americana.

14. Consciência e resistência – 2 

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Uma mulher negra com o braço estendido e o punho cerrado é levada pela polícia durante um protesto pelos Direitos Civis dos negros, em 1965.

15. Tratados como animais

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Escrava brasileira serve de “cavalinho” para criança branca.
Esta fotografia, datada do final do século XIX, possui uma carga simbólica imensa, nos levando a refletir sobre o racismo cotidiano brasileiro e suas consequências nos séculos posteriores.

16. Racismo e visibilidade social

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Em uma das regiões mais ‘negras’ do país, Salvador, o lugar social de negros e brancos parece historica e socialmente muito bem demarcada, mesmo com as políticas de cotas, e em pleno século XXI.

17. Assédio racial 

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Assédio racial após manifestação pacífica de um jovem negro por direitos civis, em Virgínia, nos EUA, em 1960.

18. Troca de reinados

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Pelé e Djalma Santos recebem o cumprimento do Rei da Suécia, após a final da Copa do Mundo de futebol, de 1958.
Pouco antes da cópia, um estudo de psiquiatras alemães havia sugerido a inferioridade psíquica de atletas negros, o que ajudava a explicar a tendência à derrota de brasileiros em momentos decisivos. Segundo o estudo, embora atletas talentosos, jogadores negros eram menos racionais e mais nervosos e com isso tinham mais dificuldades em agir em situações importantes, não raro tentando compensar sua inferioridade mental (ainda não totalmente desenvolvida) com violência física.
A seleção brasileira de 1958 teve, entre seus principais jogadores, atletas negros; entre eles os gênios Garrincha e Pelé. Contrariando os estudos psicológicos, na final contra a Suécia, o time conseguiu reverter o placar desfavorável (saiu perdendo de 1 a 0) e venceu o jogo por 5 a 2, conquistando seu primeiro título mundial. Pelé, negro, então com 17 anos, viria a ser reconhecido como o “rei do futebol”.

19. Racista protegido pelo alvo de sua agressão

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Um policial negro protegendo um membro da organização racista Ku Klux Klan durante uma manifestação, no Texas, em 1983.

20. Segregação racial

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Foto rara de Elvis Presley esperando por seu bacon com ovos em um restaurante, enquanto uma mulher negra esperava de pé pelo seu sanduíche (Negros de qualquer sexo não podiam sentar nos mesmos lugares que os brancos).

Notas:
  1. A foto 18 não foi publicada na página Imagens & História, como as demais. A história foi reproduzida numa seção especial do jornal O Estado de São Paulo, em 1994.
  2. Os textos em vermelho foram organizados por esse blog.
  3. A segregação racial nos EUA é retratada no cinema em vários filmes de grande sucesso. Além do já citado “Quase Deuses”, “Tempo de matar” e “Mississipi em Chamas” contam histórias semelhantes de atuação de grupos racistas para intimidar negros, em ambos os casos causando violência e assassinatos. Outros filmes também retratam as relações étnico-raciais em diferentes épocas: “Amstad” conta a história do julgamento de um grupo de negros africanos escravizados ilegalmente e que fez um motim em um navio negreiro. “Invictus” conta a história da reunificação racial da África do Sul a partir dos primeiros dias de mandato do ex-guerrilheiro e líder político Nelson Mandela, bem como as tensões que se originaram nesse momento de transição social e política do país com o fim do regime de segregação racial do país – o apartheid.

A internet é uma ferramenta empoderadora, aceitem

RosieTech

Por NANA SOARES
Blog Estadão, 23 junho 2016 | 13:34

Na quarta-feira, 22, o Facebook e o Instagram lançaram o programa #ElaFazHistória, que pretende celebrar e incentivar o empreendedorismo feminino (mais informações no fim do post). Estive no lançamento em São Paulo e não pude deixar de refletir sobre o espaço que nós, mulheres, ocupamos na internet e como nos apropriamos dela.

Em um mundo machista e profundamente desigual para homens e mulheres, a rede reproduz várias dessas desigualdades e ainda cria contextos próprios de discriminação e violência. As consequências, no entanto, não se limitam ao virtual e afetam (e muito) nosso cotidiano.

Diversas pesquisas mostram que as matérias feitas por mulheres recebem mais comentários violentos. São inúmeros os casos de jornalistas e/ou ativistas que, ao se manifestarem contra a violência de gênero recebem ameaça como resposta – como Juliana de Faria e Nana Queiroz, que levantaram bandeira pelo fim do assédio em espaços públicos e da cultura do estupro e foram ameaçadas de morte e de violência sexual. Quase todas as feministas que atuam na internet recebem ataques e ameaças cotidianas. Mesmo neste blog não faltam leitores que se sentem muito confortáveis em ofender e atacar pessoalmente quando não concordam com uma opinião.

Não para por aí: as mulheres são perseguidas e assediadas em diversas comunidades; são e têm suas fotos e vídeos íntimos divulgados sem autorização com o intuito de humilhá-las;
as gamers e há levantamentos indicando que Em suma, a internet pode ser um ambiente hostil para as mulheres. Mas felizmente a história não se resume a isso, e a rede também é
utilizada por nós como instrumento de empoderamento e de libertação. Há quem diga até que vivemos uma quarta onda do feminismo, caracterizada pelo ativismo e empoderamento no meio virtual.

São crescentes os grupos de apoio no Facebook com o intuito de trocar experiências e de promover práticas libertadoras como a contracepção não-hormonal e a aceitação de cabelos crespos. Há também um aumento consistente de mulheres que querem aprender a produzir tecnologia, um campo promissor e ainda majoritariamente masculino. No campo dos negócios, há iniciativas para formar redes de mulheres que se desenvolvem juntas, das quais destaco a Rede Mulher Empreendedora e a Maternativa.

A internet já é parte da vida de uma parcela considerável da nossa população (são 105 milhões de brasileiros no Facebook, 35 milhões no Instagram, e o Brasil é um dos principais mercados do Twitter), nada mais natural do que utilizá-la a nosso favor. Seja para promover a autoestima, valorizar o nosso negócio ou nos conectar com outras mulheres que passam por dilemas parecidos. A quantidade de insultos e ameaças que recebemos são um reflexo de como nossa simples existência incomoda uma sociedade machista. Online ou offline, ser mulher é resistir.

#ElaFazHistória

A campanha lançada pelo Facebook e pelo Instagram tem como objetivo celebrar ideias, contar histórias de negócios erguidos por mulheres e capacitar para inspirar outras mulheres a realizarem seus próprios projetos. A hashtag vai reunir depoimentos de mulheres contando suas histórias e homenagens a mulheres inspiradoras, todas reunidas no portal do programa.

O #ElaFazHistória inclui oficinas e debates nas cinco regiões do país para capacitar as empreendedoras. A primeira oficina acontece em Recife, no dia 1° de julho; agosto é a vez de Porto Alegre e Belém; Brasília em setembro e São Paulo em outubro.

A campanha também promoverá um prêmio para reconhecer histórias de empreendimento feminino. As inscrições nas três categorias se iniciarão no dia 1° de julho.

Disponível em: <http://goo.gl/jM4GjH>. Acesso em 23 jun. 2016.

 

Nota sobre a Maju, Kamel e humanizar a rede

Em 13 de maio fizemos um post para trazer à tona o questionamento da ideia romantizada que foi instaurada com a Lei Áurea e da falsa ideia que o Brasil, miscigenado, tem a questão do racismo bem resolvida. No texto, ressaltávamos a importância de desmistificar essas questões e de dar visibilidade aos casos de racismo que acontecem diuturnamente na internet. Um dos casos de racismo que citamos naquele post envolvia justamente a jornalista Maria Julia Coutinho, apresentadora da previsão do tempo no Jornal Nacional.

Hoje causou rebuliço na internet novos ataques racistas sofridos pela jornalista. Dessa vez a própria Globo decidiu se manifestar em defesa de Maria Julia de forma mais incisiva, diferentemente de outras vezes. O tema ganhou repercussão imediata nas redes sociais. O fato que chama atenção é que, segundo o atual Diretor Geral de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, não existe racismo no Brasil: essa é a tese central de seu livro intitulado “Não somos racistas” e lançado em 2006 como uma espécie de argumento contra às cotas nas universidades.

O argumento do livro era de que não somos racistas no Brasil, muito embora o autor não tenha partido de pesquisas e análises aprofundadas sobre o tema e muito embora o racismo aconteça cotidianamente, de forma mais ou menos velada: o preconceito racial não apenas existe, como é um dos fatores que definem as características socioeconômicas do país — fato ignorado pelo autor do livro.

A repercussão contundente da agressão sofrida pela jornalista Maria Julia Coutinho está longe de ser um fato isolado: é apenas mais um caso de racismo que acontece cotidianamente no país. Esperamos que o Diretor de Jornalismo da Globo mude (ou tenha mudado) de ideia em relação à sua tese de que racismo não existe; e que o mesmo engajamento da emissora, que vimos hoje na TV e na internet, não seja apenas um ato de oportunismo, pois parece contraditório o diretor de uma das áreas mais importantes e influentes da emissora acreditar que não há racismo no Brasil, enquanto seus jornalistas e a emissora, como um todo, acionam as autoridades para apurar o caso mais recente de racismo sofrido por Maria Julia. Ou seja: se o racismo não existe para o seu diretor, porque a equipe de jornalismo da emissora se preocuparia com ele? Ou, de outro modo, como a emissora lida com o racismo, quando seu diretor geral de jornalismo publica um livro com a tese de que racismo não existe? Cabe à Globo essas reflexões, mas a nós cabe ficarmos atentos com o que se faz e com o que se fala na emissora.

Sobre a campanha, lançada pela Globo (#somosmaju), temos como bandeira de que não somos apenas Maju: somos os milhares de brasileiros, haitianos, senegaleses, anônimos que diariamente sofrem ataques racistas on-line e off-line e para os quais parece haver uma capa de invisibilidade, um problema distante do qual a hipocrisia da sociedade não quer tomar partido. Estamos na causa, mas não por modismo, nem por campanha fomentada pela mídia, mas elas também são importantes para fortalecer as discussões, a tomada de consciência e as ações afirmativas. Em paralelo, parabenizamos a postura da jornalista e de seus pais que, segundo depoimento de Maria Julia, sempre militaram na causa do preconceito racial e a educaram e conscientizaram sobre a existência desse fenômeno que, segundo seu chefe Kamel, não existe.

Por fim, aos críticos do Humaniza Redes, cabe lembrar o papel que esse programa desempenha no combate a, entre outros, o racismo. Como navegantes da web, ao nos depararmos com um caso de racismo (ou qualquer outro tipo de agressão) nas redes sociais, podemos adotar duas posturas: a omissão ou a denúncia. Isso define um pouco o tipo de caráter de cada um de nós.

Caro Ruivo… Não era bem isso

Analisar as questões midiáticas tem sido uma tarefa cada vez mais complexa, porque as próprias mídias se complexificaram, a partir do momento em que se proliferam mídias sociais que permitem a interação do público com os autores dos conteúdos, em muitos casos, e do público com o público. Mas também pela convergência midiática e pelos entrelaçamentos e repercussões de veiculações em cada tipo de mídia, nas quais, dependendo da abordagem ou da linha editorial (se existir) gera reações das mais variadas entre o público. Na última segunda-feira, publicamos no Facebook um post (abaixo) que repercutiu em alguns segmentos das redes sociais, sobre o relato de um suposto estupro, relatado pelo ator Alexandre Frota no programa Agora É Tarde.

Causou surpresa quando li o artigo assinado pelo músico Emir Ruivo, no blog Diário do Centro do Mundo, em tese, uma mídia jornalística alternativa, com postura mais crítica. Não tanto pela opinião do autor, mas pelo modo sensacionalista e minimizador com que o mesmo episódio foi tratado. A começar pelo título “O apedrejamento medieval de Alexandre Frota na história do Agora É Tarde“, com uma gravura que representa, aparentemente, uma cena da Inquisição (o fato do título do artigo falar em apedrejamento e a figura ser de uma fogueira não é o foco da discussão, por isso não vamos dar importância a ele).

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Bem, como não poderia deixar de ser, o artigo gerou alguma polêmica, algumas divergências, pontos de vista contrário e ofensas — fenômeno já corriqueiro nas redes sociais, como bem apreendeu a colunista do El País Eliane Brum, em outro artigo que compartilhamos no Facebook, sobre a boçalidade do mal. O que me chama atenção no artigo de Emir Ruivo é uma certa descontextualização do episódio e uma inversão de papeis, vitimizando o suposto agressor (suposto, porque ninguém sabe se o fato ocorreu e, em tendo ocorrido, em que medida é verdade). Para nós, a questão central (dada a conotação que a página tem) não são as bandeiras autênticas de luta contra o machismo, contra as diversas formas de violência (simbólicas ou não) perpetradas contra as mulheres ou da possível apologia ao estupro envolvida no caso, mas sim o papel da mídia e público diante de um relato que, por si só, já é repugnante.

O primeiro ponto a ser questionado é: houve “apedrejamento” de Frota na mídia? A resposta parece apontar que não. Exceto em alguns segmentos das redes sociais, como grupos e páginas de ativistas e de movimentos sociais, e em mídias alternativas, o episódio ganhou pouca repercussão nos meios de comunicação tradicionais. Mesmo nas timelines do Facebook não houve um linchamento moral generalizado, embora o vídeo original tenha tido mais de um milhão de acessos. Afirmar, nesse contexto, que o ator sofreu algum tipo de apedrejamento midiático soa um pouco presunçoso, haja vista não ter sido apresentada nenhum dado empírico que sustente a afirmação (o oposto também é verdadeiro; como não reunimos nenhum dado estatístico, estamos apenas citando o que foi ou não perceptível).

O segundo ponto a ser questionado, na argumentação de Ruivo, é sua constatação de que “não houve estupro ali”. Ele sugere que Frota seria louco se admitisse que cometeu estupro. Estamos falando de um (ex?) famoso que já admitiu, em entrevista, que não se importa com o que falam dele, desde que falem dele. E quanto mais, melhor. “Adoro a fama”, admitiu. Não se cogita, tampouco, a possibilidade de alguém relatar um estupro sem se dar conta do que está relatando. Afinal, dado o contexto do relato, o programa em questão e seu apresentador, não se pode descartar, a priori, qualquer maldade travestida de “brincadeira” (de mal gosto).

O terceiro ponto é a afirmação do autor do texto de que, “pela história, não parece ter havido resistência. Parece sim ter havido agressividade, talvez em demasia, mas consentida, e isso não é problema de ninguém”. Talvez essa seja a questão mais delicada de todo o relato. Como saber o que foi — ou não foi — consentido e em que circunstâncias? Acrescente nesse contexto não apenas o relato, mas todo o gestual utilizado para “demonstrar” a prática adotada por Frota na história que relatava. Em uma sociedade sadia, não parece que seja algo a ser ridicularizado, motivo de deboche ou chacota. E o episódio não acontece de forma isolada e apartada do restante da sociedade. Peguemos os dados de violência contra as mulheres, os números dos casos não denunciados por medo dos agressores, e então teremos um panorama mais geral do que é “consentir” nesse caso. Mesmo assim, se o autor do texto acha que foi uma relação consentida, estendemos nosso convite para ele se colocar no lugar da suposta mulher (estamos ‘acreditando’ que a história aconteceu).

Caro Ruivo: imagine que você está a sós com o Alexandre Frota, prestando um serviço qualquer a ele. Virado de costas. Acrescente-se o fato de que, além de ser fortão, o cara é famoso e você é você mesmo. E, sem mais, ele chega pra você e diz que quer te comer (assim mesmo como ele relata). Possivelmente você fica sem reação num primeiro momento (tal como ele relatou) e então ele arranca a tua roupa (suponho que você não estivesse usando vestido, então a cena precisou ser adequada), vira você de costas e te pega pelo pescoço para praticar o ato sexual com você. Como você reagiria, Ruivo? Reagiria? Propenso a tomar porrada (pegue as estatísticas de violência contra a mulher, contextualize como era essa situação anos atrás, uma vez que o relato é da época em que o ator estava fazendo sucesso na Globo, portanto faz um tempo…)? Ceder a uma situação como essa, no caso da mulher citada, seria simplesmente consentir?

Em quarto lugar, o argumento final, tido como mais importante pelo autor do texto: “procurem a tal mulher antes de apedrejar o cara”. Para quê? Fazer uma acareação pública? Não Ruivo, você entendeu errado. Não é disso que se trata. A mulher pode existir ou não, a história ser real ou não — ou pior, ser real e ser ainda mais atroz do que foi relatada pelo ator. O que está em questão é como um relato como esse, verdadeiro ou não, vira motivo de piada num programa de televisão, banalizando ainda mais a violência contra as mulheres e a apologia ao sexo sem consentimento (ceder é muito diferente de consentir, neste contexto).

O autor do relato não pode, simplesmente, passar à condição de vítima. Ainda que ocorresse um “apedrejamento” que você sugere, Ruivo, ainda assim Frota estaria longe da condição de vítima e os apedrejadores longe da condição de hipócritas. Além disso, minimizar o episódio porque Frota é “apenas” um “moleque e sem graça” é gerar um atenuante que não existe. Por fim, respondendo a uma leitora, Emir Ruivo escreve que “acho que ele Frota] fomenta cultura de machismo (de estupro, não sei)”. Se não sabe, não se proponha a escrever a respeito e a analisar o que houve e o que não houve de estupro no relato. Para além dessas questões, como o que nos interessa é a questão midiática, fica a questão: será que ‘medieval’ foi o ‘apedrejamento’ de Frota ou o bizarro espetáculo armado por ele e (de novo) por Rafinha Bastos, em busca de mais um minutinho de fama e mais um pontinho no IBOPE?

Onde mora a diferença?

Uma das questões centrais da educação, hoje, perpassa a diversidade e a inclusão. Preocupação preponderante da UNESCO em um mundo cada vez mais fragmentado — com esfacelamento de fronteiras políticas e culturais, em que as tecnologias e as mídias cada vez mais mundializadas são mediadoras importantes, tanto no sentido de reforçar estereótipos quanto no sentido de combater os preconceitos — a diversidade (cultural, de etnia, de gênero, física e estética etc.) e a inclusão de pessoas supostamente ‘diferentes’, longe de ser um problema superado, ainda é uma utopia. Bandeira de luta de várias ONGs, educadores, movimentos sociais e pessoas comuns, diversidade e inclusão caminham lado a lado e ainda dependem de campanhas de sensibilização, como as apresentadas nesse vídeo.

O vídeo, iniciativa da ONG Amor Sem Rótulos, gravado no Valentine’s Day (o dia dos namorados norte-americano) desse ano toca numa questão central não apenas para os estadunidenses, mas para todos nós. A mensagem é clara e direta: o amor não possui rótulos. “Antes de mais nada, somos todos humanos. É hora de abraçar a diversidade. Vamos deixar de lado os rótulos em nome do amor”, diz o site da ONG.

“Enquanto a grande maioria dos americanos considera-se sem preconceitos, muitos de nós sem perceber faz julgamentos precipitados sobre as pessoas com base no que vemos — quer se trate de raça, idade, sexo, religião, sexualidade, ou deficiência. Esta pode ser uma razão significativa para muitas pessoas se sentem discriminadas. O preconceito implícito (aquele subconsciente) tem profundas implicações para o modo como vemos e interagimos com outras pessoas que são diferentes de nós. Isso pode dificultar a capacidade de uma pessoa para encontrar um emprego, conseguir um financiamento, alugar um apartamento, ou chegar a um julgamento justo, perpetuando disparidades na sociedade. A campanha “O amor não tem rotulações” desafia-nos a abrir os olhos para o nosso preconceito e tentar pará-lo em nós mesmos, em nossos amigos, nossas famílias e nossos colegas”.

A campanha nos convida a repensarmos o nosso preconceito e a “testar” o quanto somos preconceituosos, no site em inglês lovehasnolabels.com.

Como crianças e adultos veem a deficiência? Vale gastar 2 minutos pra assistir

Nesse início de ano, tem circulado no YouTube um vídeo da ONG francesa L’association Noémi (uma associação para pessoas com múltiplas deficiêmcias). Trata-se de uma experiência educacional e o vídeo já conta com quase 2 milhões de acesso. A experiência? Ver como adultos e crianças reagem ao serem apresentadas a pessoas com múltiplas deficiências.

Pais e filhos foram convidados a assistirem a um vídeo que mostra várias pessoas fazendo caretas. A tarefa de pais e filhos é imitar todas as caretas que aparecem na tela. No final, aparece uma garota com deficiência e as reações de adultos e crianças são surpreendentes.

A missão da L’association Noémi é mudar a forma como a sociedade olha para as pessoas com deficiências múltiplas. A associação quer que a gente olhe para essas pessoas de uma forma positiva e respeite a sua dignidade. Ou, como a mensagem do vídeo deixa claro, que passemos a ver as diferenças com os olhos de uma criança.

Sim, também caiu um cisco no nosso olho aqui :’

noemi