Nota sobre a Maju, Kamel e humanizar a rede

Em 13 de maio fizemos um post para trazer à tona o questionamento da ideia romantizada que foi instaurada com a Lei Áurea e da falsa ideia que o Brasil, miscigenado, tem a questão do racismo bem resolvida. No texto, ressaltávamos a importância de desmistificar essas questões e de dar visibilidade aos casos de racismo que acontecem diuturnamente na internet. Um dos casos de racismo que citamos naquele post envolvia justamente a jornalista Maria Julia Coutinho, apresentadora da previsão do tempo no Jornal Nacional.

Hoje causou rebuliço na internet novos ataques racistas sofridos pela jornalista. Dessa vez a própria Globo decidiu se manifestar em defesa de Maria Julia de forma mais incisiva, diferentemente de outras vezes. O tema ganhou repercussão imediata nas redes sociais. O fato que chama atenção é que, segundo o atual Diretor Geral de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, não existe racismo no Brasil: essa é a tese central de seu livro intitulado “Não somos racistas” e lançado em 2006 como uma espécie de argumento contra às cotas nas universidades.

O argumento do livro era de que não somos racistas no Brasil, muito embora o autor não tenha partido de pesquisas e análises aprofundadas sobre o tema e muito embora o racismo aconteça cotidianamente, de forma mais ou menos velada: o preconceito racial não apenas existe, como é um dos fatores que definem as características socioeconômicas do país — fato ignorado pelo autor do livro.

A repercussão contundente da agressão sofrida pela jornalista Maria Julia Coutinho está longe de ser um fato isolado: é apenas mais um caso de racismo que acontece cotidianamente no país. Esperamos que o Diretor de Jornalismo da Globo mude (ou tenha mudado) de ideia em relação à sua tese de que racismo não existe; e que o mesmo engajamento da emissora, que vimos hoje na TV e na internet, não seja apenas um ato de oportunismo, pois parece contraditório o diretor de uma das áreas mais importantes e influentes da emissora acreditar que não há racismo no Brasil, enquanto seus jornalistas e a emissora, como um todo, acionam as autoridades para apurar o caso mais recente de racismo sofrido por Maria Julia. Ou seja: se o racismo não existe para o seu diretor, porque a equipe de jornalismo da emissora se preocuparia com ele? Ou, de outro modo, como a emissora lida com o racismo, quando seu diretor geral de jornalismo publica um livro com a tese de que racismo não existe? Cabe à Globo essas reflexões, mas a nós cabe ficarmos atentos com o que se faz e com o que se fala na emissora.

Sobre a campanha, lançada pela Globo (#somosmaju), temos como bandeira de que não somos apenas Maju: somos os milhares de brasileiros, haitianos, senegaleses, anônimos que diariamente sofrem ataques racistas on-line e off-line e para os quais parece haver uma capa de invisibilidade, um problema distante do qual a hipocrisia da sociedade não quer tomar partido. Estamos na causa, mas não por modismo, nem por campanha fomentada pela mídia, mas elas também são importantes para fortalecer as discussões, a tomada de consciência e as ações afirmativas. Em paralelo, parabenizamos a postura da jornalista e de seus pais que, segundo depoimento de Maria Julia, sempre militaram na causa do preconceito racial e a educaram e conscientizaram sobre a existência desse fenômeno que, segundo seu chefe Kamel, não existe.

Por fim, aos críticos do Humaniza Redes, cabe lembrar o papel que esse programa desempenha no combate a, entre outros, o racismo. Como navegantes da web, ao nos depararmos com um caso de racismo (ou qualquer outro tipo de agressão) nas redes sociais, podemos adotar duas posturas: a omissão ou a denúncia. Isso define um pouco o tipo de caráter de cada um de nós.

Sobre Rafael Cunha

Doutor em Educação; doutorando em Sociologia Política e Mestre em Educação na área de comunicação e tecnologias. Há mais de uma década pesquisa sobre cultura digital e suas relações com trabalho, educação, comunicação e vida cotidiana.

Publicado em 4 de julho de 2015, em Direitos humanos e marcado como , , , . Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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