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História e cultura negra: aprendizagem com o Carnaval

Publicado em 25 fev. 2017. Atualização: 28 fev. 2017 às 18:30.

Onze sambas-enredo com temática da cultura negra e questões sócio-raciais

carnaval

Desfile da Unidos da Tijuca, em 2003, em homenagem aos escravizados que retornaram à África

Embora frequentemente confundido com uma festa originariamente negra, o Carnaval brasileiro apresenta características distintas de região para região e quase nunca as questões próprias do universo étnico-racial negro são temáticas principais das escolas de samba. As primeiras manifestações populares do carnaval brasileiro se originaram no entrudo, festa de rua de origem portuguesa, da qual os negros escravizados não podiam participar. Foi com as festas religiosas de rua, nas quais senhoras negras, vestidas de branco, entoavam cânticos, que se iniciou a participação de negros no carnaval de rua. Todavia, foi só na virada para o século XX, com a criação dos blocos dos subúrbios, que as populações negras se incorporaram em definitivo nas festas do carnaval.

Os blocos de carnaval deram origem às primeiras escolas de samba no Rio de Janeiro, na década de 1920. Por mais de três décadas, os enredos dessas escolas contavam apenas a história oficial do Brasil — sobretudo a partir do Estado Novo, no qual o governo Getúlio Vargas incentivava, financeiramente, as agremiações que exaltavam os elementos da história nacional oficial. Essa situação passa a mudar no final da década de 1950. Edson Farias, no livro O desfile e a cidade: o carnaval-espetáculo carioca, situa como marco dessa virada o ano de 1960, quando o Grupo Salgueiro inclui a chamada “temática negra” no Carnaval, com o enredo “Palmares”. Segundo o autor, “o aspecto temático dos enredos torna-se o ponto de partida; em lugar das celebrações dos vultos da história brasileira convencional, excitam o “povo” a narrar seus próprios heróis e episódios encobertos. Ou seja, a proposta é incentivar a cultura popular a expressar toda épica dos subalternos no país”.

A partir daí, novas temáticas foram incorporadas pelas escolas de samba, incluindo personagens e episódios da história africana e afro-brasileira.

Contudo, expressões características das culturas e religiões afro-brasileiras incluídas nas letras nem sempre tornam as temáticas dos sambas-enredo temáticas da cultura negra, ou das questões sociais da população negra. Em 1991, por exemplo, a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, campeã do carnaval carioca, cantou “Aieieu Mamãe Oxum / Yemanjá Mamãe Sereia / Salve as águas de Oxalá / Uma estrela me clareia”, mas a sua temática era a água. Ou seja, embora o trecho se relacione aos orixás ligados à água, o tema não era propriamente elementos da cultura afro-brasileira. Assim, desfaz-se a impressão de que os temas de enredo das escolas de samba sejam, frequentemente, ligados à cultura negra africana e afro-brasileira.

Uma pesquisa de Andréa Pessanha publicada na revista Urutágua, em 2006, mostrou que, entre 183 sambas-enredo analisados, apenas 25 centravam as temáticas em “temáticas negras”, sejam elas de eventos, personalidades e questões próprias da realidade social das populações negras. Todavia, muitas temáticas eram secundárias (por exemplo, a homenagens a personalidades negras como Grande Otelo e Dorival Caymmi, portanto, não ligadas necessariamente a uma “temática negra”). Ainda, dos 183 sambas-enredo analisados, 92 não faziam qualquer referência a essas temáticas, o que mostra o quanto o senso comum pode se confundir quando se relaciona as variáveis “samba-enredo” e “temáticas negras”.

A seguir, listamos 11 sambas-enredo, desde 1960, cujo cerne das temáticas eram, efetivamente, questões sociais e raciais da cultura e história africana e afro-brasileira. Com suas diferentes maneiras de ver tais questões, muitas vezes tributária de criatividade do carnavalesco e de extensa pesquisa histórica, esses sambas mostram que o carnaval pode ensinar, com fantasia e batucada, tão bem quanto o saber que circula nas academias.

 

#01 1960: Acadêmicos do Salgueiro – Quilombo dos Palmares

Considerado um tema revolucionário para a época, o samba de Noel Rosa de Oliveira e Anescarzinho “contava com toda a poesia e cadência melódica a luta de Palmares” [1]. Com componentes vestidos de escravos, pela primeira vez o negro viria a ser o protagonista de sua própria história. O Quilombo dos Palmares desceu às ruas. E a história dos enredos de carnaval estariam modificados para sempre.

#02 1968: Unidos de Lucas – Sublime Pergaminho

O samba escrito por Zeca Melodia, Nilton Russo e Carlinhos Madrugada trouxe ao carnaval uma visão romantizada da Lei Áurea, o “sublime pergaminho”. O samba, que já foi tema de questão do ENEM, embora não encontre respaldo em estudos históricos recentes, trouxe uma síntese da escravidão do país, do aprisionamento de negros africanos em navios negreiros até as leis abolicionistas dos anos de 1870 e 1880, que culminaria com a abolição da escravatura. Apesar de romantizar o episódio do fim da escravidão brasileira, o samba ficou marcado por trazer ao Carnaval um tema tabu para a época.

 

#03 1971: Acadêmicos do Salgueiro – Festa para um rei negro

O samba de Zuzuca ficou eternizado como “pega no ganzê” (cantado no refrão) e mudou o jeito de fazer samba-enredo: a partir dali, as escolas passaram a ter uma maior preocupação com os refrões dos sambas-enredo. O enredo se reportava a um episódio desconhecido da história brasileira, a visita do Rei do Congo ao Brasil no século XVII para solicitar a Maurício de Nassau sua intervenção para a paz entre os chefes de tribos africanas, cujos ânimos estavam acirradas em função de disputas comerciais europeias. O samba exaltava o rei negro e todas as festas e honrarias organizadas em sua homenagem, durante sua estadia em Recife.

 

#04 1972: Portela – Ilu Ayê

O samba Ilu Ayê (Terra da Vida), composto por Cabana e Norival Reis, prestava uma homenagem ao Negro na Civilização Brasileira, sua coragem, bravura, alegria e arte. Sem se ater a um personagem ou evento específico, o enredo teve como objetivo resgatar em forma de metanarrativa a importância e a influência do negro na constituição do povo e da cultura brasileira.

#05 1978: Beija-Flor – A criação do mundo na tradição Nagô

Com enredo do mítico carnavalesco Joãosinho Trinta, o samba de Neguinho da Beija-Flor, Gilson Dr. e Mazinho conta, como o título sugere, a criação do mundo a partir da narrativa nagô. Olorum, senhor do infinito, com sua respiração transforma o ar em água, lama e pedra, mistura avermelhada que gera Exu, o primogênito, que ajuda a criar, com outras entidades, o mundo, a vida e o amor. Trata-se de um descolamento das visões hegemônicas sobre a criação do mundo e coloca a cosmologia africana nagô no mesmo patamar de outras visões de mundo. O enredo inspirou o filme O Samba da criação do mundo, drama brasileiro de 1979.

 

#06 1979: Acadêmicos do Cubango – Afoxé

A Acadêmicos do Cubango é uma das mais tradicionais agremiações de carnaval da Grande Rio, da cidade de Niterói, onde sagrou-se campeã em 1979 com um dos sambas antológicos do carnaval carioca: Afoxé, composto por Heraldo Faria e João Belém, reverencia os festejos lúdico-religiosos originários de Lagos, antiga capital da Nigéria. Essa manifestação foi popularizada no Brasil a partir de finais do século XIX, expandida para outras regiões tendo como referência a cidade de Salvador. “Os afoxés representam um dos traços de resistência das camadas populares da sociedade brasileira que, através da lapidação espontânea do caldo de cultura, preservam e a todos brindam com parte do vastíssimo legado gestado no continente também chamado de ‘Berço da Humanidade’” [2].

 

#07 1984: Unidos da Ponte – Oferendas

Uma festa religiosa, das religiões de matriz africana. O samba Oferendas, de autoria de Jorginho, levou ao carnaval a temática das oferendas entregues aos orixás, em uma homenagem (e uma aula cultural) à religiosidade brasileira que é originária das tradições africanas. A letra é carregada de elementos dessas religiões, citando os orixás e as respectivas oferendas entregues pelos devotos.

 

#08 1988: Unidos de Vila Isabel – Kizomba, festa da raça

Quando você estiver assistindo a uma transmissão de desfile de escola de samba e ficar confuso(a) se algum comentarista falar que a escola trouxe um samba forte para a avenida, tome como exemplo esse samba. Considerado um dos mais belos e mais poderosos sambas enredo de todos os tempos, Kizomba, festa da raça, de autoria de Rodolpho, Jonas e Luís Carlos da Vila, entrou para a história do carnaval carioca e, é claro, da escola Unidos de Vila Isabel, que chegou ao seu primeiro título naquele ano, surpreendendo o público e desbancando as escolas favoritas. “Marcada por um ritmo forte e cadenciado, bem próximo da batida dos atabaques de terreiro, a música traz uma poesia igualmente intensa e transgressora, posto que busca desconstruir um dos mais caros mitos da nossa história oficial, aquele que atribui à generosidade da princesa Isabel todo o crédito pelo fim da escravidão no Brasil” [3]. O enredo traz fortes referências à resistência dos escravizados para a abolição da escravatura no país e atualiza a questão das relações étnico-raciais em um momento histórico em que todo o Ocidente se voltava para o regime de segregação racial na África do Sul (o apartheid), mostrando que a luta dos povos negros por igualdade ainda estava longe de ter fim: Vem a Lua de Luanda / Para iluminar a rua / Nossa sede é nossa sede / de que o “apartheid” se destrua. É um dos sambas enredo mais regravados por outros artistas.

 

#09 1988: Estação Primeira de Mangueira – Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão

No ano em que o país celebrava o centenário da abolição da escravatura, a Mangueira ergueu a voz contra o ideário predominantemente romantizado da promulgação da Lei Áurea e questionou se, de fato, a escravidão havia chegado ao fim. Composto por Alvinho, Hélio Turco e Jurandir e interpretado pela voz inconfundível de Jamelão, o samba entrou para a galeria dos maiores sambas já produzidos no país. O mote do enredo, no cerne, são as relações étnico-raciais, uma luta do bem contra o mal que sintetiza-se o derramamento de sangue e no preconceito racial contra as populações negras, ainda que os escravizados negros tenham ajudado a construir (e na maioria dos casos foram eles mesmos, por seu trabalho, que construíram) as riquezas do país. A história oficial da abolição da escravatura e suas consequências, até então romantizada no próprio nome da lei e numa imagem benevolente da Princesa Isabel, é enfrentada em um dos versos mais poderosos e geniais da música popular brasileira: “Pergunte ao criador / Quem pintou esta aquarela / Livre do açoite na senzala / Preso na miséria da favela”. Nada mais enfático para questionar o pós-abolição, enredo central da escola: “1888 Lei Áurea. 1988, Cem anos de liberdade ou de discriminação? Ontem negro escravo, hoje gari, cozinheira. Só alguns deram certo” [4].

 

#10 1988: Beija-Flor – Sou Negro, do Egito à liberdade

Em 1988, a Beija-Flor também levou para a avenida a temática da escravidão. De fato, era um ano emblemático não apenas pelos cem anos da Lei Áurea, mas pelo amplo debate nacional de cunho progressista, de reconhecimento da própria história e de luta por direitos sociais que vinham no bojo de movimentos políticos, como a aprovação da Constituição Federal e da amplitude da noção de cidadania. O samba, composto por Aloísio Santos, Cláudio Inspiração, Ivancué e Marcelo Guimarães, reconhecia os feitos dos negros, mas também a realidade do negro no país. E conclui que, se a liberdade já havia raiado, a igualdade não.

 

#11 2003: Unidos da Tijuca – Agudás, os que levaram a África no coração e trouxeram para o coração da África o Brasil

O enredo da Unidos da Tijuca, em 2003, contou a história da escravidão de um outro olhar: os negros escravizados brasileiros que voltaram à África. O samba composto por Rono Maia, Jorge Melodia e Alexandre Alegria conta que “Obatalá / Mandou chamar seus filhos / A luz de Orunmila / Conduz o Ifá, destino / Sou negro e venci tantas correntes / A glória de quebrar todos grilhões / Na volta das espumas flutuantes / Mãe-África receba seus leões”. O enredo foi inspirado no livro Agudás, os “brasileiros” do Benin, de Milton Guran. Com essa temática, “o carnavalesco Milton Cunha conta à sua maneira a história dos ex-escravos que saíram do Brasil para retornar à África, nem sempre para os mesmo lugares de onde teriam saído, e que acabaram se concentrando no Benin, antigo Daomé” [5]. O enredo, do retorno de escravizados ao continente africano levando para lá coisas do Brasil, é uma espécie de redenção [6], emanada da dor e do sofrimento de ancestrais em comum.

Atualização

Neste artigo citamos apenas os sambas do carnaval carioca. Todavia, merece registro o título do carnaval de São Paulo em 2017 conquistado pela escola Acadêmicos do Tatuapé, que levou para a avenida o enredo Mãe-África conta a sua história: Do berço sagrado da humanidade ao abençoado menino da terra do ouro. “Para se diferenciar de todas as outras escolas que já falaram da África ao longo dos anos, a Tatuapé se apoiou na filosofia do Ubuntu, que prega compaixão e amor. Suas fantasias representavam os diferentes grandes reinos da história do continente e seus países atuais, além das religiões africanas, como o candomblé, o cristianismo e o islamismo” [7].

 


Fontes:
Galeria do Samba | Academia do Samba | Portela Web | Salgueiro | Samba de Terça |

Cultura digital: Repercussões da ubiquidade no cotidiano docente

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A incorporação de tecnologias digitais e móveis repercute de diferentes maneiras entre os trabalhadores. A erosão de fronteiras de tempos e espaços provocada pela cultura da mobilidade na cultura digital e pela condição ubíqua na qual se desenvolve o trabalho em alguns segmentos são as marcas do tempo presente quando se analisa o trabalho com o uso de tecnologias digitais. Atributos da ubiquidade, como simultaneidade e onipresença, ganham novos contornos, dadas as condições de trabalho, cada vez mais intensificado e extensificado, como é o trabalho docente contemporâneo.

Por Rafael Cunha*

A emergência da cultura digital repercute de diferentes maneiras e insere novos ingredientes no debate sobre o trabalho, especialmente nos segmentos dos mundos do trabalho em que o uso de tecnologias são cada vez mais exigidos. Parece claro, todavia, que essas mudanças não são uma exclusividade da cultura digital ou das tecnologias digitais. Nos estudos sobre trabalho, em especial os de abordagem psicológica sobre as condições ergonômicas, não são poucos os exemplos de como a inserção de diferentes técnicas ou tecnologias nos processos de trabalho interferem no cotidiano do trabalhador e na própria execução das tarefas. Ao menos desde a década de 1970, os estudos como os de Jacques Leplat e Xavier Cuny [1] demonstram as alterações decorrentes da inserção de tecnologias nas rotinas de trabalho e, em muitos casos, nas condições de saúde dos trabalhadores.

Mas é preciso voltar um pouco no tempo para compreender melhor a relação entre as tecnologias e o trabalho, principalmente com o advento da Modernidade e da racionalidade científica, pautada no desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Os movimentos das “grandes invenções” e das “grandes navegações” desde o fim do período medieval colocavam novos ingredientes na relação da humanidade com a natureza. Francis Bacon, por exemplo, na virada do século XVI para o século XVII, colocava no desenvolvimento da ciência e da tecnologia as condições para um futuro melhor, em que a racionalidade seria utilizada para a liberação das pessoas dos trabalhos pesados e proporcionaria aos seres humanos uma vida melhor.

Em sua obra de ficção inacabada, a New Atlantis, Bacon vislumbrava uma sociedade utópica, perfeita, em que os produtos da racionalidade científica eram compartilhados com toda a sociedade. A tecnologia serviria, portanto, para o desenvolvimento de sociedades mais avançadas, e não como mecanismo de exploração de homens por outros homens. É bem verdade que não foi isso o que se viu com o advento da Revolução Industrial e com a inserção de maquinarias pesadas nos processos produtivos, com o incremento da produção e da produtividade em menor tempo: embora o emprego de toda a maquinaria sinalizasse para a liberação do trabalho degradante, esse movimento foi acompanhado por uma condição miserável dos trabalhadores da época, com jornadas exaustivas e prolongadas de trabalho, controle de tempos, espaços e ritmos de produção.

Começava a ficar claro que, diferente do que Bacon e outros pensadores do início da Modernidade previam, não bastava o desenvolvimento da ciência e da tecnologia para liberar a humanidade das condições extenuantes de trabalho: o fator econômico era determinante. Parte dessa crítica é encontrada na tradição marxista na análise sobre o trabalho e sobre o desenvolvimento das forças produtivas: com novas tecnologias, o “trabalho vivo” (aquele realizado diretamente por pessoas) tenderia a diminuir se comparado com o “trabalho morto” (o trabalho realizado por máquinas). O utópico “reino da liberdade”, oriundo dessa tradição, grosseiramente falando coincidia com a liberação dos trabalhadores de jornadas exaustivas e prolongadas e, portanto, com mais tempo para o seu desenvolvimento omnilateral, com mais tempo para o desenvolvimento de todas as dimensões do espírito humano, sem ter seu tempo absorvido inteiramente pelo trabalho explorado para a geração de valor para apenas uma pequena parcela da população.

De fato, a automação, a robótica e a “digitalização” tornaram obsoletas algumas ocupações e melhoraram as condições de trabalho de muitos segmentos. Todavia, se compararmos as condições técnicas existentes atualmente e as condições precárias de trabalho (e, pior, o grande número de pessoas excluídas do mundo do trabalho) que persistem, fica evidente que não se pode buscar nas tecnologias as condições mais profícuas ou mais precárias de trabalho, mas sim no modo de produção capitalista e seu movimento incessante de aumento da produção e da geração de mais valor que, por meio das forças produtivas, consubstancia ritmos mais intensos de trabalho, controle de movimentos, tempos e espaços [2], cuja representação clássica é retratada, no cinema, por Charles Chaplin no clássico “Tempos Modernos” (1936). Esse fenômeno é redimensionado com a emergência e incorporação das tecnologias digitais nos processos produtivos, em que o seu uso se converte em pilares da globalização da economia por possibilitar o contorno de obstáculos espaço-temporais.

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Mobilidade e ubiquidade

A incorporação de tecnologias digitais e móveis no cotidiano incide, diretamente, no redimensionamento de tempos e espaços e nos sentidos de ausência e presença, espaço e lugar. O advento da cultura digital potencializa os lugares físicos tradicionais, que se tornam multidimensionais, inseparáveis do que Santaella [3] chama de hipermobilidade: a mobilidade física acrescida de aparatos tecnológicos que permitem uma segunda mobilidade no ciberespaço. Por sua vez, espaços multidimensionais e hipermobilidade estão na base do conceito de ubiquidade e levam a um controverso processo de presença-ausência, de público-privado. Na perspectiva de Santaella, a ubiquidade tornou-se possível pela emergência de um outro espaço que não o físico: o ciberespaço. Nessa ambiência, o ser humano adquire o “poder de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo […], onipresente”. Embora a autora reconheça os riscos das consequências socioculturais e psíquicas, trata-se, segundo ela, de uma “recém-adquirida condição do ser humano em ser ubíquo, […] que concede a ele o atributo da ubiquidade, algo que, antes, lhe parecia impossível”.

A condição ubíqua, dentre outros, em função da possibilidade de mover-se por diferentes espaços simultaneamente, propicia que independentemente do lugar físico em que se esteja, o indivíduo esteja sempre presente e sempre ao alcance, seja de outras pessoas, seja do próprio trabalho, via tecnologias digitais e móveis. Por sua vez, a condição ubíqua do indivíduo leva ao borramento de fronteiras entre público e privado, presença e ausência, como aparece nos escritos de Lucia Santaella, provavelmente a maior especialista em ubiquidade na cultura digital da literatura brasileira. O fenômeno da ubiquidade, típico da cultura digital, é uma questão interdisciplinar, pois envolve duas dimensões que afetam todas as atividades humanas: tempo e espaço. Repercute, por conseguinte, de diferentes maneiras no cotidiano em geral, no trabalho e na educação, mais especificamente.

Foi a partir deste panorama e considerando a preponderância do binômio espaço-tempo nos estudos clássicos sobre as condições de trabalho intensificado que um estudo analisou quais as repercussões da ubiquidade para o cotidiano de vida e trabalho de professores, a partir dos significados e sentidos que atribuem à incorporação e usos de tecnologias nos contextos de trabalho [4]. A pesquisa envolveu professores de cursos de pós-graduação stricto sensu de todas as regiões brasileiras.

Os atributos da ubiquidade na cultura digital mantêm relações tanto no que se refere ao sistema de produção vigente quanto à lógica de produzir e trabalhar incorporada ao trabalho docente, que desencadeia as práticas do produtivismo, em um “capitalismo acadêmico”. Em paralelo, os atributos da ubiquidade que permitem uma condição de onipresença do indivíduo, capaz de mover-se simultaneamente por vários espaços [5], traduz-se como ampliação de espaços e reconfiguração dos sentidos de lugar, ausência e presença: conectados, os indivíduos passam a ser multitarefas e estão ‘sempre presentes’, sempre ao alcance, no âmbito de uma erosão de fronteiras propiciada pela cultura digital.

Alterações no trabalho com o uso de tecnologias, em função do redimensionamento de tempos e espaços

Os atributos da ubiquidade na cultura digital repercutem de maneira difusa e diversa no trabalho docente. Há um consenso (cerca de 95% dos pesquisados) entre os professores de que o aspecto que mais se alterou em seu trabalho com o uso das tecnologias foi o redimensionamento do espaço e do tempo. Para 91% dos professores, houve uma dilatação dos espaços de trabalho, mas há controvérsias entre eles sobre as vantagens e/ou desvantagens dessa dilatação com o uso das tecnologias no trabalho docente: em alguns depoimentos, fica evidente que a mobilidade facilita o acesso a materiais de pesquisa e trabalho, dispensa, em alguns casos, deslocamentos físicos, e facilita o contato com orientandos, que passam a estar ao alcance, independentemente da distância física. Por outro lado, inúmeros depoimentos sobre as alterações no trabalho docente com a incorporação de tecnologias digitais apontam para repercussões desvantajosas para a vida e trabalho do professor.

Em função das condições de trabalho, a maioria dos professores acaba extrapolando a carga horária contratual e sempre ou frequentemente levam trabalho para casa. Mediado por tecnologias digitais e móveis, o trabalho invade espaços e tempos de lazer para 81% dos pesquisados. Além disso, 69% dos professores afirma que os espaços sociais de uso das tecnologias (por exemplo, uso de redes sociais para fins de lazer) convertem-se em espaços de trabalho. Mais do que isso: 73% dos professores costuma dedicar seu tempo de descanso e lazer para acessar e-mails e resolver demandas de trabalho, valendo-se da possibilidade tecnológica de estar ‘próximo’ do seu trabalho, via tecnologias digitais.

Entre os pesquisados, fica evidente que ‘estar sempre presente e ao alcance’, em função do fenômeno da ubiquidade e das condições de trabalho na pós-graduação, significa estar sempre disponível também para o trabalho. Nesta ambiência, para a maioria dos pesquisados, uma das repercussões do caráter ubíquo do trabalho docente na pós-graduação é a de que todos os tempos e espaços convertem-se em espaços e tempos de trabalho, seja em função do atropelamento informacional, seja pelas facilidades dos gestores ou órgãos reguladores demandarem tarefas: basta uma mensagem via dispositivos digitais e móveis para acionar os professores, a qualquer momento. Em sentido semelhante, de acordo com os relatos dos pesquisados, as facilidades comunicacionais instauradas pela cultura digital proporcionam a instauração de uma cultura de total disponibilidade do orientador aos alunos e/ou orientandos. Nesse sentido, a ubiquidade do trabalho faz com que alguns professores considerem que não há mais fronteiras entre tempos de lazer e de trabalho: o professor de pós-graduação tornou-se “atemporal” (sic).

Simultaneidade: ser multitarefa e onipresente com as tecnologias

Outra característica da ubiquidade, típica da cultura digital, é a potencialização do fenômeno da simultaneidade. Com o redimensionamento dos deslocamentos por espaços on-line e off-line é possível ao indivíduo desempenhar atividades diversas ao mesmo tempo: um dos aspectos mais destacados pelos participantes da pesquisa é a simultaneidade da realização de tarefas com o uso de tecnologias, prática habitual para 84% dos pesquisados. Mas, se por um lado, a simultaneidade de realização de tarefas pode levar a uma economia de tempo em muitos processos, para além dessa vantagem aparente, entre os depoimentos dos docentes há inúmeras manifestações sobre as repercussões dessa condição de ser multitarefa.

A capacidade de ser multitarefa é um dos atributos elogiados e desejáveis que emergem dos discursos no âmbito da cultura digital. É o que distingue, inclusive, os chamados “nativos digitais” [6]. Ser multitarefa, no entanto, também está relacionado a ser mais produtivo e eficiente realizando um certo número de tarefas ao mesmo tempo, por um determinado período. Por sua vez, ser multitarefa não traz nenhuma vantagem para o indivíduo, uma vez que modifica a economia da atenção, que se fragmenta e, no final, é destruída, como demonstra o filósofo alemão de origem coreana Byung-Chul Han em sua obra Sociedade co cansaço (2015). Além disso, estar sempre presente ou ser constantemente interrompido em suas atividades por meio de dispositivos digitais e móveis repercute na atenção parcial contínua, processo de “prestar atenção parcial continuamente, por causa de um desejo […] de conectar e ser conectado, de não perder nada, sempre em alto estado de alerta” (SANTAELLA, 2007, p. 239), que, como consequência, pode desencadear um paradoxal sentimento de vazio e a perda da capacidade de diferenciar situações que exijam alta e baixa densidade de atenção.

Han [7], referindo-se à falta de atenção profunda que o modo de vida contemporâneo fomenta, enfatiza que os desempenhos culturais da humanidade pressupõem uma ambiência em que seja possível uma atenção profunda. No entanto, a ubiquidade desloca a atenção profunda para uma atenção dispersa, caracterizada pela rápida mudança de foco entre diversas atividades, fontes informativas e processos – algo que William Powers,  sem a pretensão de ser científico, já havia anunciado em seu livro O BlackBerry de Hamlet: ultraconectadas, as pessoas estão fazendo várias coisas ao mesmo tempo, mas sem profundidade; sem tempo para a contemplação e reflexão que só o afastamento da ágora permite [8]. Nesse sentido, em conjunto com as condições de trabalho na pós-graduação, a ubiquidade instaura um obstáculo ao próprio trabalho intelectual dos professores, de modo paradoxal: ao mesmo tempo em que expande as possibilidades de trânsito em espaços distintos e simultaneamente – o que contribui, em termos de tempo, para o aumento da produtividade – desencadeia os controversos processos multitarefa e de atenção parcial contínua. Estes processos minam o estado de atenção profunda e contemplativa e de ócio, condição para os processos criativos que fazem parte da atividade intelectual e que repercutem na própria questão da produtividade.

Para a maioria dos pesquisados, a possibilidade de ser multitarefa não representa um aspecto necessariamente positivo da ubiquidade, pois prejudica a realização de outras atividades (para 80,1% dos pesquisados) e os momentos de lazer. De modo também expressivo, 77,1% dos professores avaliam que o uso das tecnologias digitais na pós-graduação favorece interrupções nos processos de trabalho, como, por exemplo, pausar a atividade para checar e-mails, acessar redes sociais e links não necessariamente ligados ao trabalho do momento, entre outros aspectos. Assim como ocorre com a distração durante as aulas, esse não é um fenômeno novo. O que as práticas sob a cultura digital instauraram foi o seu redimensionamento e ressignificação por meio da “magia das telas” a que se refere William Powers, em que a hipertextualidade e a hipermidialidade (ou seja, zapear de um link a outro indefinidamente) potencializam uma maior distração em períodos de tempo maior. Acrescenta-se a esse quadro o fato de que as tecnologias digitais contemporâneas, na emergência da web 3.0, adquirem cada vez mais características de invisibilidade, à medida que são plenamente incorporadas no cotidiano – o que pode resultar que nem as tecnologias, nem os seus usos, sejam facilmente percebidos pelos usuários, intensificando os momentos de interrupção de uma atividade em detrimento de outras.

Por fim, a potencialidade de estar presente em diferentes espaços ao mesmo tempo – o caráter de onipresença, que aparece como condição recém adquirida pela humanidade em função da ubiquidade – não representa, para a maioria dos professores pesquisados, vantagens ao trabalho docente na pós-graduação: para 74% deles, estar disponível via tecnologias digitais e móveis prejudica os momentos de lazer, visto que a qualquer momento podem surgir demandas de trabalho. Por sua vez, esse panorama parece ser uma realidade emergente no contexto do trabalho docente da pós-graduação, visto que 70% dos pesquisados ‘não desliga’ do trabalho em função dos usos das tecnologias, mesmo em momentos de lazer.

O futuro do trabalho: o trabalho ubíquo

Os atributos da ubiquidade, geralmente vistos sob aspectos positivos na literatura, como nas obras de Lucia Santaella e Mark Prensky, ganham novos contornos sob as condições do trabalho docente. Se a condição ubíqua permite mover-se por diferentes espaços simultaneamente, o lugar converte-se em transitório e o indivíduo passa a estar sempre presente, mesmo que esteja ausente. Mas, na lógica das condições de trabalho, a onipresença promovida pela comunicação ubíqua não tem nada de divina: ao contrário, inscreve-se nas condições humanas no limiar das características precárias de trabalho docente, pois significa que o indivíduo está onipresente para o trabalho, assim como o trabalho está onipresente para o indivíduo [lembramos a frase que Marx teceu, de que o homem que não dispõe de tempo livre e cujo tempo está todo absorvido pelo trabalho é menos que uma besta de carga].

Paradoxal e eventualmente, essa onipresença garante uma maior produtividade – o que pode ser visto como vantajoso em alguns casos. Mas a ampliação de tempos de trabalho e sua intensificação são as marcas que mais se evidenciam sob este aspecto, de acordo com os depoimentos dos professores da pesquisa, à medida que a aparente engenhosidade de ser multitarefa e mais produtivo se metamorfoseia em expropriação em massa de tempo e práxis [9] e à medida que “o excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração […] mais eficiente do que uma exploração pelo outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade” (HAN, 2015, p. 30).

Sem perder de vista às incontestáveis vantagens que os usos das tecnologias trazem para o tipo de trabalho realizado no âmbito da educação em suas diferentes modalidades e seus diferentes níveis, as repercussões da ubiquidade — não por elas mesmas, mas pela lógica de produtividade instaurada no trabalho docente — apontam para ambivalências e contradições.

No tocante aos significados e sentidos atribuídos pelos professores às alterações no seu trabalho docente com o uso de tecnologias digitais e móveis em função de tempos e espaços de trabalho, podemos evidenciar as vantagens de usos das tecnologias para a realização de algumas atividades que dispensam deslocamentos físicos e encontros presenciais. Mas, de modo mais contundente, o modo como os professores percebem essas alterações vão no sentido de que houve uma intensificação do tempo e uma ampliação de espaços de trabalho que, conjugadas, invadem tempos e locais de descanso, lazer, finais de semana, férias ou mesmo períodos de convalescência.

Em sentido semelhante, as relações entre as condições de trabalho e o redimensionamento de tempos e espaços de trabalho significa, para a maioria dos professores, diminuição do tempo livre e espaços, on-line e off-line, convertidos em espaços de trabalho. Por sua vez, as características do trabalho docente em função da ubiquidade que permeia o processo e em função do borramento de fronteiras (entre lugares e tempos, ausência e presença, público e privado) é representado de diferentes maneiras nos depoimentos dos professores. Estar sempre presente e ao alcance significa estar sempre disponível para demandas de trabalho. A dilatação de espaços significa extensificação de espaços de trabalho. Simultaneidade resulta na intensificação do trabalho, incluindo a invasão de tempos de lazer. Em alguns casos, desligar do trabalho significa desligar das tecnologias. A ubiquidade também resulta na condição de ser multitarefa, indicativo de mal-estar. E a onipresença propiciada no âmbito da ubiquidade pode significar “o fim do descanso” (sic), no limite da degradação do trabalhador.

A despeito das inúmeras potencialidades e indagações que a vida ubíqua suscita, não podemos perder de vista que esse modo de vida on-line também é alcançado pelas relações de produção do modo capitalista, que coloniza o tempo livre com obrigações em rede e que amplia os espaços de produção, ao passo que estende os tempos de produção.

Os depoimentos da pesquisa permitem evidenciar que o trabalho se torna ubíquo à medida que exige deslocamentos do off-line para o on-line de modo incessante. Nesse sentido, o próprio professor torna-se ubíquo, pela característica da sua atividade e também em função de estar imbricado em uma cultura cada vez mais digitalizada. Ser ubíquo e estar sempre presente em diferentes espaços também significa, no modo de produção vigente, estar conectado para produzir ou consumir durante todo o tempo.

A expressão “trabalho full time” com o uso de tecnologias digitais, que encontramos na pesquisa, pode não ser (ainda) uma generalidade, mas não podemos negar que as tecnologias mais importantes criadas nos últimos dois séculos foram aquelas para administração e controle dos trabalhadores 24 horas por dia, sete dias por semana, conforme Jonh Crary situa: a tessitura 24/7 “anuncia um tempo sem tempo, […] sem demarcação material ou identificável […]”. Implacavelmente redutor, celebra a alucinação da presença, de uma permanência inalterável, composta de alterações incessantes e automáticas. “[…] o caráter inexorável do 24/7 repousa em sua temporalidade impossível”. O trabalho ubíquo é apenas uma dimensão desse processo. E pode significar o futuro do trabalho.


Notas
[1] Ver, em especial, os trabalhos de Leplat e Cuny. LEPLAT, Jacques; CUNY, Xavier. Introdução à Psicologia do Trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
[2] ENGUITA, M. F. Tecnologia e sociedade: a ideologia da racionalidade técnica, a organização do trabalho e a educação. In: SILVA, T. T. (Org.). Trabalho, educação e prática social: por uma teoria da formação humana. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. p. 230-253.
[3] SANTAELLA, L. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus, 2013.
[4] O estudo foi concluído em 2016 como parte de minha pesquisa de doutorado sobre uso de tecnologias no trabalho em educação.
[5] SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
[6] Esse tema é recorrente nas obras de Mark Prensky, que formulou os conceitos de “nativos digitais” e “imigrantes digitais”, e que também ‘desenhou’ as características comuns dos nativos digitais, dentre as quais, as vantagens de ser multitarefa e executar mais rapidamente algumas tarefas. Essas temáticas aparecem nas seguintes obras de Prensky: Digital natives, digital immigrants. MCB University Press. Vol. 9, n. 5, 2001. “Não me atrapalhe, mãe! – eu estou aprendendo”. São Paulo: Phorte Editora, 2010.
[7] HAN, B. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
[8] POWERS, W. O BlackBerry de Hamlet. São Paulo: Alaúde, 2012.
[9] CRARY, J. 24/7 – capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
*Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisador na área de educação, cultura digital, trabalho e tecnologias.

Boatos na rede, educação e competência midiática

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A proliferação de boatos na rede é causa de atritos, de brigas em família e discussões sem fim que só ajudam a fortalecer as bolhas ideológicas, cujos muros são intransponíveis. O trabalho do educador midiático, nesse contexto, é como o trabalho de Sísifo, em que muitas pedras rolam do alto da montanha.

Por Rafael Cunha*

 


doleiro

Boato de 2014, criado com uma montagem a partir de uma imagem de um portal de notícias verdadeiro: tem gente que até hoje acredita

Nesta semana, o doleiro Alberto Youssef — uma das personalidades centrais da operação Lava Jato, em função da delação de outros envolvidos — trocou a carceragem pela prisão domiciliar. Dois anos atrás, ele havia sido morto, envenenado no fim de semana das eleições gerais, por suposto, antes que delatasse outros políticos poderosos. A notícia de agora é verdadeira e pode ser comprovada por qualquer agência de notícia. A de dois anos atrás, não, e era respaldada em uma montagem mais ou menos de baixa qualidade. A notícia de agora, verdadeira, quase não ganhou importância dos veículos de comunicação e possivelmente seja de desconhecimento de grande parte da opinião pública. A notícia de dois anos atrás, falsa, quase causou um furor nacional, embora tenha sido desmentida em poucas horas pelos médicos e pela família do suposto assassinado. Aliás, mesmo sendo desmentida, a crença no boato persistiu por mais um tempo em que o boato continuou circulando. Quiçá ainda hoje alguém mantenha o boato como notícia verdadeira. É aí que entra a complexidade para a atuação do educador midiático.

Tal como o destino de Sísifo, personagem da mitologia grega, astuto mortal que enganou a morte e que por isso foi condenado a passar a eternidade rolando uma pedra para o alto de uma montanha, até que ela rolasse de volta para a base, assim tem sido o trabalho exaustivo de quem trabalha com as mídias para o desenvolvimento de competências midiáticas. É possível que, no início da emergência da Web 2.0, não se vislumbrasse um trabalho tão complexo para a educação midiática do que o que se coloca nos dias atuais: a preocupação, há 10 anos ou pouco mais, ainda estava muito mais centrada no domínio técnico das ferramentas, para seu uso e produção de conteúdos e na analise crítica dos conteúdos midiáticos, na época, veiculado quase que exclusivamente pelos meios de comunicação de massa. Talvez, àquela altura, fosse demasiada preocupação o fato de que, como se coloca hoje, as próprias pessoas comuns estariam desenvolvendo conteúdos sem o mesmo cuidado (ou com as mesmas intenções perniciosos) necessário que, no fim das contas, servem muito mais à manipulação do que à informação; um desserviço à sociedade do que uma utilidade cultural. Há novos e complexos ingredientes quando se faz uma crítica à “mídia” nos dias atuais: nós, pessoas comuns, também somos “a mídia”.

A questão da competência midiática e da educação com, na e para as mídias é, sobretudo, um exercício de paciência. E um exercício sem fim, uma tarefa de Sísifo: por mais que se avance na discussão sobre a importância de verificar a fonte da informação antes de acreditar no que se vê nas redes sociais e, principalmente, antes de colocar novamente o conteúdo em circulação (o famoso “compartilhar”, que se tornou quase uma necessidade de sobrevivência), cotidianamente nos deparamos com uma infinidade de boatos, distorções, montagens grotescas ou qualquer outra coisa que, no limite, só tornam a rede um lugar mais estéril de se habitar por aqueles que, minimamente, se pretendem ser críticos.

Para o educador midiático, a desolação é ainda maior quando um ente próximo adere à onda do “primeiro publico, depois me importo com a veracidade do conteúdos”. Então, o estrago já está feito. Trata-se de uma imprudência sobre a fata de mensuração das consequências inconsequentes de um ato aparentemente ingênuo — compartilhar. Mas também se trata de um resultado nefasto do analfabetismo midiático que, parece, generalizado (por mais contundente que isso possa soar): ela não afeta apenas os indivíduos com baixa escolaridade ou instrução, mas é própria do universo de pessoas estudadas, de jornalistas a advogados — o exemplo emblemático mais recente é o boato disseminado pela advogada e professora da USP, Janaina Paschoal, de que a Rússia estaria se preparando para invadir o Brasil; nesse caso, nem uma pessoa supostamente intelectualizada, com formação em doutorado, está imune à histeria coletiva ou isenta de praticar a boataria, que pouco tem a ver com racionalidade. O observador crítico vai perceber que o mesmo boato (por exemplo, a invasão do Brasil) é utilizado por grupos antagônicos para diferentes fins: se acontecesse “Y”, a Rússia invadiria o país; ou em caso de ameaça de “Y” acontecer, a Rússia invadiria o país para defender “Z”. Em qualquer um dos casos, portanto, a Rússia teria invadido o Brasil. Mas até agora, é mais plausível que brasileiros invadam a Rússia, não para uma guerra, mas para assistir à próxima Copa do Mundo de futebol masculino.

Esse é apenas um ínfimo exemplo de boato corriqueiro nas redes sociais, para desespero dos educadores midiáticos. Costuma-se consagrar o Facebook e o WhatsApp como portadores da disseminação de boatos, por serem redes sociais popularmente utilizadas. Mas o YouTube é um oásis de pérolas da boataria; algumas até bem convincentes, que podem confundir o indivíduo, mas que extrapola os limites do concreto, do racional quando se tem o mínimo de competência midiática para vislumbrar os contornos do plausível, do concreto e do fictício. Uma pesquisa corriqueira da expressão “invasão do Brasil” no YouTube basta como exemplo do assustador número de boatos e seu alcance na internet. Parece que esse é um território livre para cada um criar a fantasia que quiser, compartilhá-la como dado da realidade e, então… as consequências são improváveis, dependendo do alcance do vídeo: desde usuários da rede se digladiando em torno do tema, até as práticas que lembram aquela brincadeira “quem conta um conto aumenta um ponto” para endossar o conteúdo. Espalhe-se um boato, em determinado grupo, que há uma conspiração para algum país vizinho invadir o Brasil e logo aparecerá nos comentários alguém jurando que viu tropas estrangeiras se mobilizando na fronteira, portanto, uma testemunha ocular que comprova que o boato é verdadeiro. Mas o mais importante (e perigoso): esse não é um fenômeno nada novo. A boataria já era um obstáculo à democracia, pelo mal-estar da opinião pública, há 2.500 anos em Roma. Voltaremos a esta questão depois. Antes, precisamos falar das competências midiáticas para o tempo presente.

Há um hiato que chega a ser paradoxal: qual o limite entre a crítica sobre um determinado produto midiático e o efeito que ele exerce sobre mim e que influencia as minhas práticas?

Píer Rivoltella, um dos pesquisadores de mídia-educação de influência no país, há mais de uma década alertava sobre a questão da necessidade de desenvolver competências midiáticas e fazia uma alusão à relação dos professores com a televisão. Para ele, todo mundo, genericamente falando, faz críticas aos conteúdos (e suas formas) da TV, mas paradoxalmente todo mundo assiste a esses conteúdos com certa regularidade. Parece claro que entre a crítica, racionalizada, em um momento de distanciamento, e o consumo cultural que se realiza em um momento de distração, entretenimento, ou seja, em um momento em que não estamos com “olho vivo, faro fino e pé atrás” — aludindo àquela canção de Humberto Gessinger — há um hiato que chega a ser paradoxal: qual o limite entre a crítica sobre um determinado produto midiático e o efeito que ele exerce sobre mim e que influencia as minhas práticas? É esse hiato, esse espaço de mediação, que parece cada vez mais nebuloso. É nesse espaço que reside a importância de atuação do educador midiático. É aí onde se realizar o trabalho de Sísifo: interminável e com poucos progressos.

Acrescenta-se a essa questão outros problemas sociais enraizados em nossa cultura: a falta de uma verdadeira inclusão digital, coexistente com acesso amplo da população aos recursos digitais e multimidiáticos; o analfabetismo funcional; a presença quase cristalizada (um habitus, nas perspectiva bourdieusiana) de uma cultura de dominação simbólica ou não. E o principal desafio da educação digital: o fato de grandes parcelas dessa massa de indivíduos estarem inseridas, compulsoriamente, em uma cultura que emerge tendo por base a co-produção de conteúdos digitais, mas sem as oportunidades educacionais e culturais prévias que lhes permitam não apenas o acesso, mas a alfabetização midiática — aqui entendendo alfabetização no sentido freireano de alfabetização de mundo.

Ainda faltam, ao que parece, pesquisas acadêmicas que mostrem as motivações desse tipo de comportamento de compartilhar qualquer coisa à qualquer custo, desde que a pessoa se identifique com a “causa”. As motivações das fontes geradoras podem até ser mais facilmente identificáveis: insuflar a opinião pública contra um determinado grupo de pessoas (ou conta um indivíduo em particular) que representam ou expressam um determinado conjunto de pensamentos. É possível e provável que um boato gere outros boatos e ajude a cristalizar certos discursos contra esses grupos. Seria necessário, portanto, uma genealogia desses boatos em rede. Aqueles que são contra grupos políticos ou ideologias que elas carregam podem ser mais facilmente possíveis de identificar e uma hipótese plausível dessa genealogia é a de que a origem dos boatos não tenha sido contra um indivíduo, personificadamente, mas o conjunto de valores, crenças e ideias que ele representa. A história ensina que as ideias sobrevivem aos indivíduos, mas isso nunca foi motivo para que se parasse de agredir e assassinar indivíduos que portam certas ideias. O alvo político da boataria na internet caminharia nesse sentido: na impossibilidade de atacar ideias, atacam-se pessoas, na possibilidade de atacar ideias, faça. Talvez o exemplo mais assustador seja o constante ataque aos “direitos humanos”, como se fossem uma pessoa ou algum tipo de organização social, e não aquilo o que são: um conjunto de direitos de todas as pessoas. Os boatos que têm como alvo os “direitos humanos” é o tipo de ataque irracional a si próprio. No entanto, os boatos que não têm aparentemente uma carga ideológica ou política e que, aparentemente, só servem para instaurar algum tipo de caos, esses ainda precisam ser explicados por alguma ciência, que talvez nem sejam as da comunicação.

As calúnias e boatos já eram um problema social e político em Roma, nos tempos da república. O que mudou de 2.500 anos para cá é apenas a arena em que esses boatos se estabelecem. A praça pública não saiu de cena, mas a internet a sobrepujou.

Por sua vez, nem se pode dizer que esse é um fenômeno típico da cultura digital: as calúnias e os boatos já eram um problema social (e político) desde a época de Roma, como nos lembra Maquiavel. Um problema tão grande que levou a alterações nas leis e na própria estrutura política da república romana. O que mudou em 2.500 anos, portanto, é apenas a arena em que os boatos se disseminam. Mas essa mudança de arena possui um agravante: se antes, nas sociedades estruturalmente menores, era menos dificultoso identificar as fontes geradoras de um boato e elas estavam mais próximas de pessoas que detinham ou não algum tipo de autoridade, o rastreamento, o julgamento e, conforme o caso, a punição, eram mais facilmente colocados em ação. Foi assim que surgiram as leis do direito de acusação pública em Roma. Já na arena das redes sociais, apesar de não estarem imunes ao arcabouço jurídico e legal que pode ser acionado em muitos casos, as consequências são ainda mais perniciosas do que aquelas a que Maquiavel se referia: a arena é mais ampla e mais fluida; ela se estende do espaço on-line para o off-line e faz o caminho de volta, num movimento espiral e quase incontrolável. A penetração do boato é mais imediata e seus efeitos mais duradouros: os links, os memes, as referências se proliferam e persistem na rede mesmo após a morte do boato (por esquecimento ou por desmentimento).

Mas o boato também deixa uma “herança”: aqueles que não estiveram no centro do alcance do boato podem ter acesso tardiamente aos seus fragmentos, meses, quem sabe anos depois. E se esse indivíduo não tiver a competência midiática, pode reiniciar o ciclo do boato, espalhando-o para outras bolhas (ou os nós das redes sociais) que originalmente também não haviam tido acesso a ele. E dependendo do fragmento encontrado, do nível de acesso ao boato original e, claro, de senso crítico, pode haver um novo boato, remixado, distorcido, haja vista que a remixagem está na base da co-produção de conteúdos típica da cultura digital. Diferentemente da praça pública romana, as arenas das redes sociais têm uma certa memória, com suas vantagens e desvantagens, que pode tornar o ciclo de um boato interminável, cujas repercussões, para as vítimas, podem ser permanentes: não é à toa que o cyberbullying tem efeitos muito mais catastróficos do que o bullying tradicional e que já tem em sua conta uma variedade de casos de suicídio. Se em um contexto ‘analógico’, um nudes [1] tinha um alcance mais ou menos limitado no tempo e no espaço e dificilmente era reproduzível, o mesmo fenômeno na cultura digital ganha proporções indeletáveis, dado o grau de alcance (imediato) no espaço, o grau de replicação e reprodução do conteúdo e suas remixagens [2].

Há, ainda, um outro elemento do boato em rede que torna mais difícil o seu desmantelamento e que repousa na questão da ubiquidade. A mobilidade, mais precisamente, o uso de dispositivos móveis, colocou novos elementos no rito da conexão e no alcance dos conteúdos digitais. Os grupos de WhatsApp nos quais circulam áudios cuja autoria se perdeu, de compartilhamento em compartilhamento, são o exemplo mais banal desse movimento. A ubiquidade atua nesse sair do on-line, penetrar no off-line e entrar de novo em rede sem um rito de conexão, um atuar simultâneo em diferentes espaços, uma espécie de onipresença que serve como portador do transbordamento de conteúdos de uma para outra ambiência. No caso do boato, esse movimento pode ser catastrófico, visto que esse “sair” da rede apaga os seus rastros, mas continua circulando na rede social off-line. Comparado com a praça pública romana, a rede social digital é muito mais poderosa nesse sentido, operada pela mobilidade, pelo duplo movimento da ubiquidade e por um espaço multimensional cujo alcance do conteúdo só pode ser estimado estatisticamente, com amplas e desconhecidas repercussões qualitativas para a psique humana, individual ou coletiva.

Ainda, existe a questão da autoridade. Um boato bem formulado em termos de forma (como o ilustrado na imagem sobre a suposta morte do até agora vivíssimo Alberto Youssef), com aparência de notícia verdadeira, pode enganar à primeira vista até aos não-adeptos de boatos. No caso dos áudios de WhatsApp, basta o locutor ter uma entonação convincente e dizer que é o Major Peçanha, comandante da divisão do exército da fronteira, que o ouvinte menos desprovido de senso crítico pode realmente achar que o exército russo escondido na floresta amazônica está prestes a invadir o Brasil e que, enquanto cidadão brasileiro, é seu dever passar aquela mensagem adiante (nunca fica muito claro qual a finalidade de passar a mensagem adiante, mas esse é outro tema que merece uma análise à parte). Em ambos os tipos de casos, está posta uma autoridade no boato, mesmo que a autoridade não seja comprovada como existente, ou seja, mesmo que não exista autoridade para respaldar o conteúdo. Mas mesmo que existisse, de fato, uma pessoa ou organização “real” com autoridade sobre o assunto, em tempos de internet há uma crise ou inversão de autoridades talvez sem precedente. E aqui não estamos nos referindo a autoritarismo. Estamos falando de quebra de credibilidade ou mesmo de inversão de autoridade, não em função da propriedade sobre um determinado assunto, mas de com qual tipo de ideologia essa ‘autoridade’ se identifica em relação ao tema do boato. Isso explica porque, em certa medida, os médicos ou a família do doleiro Alberto Youssef não tiveram “autoridade” suficiente para desmentir o boato de sua morte, ao menos num primeiro momento ou entre alguns grupos.

É possível dizer que nunca houve tantas possibilidades técnicas de se manter bem informado em conflito com as dificuldades concretas disso. Estão em xeque as teses da sociedade da informação que defendem que um acesso maior às informações conduziria a sociedades com indivíduos mais bem informados. As dificuldades concretas residem na baixa alfabetização midiática da população.

Esse jogo de forças é interessante sob muitos aspectos, pois estamos diante de um fenômeno novo no qual, ao final das contas, existem pessoas comuns que passam não apenas a acreditar em um boato, mas a defender a legitimidade do boato com uma certa autoridade sobre ele; mesmo que não tenham as condições materiais ou concretas para comprovar a origem da fonte ou a veracidade da informação. Este é um tema que as ciências humanas e sociais ainda precisam investigar melhor. A novidade consiste justamente no fato de que, com as redes, as possibilidades de uma consulta sobre a veracidade da informação foram ampliadas, antes de se cair nas armadilhas da rede de boatos. O paradoxo é que, se antes o controle das informações ficava circunscrito a um grupo privilegiado de pessoas (o que tornava mais fácil a manipulação das massas indivíduos), com a democratização do acesso às informações, esse não seria, em tese, um obstáculo ao cidadão bem informado. Dominique Wolton, em seu Internet, e depois?, centra suas análises justamente nesse sentido, na contracorrente das teses que defendem que mais acesso a informações resultaria, inexoravelmente, em uma sociedade com indivíduos mais bem informados, o que a cada dia tem se mostrado falso. O paradoxo do tempo presente, nesse caso, lembra o que Boaventura de Sousa Santos fala sobre o desenvolvimento do mundo: nunca houve tantas possibilidades técnicas, mas em choque com as impossibilidades políticas.

cultura

Nem o novo ministro da cultura fica imune aos efeitos dos boatos ou, nesse caso, à falta de consequências midiáticas. Em 2012, o site de humor G17 “informou” que, a pedido da ex-presidente Dilma Rousseff, as notas de R$ 1,00 teriam a frase “Deus seja louvado” (que, por sinal, é uma ironia num Estado laico) fosse substituída por “Lula seja louvado”. A reação do atual ministro da cultura no Twitter foi imediata e beirou o ridículo, haja vista que a própria “notícia” do site de humor dava o tom anedótico do assunto: “‘Nem Deus, nem Zeus, nem Goku nem Galileu, coloquem o nome do Lula’, teria dito a Presidente Dilma para encerrar a confusão”, dizia a sátira. O exemplo é emblemático, hoje, pelo anúncio de Freire como o homem a comandar a cultura no país. Mas existem outros igualmente anedóticos. Nesses casos, até as matérias do notório site Sensacionalista, às vezes, são confundidas com notícias reais, o que mostra o quanto o campo de atuação do midiaeducador é vasto, amplo e com as mais variadas dificuldades a serem contornadas.

 

Não é exagerada a hipótese de que a criação e disseminação de boatos é um novo nicho de mercado, que encontrou terreno fértil nas redes sociais. Muitos grupos e páginas especializadas em, simplesmente, fazer fofoca, podem ser facilmente encontrados na internet. São nichos de mercado à medida em que aparecem como “links patrocinados”, o que imediatamente coloca a questão: quem patrocina um boato (muitas vezes grotesco) e com qual finalidade? E aqui não estamos nem nos referindo somente a páginas supostamente jornalísticas que distorcem ou editam acontecimentos, nem a grupos de militância ideológica que mostram apenas a sua versão da história; mas a agentes (indivíduos, grupos, organizações) que se especializaram em plantar notícias falsas, com pouca aderência aos acontecimentos concretos. Trata-se, em certa medida, de um tipo de arremedo mais elementar e bizarro dos tabloides, os quais muitos veículos de comunicação se tornaram [3].

Por fim, a cultura do compartilhamento em si mesmo que está se estabelecendo nas redes sociais possui outro aspecto danoso, quando se refere a notícias falsas e/ou boatos: nem todo conteúdo pernicioso pode ser enquadrado como crime, embora as consequências dos seus danos sejam duradouros. Não no dano entendido pelos juristas, mas no dano à inteligência, à intelectualidade, à própria cultura. Há algumas opiniões de que a internet abriu as porteiras da ignorância (Umberto Eco quase foi novamente morto quando sua entrevista nesse sentido ganhou visibilidade no Brasil). Com a diluição da autoridade, é comum ler comentários de cidadãos medianos dizendo que o entrevistado fulano não sabe de nada, mesmo que esse fulano entrevistado tenha um pós-doutorado e faça pesquisas naquela área há 20 anos. Ou ainda, é corriqueiro cidadãos comuns, entre eles adolescentes, chamando essas personalidades para o debate nos comentários de alguma notícia, querendo, talvez, provar sua autoridade numa suposta vitória em um fórum de internet — algo que lembra os duelos de vida ou morte em tempos passados, que achávamos menos civilizados [4].

Essas questões, colocadas acima, são ainda campo fértil para investigação acadêmica, mas também, como exposto no início do texto, um desafio permanente e cansativo ao educador midiático, dada a repetição e as tentativas fracassadas de constituir uma rede mais politizada. Um autêntico trabalho de Sísifo. Mas, diferente da mitologia, mais de uma pedra está rolando montanha abaixo. E com elas, talvez, toda a prospecção utopista feita em torno de uma sociedade cibernética e da emergência, em torno e por causa dela, de multidões inteligentes.


Notas
  1. Observa-se que o termo “nudes”, corriqueiro na atualidade, nem mesmo existia tal como conhecemos em períodos mais analógicos, ou seja, pré-internet.
  2. São notórias as disputas judiciais de celebridades para remoção de seus conteúdos íntimos da rede. Uma tarefa quase impossível, pois uma vez postada, não há mecanismos que impeçam alguém de ter feito o download para circulação extra-rede ou em ambiências de difícil rastreamento, como a deep web. Por sua vez, não são notórios os casos de pessoas comuns que estão na mesma situação e que, portanto, ganham menos visibilidade que as celebridades. Em ambos os casos, acrescenta-se um agravante, propriamente das remixagens. Em muitos casos, como nos de fotos íntimas ‘vazadas’ para a internet, páginas e usuários aumentam o alcance por meio de montagens de outras fotos. Alguém que tenha uma foto íntima vazada, por exemplo, pode ver esse número ampliado para tantas quantas forem possíveis, desde que se encontrem modelos fisicamente parecidas. Obviamente esse fenômeno é quase tão antigo quanto à própria fotografia. O famoso caso das fotos da Princesa Diana, pouco antes do casamento com o Príncipe Charles, pode ser considerado um exemplo clássico. A questão é que com o alcance da rede, esse fenômeno saiu do controle.
  3. Os resultados de uma prática de alfabetização midiática pode ser encontrado no trabalho de grupos como o Caneta Desmanipuladora. A partir do entendimento de que a forma como são noticiados os acontecimentos partem de vieses políticos e ideológicos do jornalista ou do grupo de comunicação para o qual trabalha, a prática do Caneta Desmanipuladora consiste em reescrever manchetes de jornais e revistas, dando transparência à informação, e despindo as sutilezas várias vezes utilizadas pelos jornalistas. Mas, para além dessas manchetes, de veículos de comunicação que se pretendem isentos, outros veículos de comunicação tradicional não têm a mesma parcimônia em demonstrar que, de fato, deixaram de fazer jornalismo para fazer fofoca. No Brasil, o caso mais emblemático é a decadência evidente da Revista Veja, uma das mais importantes publicações sobre política e economia, mas que assumiu seu descompromisso com o conceito de jornalismo, chegando a publicar matérias completas com base em boatos e praticando o “quem conta um conto aumenta um ponto”, ou seja, ampliando os boatos a partir de um boato inicial.
  4. Uma evidência desse comportamento perigoso entre os jovens tem sido cada vez mais corriqueira na internet. Tem sido comum encontrar comentários de jovens e adolescentes que “chamam par o debate” seus supostos oponentes. Emblemático é o caso de um adolescente que não concorda com a colocação, em um vídeo no YouTube, do professor Leandro Karnal, sobre o esvaziamento da democracia na ditadura militar brasileiro: “Esse professor não aguenta meia hora de debate comigo”. Está posta uma inversão de autoridade concedida pelas redes, como se informar-se nas redes sociais seja suficiente para desconstruir a própria história. Mas também merecem atenção os comportamentos de “líderes mirins” de algumas páginas cujo financiamento é desconhecido, que não se contentam em contra-argumentar às ideias com as quais não concordam: tentam desqualificar o portador do discurso. Nesse caso, também tem sido comum o “chamar para o debate”, algo que, em função do tom do discurso, em algumas ocasiões pode ser traduzido como: venha para o duelo que eu acabo com você. As ideias se perderam; o que importa é derrotar o oponente. Sua morte, mesmo que simbólica, é um desejo tão bárbaro quanto os daquelas sociedades em que os líderes eram construídos em um duelo de pistolas ou de espadas, uma espécie de “faroeste caboclo high-tech“.
 *Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisador na área de educação, cultura digital, trabalho e tecnologias.

5 anos de Mídias, Educação e Tecnologias

Em 2011, no Brasil, o Facebook ainda não era a rede social sem concorrência e sem alternativas concretas. O Orkut ainda era o preferido, principalmente entre os usuários adolescentes e jovens. Em 2011 era inimaginável o seu fim. Assim como o início do WhatsApp. E o WikiLeaks, indicado ao Prêmio Nobel da Paz naquele ano, por um parlamentar sueco, era uma possibilidade real de ciberdemocracia planetária. Assim como a Primavera Árabe, na qual o uso das mídias sociais na internet foi fundamental.

Em 2011 ainda tínhamos uma sede incontrolável por conectividade e quase ninguém se preocupava com os efeitos colaterais de seus excessos — de fato, o livro “O BlackBerry de Hamlet” nascia nesse ano, pregando uma desconectopia como resposta ao excesso de telas no nosso cotidiano. Em 2011, a luta por uma internet livre estava mais forte do que nunca, diante das ameaças também mais fortes do que nunca para minar um território até então dominado pela contracultura digital. A internet era, com seus usuários, um local privilegiado para fugir das mídias de massa manipuladoras e consolidadas. Era.

Em 2011, o clima político e social no país era muito mais brando e, consequentemente, os conteúdos que repercutiam nas redes sociais ainda eram aqueles ligados às comunidades divertidas do Orkut, a músicas e clipes compartilhados na internet (os videoclipes haviam migrado definitivamente para o YouTube, e os que não haviam migrado por obra das gravadoras eram migrados — com menos qualidade, é verdade — na marra pelos próprios usuários, que estavam remixando tudo, numa efervescência cultural bem mais livre do que hoje em dia, com os blogs especializados e artistas profissionais de internet). Uma olhadela a cinco anos no tempo, nas páginas da internet, permite evidenciar algumas coisas interessantes, bem diferentes das de hoje: o conservadorismo carrancudo (parente do extremismo e do fascismo) não tinha muita adesão na rede. Os que xingavam, descarregavam seu ódio ou ofendiam eram simplesmente banidos da maioria das comunidades — e esse era o cartão de visita da maioria das páginas. Os “haters” não transitavam tão tranquilamente pelo ciberespaço, mas já existiam, sob a forma de fakes: hoje em dia, assumem sua identidade sem nenhuma cerimônia. Uma primeira vista nos vídeos, fotos e posts dessa época, em boa parte das redes sociais, permite identificar uma predominância de adesão a causas nobres, ode a amizades (quem não lembra dos depoimentos do Orkut?) e à esperança. O futuro — social e da internet — não se apresentava tão nebuloso como hoje e os comentários nas redes sociais definitivamente não eram parte de uma arena polarizada de lutas. Não havia (ao menos toleradamente) um fluxo de ódio capaz de transbordar do mundo on-line para o mundo off-line e, quando isso acontecia, as pessoas ficavam estarrecidas. Muito diferente dos dias atuais, em que grupos se especializaram em criar perfis fakes, disseminar boatos e coordenar ataques a grupos e pessoas, no mundo digital e físico. Ou, como dizia Renato Russo, o futuro não é mais como era antigamente. Mais do que mero saudosismo, a comparação das redes sociais de 2011 e de 2016 deixa poucas dúvidas de que retrocedemos enquanto sociedade e humanidade.

Em 2011, o livro “Facebook e educação: publicar, curtir, compartilhar” ainda era inimaginável. E o uso do Facebook par apoio a aulas ou projetos educacionais era muito, mas muito restrito, muito diferente dos dias atuais. Em outubro de 2011, iniciamos o projeto de usar o Facebook como estratégia e recurso educacional para a disciplina “Mídia, infância e educação”, para o semestre 2012/1. E o primeiro desafio foi fazer com que metade da turma tivesse um perfil no Facebook — o que hoje pode soar como algo prosaico. Terminado o semestre, o projeto continuou, sob o nome Mídias, Educação e Tecnologias, com outro viés e maior abrangência, acompanhando as transformações na sociedade e suas repercussões na cultura digital e no cotidiano em geral.

Em cinco anos muita coisa mudou. E a internet se tornou um lugar muito mais inóspito, um meio termo entre a utopia e a distopia, se aproximando cada vez mais dessa última. E para resgatar um pouco dessa história e, quem sabe, do caminho que deixamos de seguir, a página iniciou um projeto de humanização da internet, sem pretensão de ser viral ou começar uma corrente: mas apenas para aliviar a tensão e o peso do Facebook com suas bolhas ideológicas e haters, com sua falta de diálogo e muros intransponíveis de falta de empatia que, no mais das vezes, leva amigo a bloquear amigo, familiares a se excluírem e colegas a usar aquela útil opção de deixar de ver o que o colega postou.

Nos 5 anos de Mídias, Educação e Tecnologias, todo dia terá uma música bacana na página. Toda semana um livro sobre os temas que passam na página e no blog. Todo mês uma sessão especial direto do blog. E os fieis seguidores da página, professores ou estudantes, podem enviar inbox para sugerir novos assuntos e temas para publicação na página e/ou no blog.

 

 

Vendo e aprendendo #2 – A conquista da honra

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Mídia, guerra e convencimento

Na década de 1930, um programa de rádio na costa leste dos EUA transmitia uma espécie de radionovela, Guerra dos Mundos — inspirada no livro homônimo. Conta-se que ao anunciar, ao vivo, uma invasão alienígena (que era o mote da história) a rádio provocou um pânico coletivo nos ouvintes e muita gente foi para a rua para fugir ou enfrentar a ameaça. O incidente se tornou icônico para evidenciar o poder de convencimento da mídia sobre a opinião pública acerca de histórias verdadeiramente falsas ou falsamente verdadeiras, parafraseando Bourdieu em seu “Sobre a Televisão”. Embora esse relato quase centenário possa soar como prosaico, ainda hoje a opinião pública é formada pelo noticiário da TV, do jornal e da internet: a mídia é a lente com a qual vemos o mundo cotidiano, com um agravante: os jornalistas não trazem a informação; o fato, mas já trazem o fato interpretado. É por isso que acontecimentos como atentados em Paris ganham mais repercussão do que a resposta europeia aos terroristas sírios e, com isso, o bombardeio que atingiu populações civis e matou dezenas de crianças na Síria é um evento quase que desconhecido da massa.

A propaganda ideológica foi e é muito utilizada para convencimento da opinião pública. E, nesse contexto, o poder das imagens mexe com o coletivo quando elas são usadas nessas peças publicitárias. Como seres imagéticos, somos coprodutores de sentidos das imagens às quais somos expostos. Seu efeitos, em termos de sensações, emoções e sentimentos são muito mais imediatos do que outras formas de conteúdo, como textos (mas poderíamos incluir sons e cheiros que nos chegam por outros órgãos dos sentidos, tão importantes quanto a visão, mas usados de forma coadjuvante quando vemos). Sendo seres imagéticos, as primeiras formas de representar o mundo que utilizamos foram justamente as imagens, ainda hoje visíveis em sítios arqueológicos. A representação do mundo no que diz respeito a batalhas e guerras (e suas personalidades) se perpetuou através das gravuras e da pintura, até que no século XX o advento da fotografia acompanhou praticamente todas as principais guerras do século. Mais do que representar os acontecimentos (e, portanto, representar o mundo), a escolha da foto perfeita para estampar capas de jornais e revistas era — e é — a estratégia perfeita para produzir significados e formar uma opinião coletiva e consensual sobre determinado evento. Esse é o mote do filme A Conquista da Honra, sobre a icônica foto de guerra na Batalha de Iwo Jima, no Japão, no final da Segunda Guerra Mundial. Uma narração, nos primeiros minutos do filme, dá a tônica da história: “Muitas fotos foram tiradas naquela guerra. Mas a maioria ninguém queria ver […]. A foto certa pode vencer ou perder uma guerra”. A foto “certa” foi encontrada pelos EUA para dar fôlego a uma guerra que não era bem vista pela opinião pública norte-americana.

A história

A história do filme é sobre uma foto de guerra. Mas não uma foto qualquer: a foto “certa” que pode vencer uma guerra. O filme, cujo título original é Flags of Our Fathers é baseado no livro homônimo (2000), de autoria de James Bradley, filho de John Bradley, um dos personagens da foto icônica.
O diretor Clint Eastwood (consagrado em filmes como Os Imperdoáveis [1992] e Menina de Ouro [2004]) conseguiu um feito fantástico com “A Conquista da Honra”: aclamado como “obra prima” e “espetáculo avassalador”, o filme, provocativo e baseado em fatos reais, tirou do nevoeiro dos anos uma história que, se não esquecida, propositadamente foi deixada em segundo plano na participação norte-americana na Segunda Guerra. Trata-se da repercussão de uma das fotos mais emblemáticas do século XX e que muitos consideram como decisiva para mudar os rumos da guerra para os aliados.

Milhares de fuzileiros navais (estima-se em 70 mil) participaram da sangrenta batalha de Iwo Jima, uma ilha estratégica para o controle naval e aéreo e para manobras militares no Pacífico da Segunda Guerra. Àquela altura, a situação econômica do governo norte-americano e a opinião pública duvidosa sobre o desfecho da participação das tropas do país na guerra deixavam os EUA em posição delicada. Emboscados pelos japoneses encrustados na ilha montanhosa, os primeiros fuzileiros a desembarcarem foram destroçados pelo inimigo. No 5º dia de combate, um pelotão conseguiu avançar posições sobre os japoneses e, após a vitória parcial, um grupo de fuzileiros escalou um monte e hasteou a bandeira dos EUA na ilha. O efeito, para as tropas que ainda não haviam desembarcado e para os soldados que estavam na praia, foi animador (até então parecia impossível vencer os japoneses). Um político influente pediu a bandeira como prêmio e outro grupo precisou hastear uma segunda bandeira no lugar da primeira. Quase ninguém percebeu a troca.

Longe da emoção da vitória e já em ambiente bem mais seguro, foi esse segundo erguer de bandeira o que entrou para a história: registrado pelo fotógrafo Joe Rosenthal, a foto correu o mundo e foi reproduzida na capa de todos os principais jornais norte-americanos. Ainda que a vitória em Iwo Jima estivesse longe (a batalha duraria mais um mês após a foto), a imagem circulou pelo país como sinônimo de vitória dos aliados. E foi usada como estratégia do governo para angariar fundos para manter a guerra. A Conquista da Honra conta o regresso de John “Doc” Bradley (Ryan Phillippe), Rene Gagnon (Jesse Bradford) e Ira Hayes (Adam Beach) (os fuzileiros que ajudaram a erguer a bandeira morreram em batalha logo após a foto) em turnê pelos EUA promovendo a fotografia a fim de levantar recursos para a manutenção da guerra. Com encenações e simulacros (inclusive omitindo quem eram os verdadeiros protagonistas da cena) em apresentações para grandes públicos em estádios de futebol e em festas de elite e envolvidos em conflitos particulares, o trio enfrentou a polêmica de serem forjados heróis e as suspeitas de serem parte de uma fraude, ao passo que percorriam o país convencendo a opinião pública e empresários a comprarem bônus que seriam revertidos em suprimentos e equipamentos de guerra para as tropas em combate.

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A foto original de Joe Rosenthal durante a Batalha de Iwo Jima (1945)

Imagens de guerra e opinião pública: o papel da mídia

É notório o papel da fotografia na Segunda Guerra Mundial, de forma inédita. Além dos fotógrafos das próprias tropas (tanto das nazistas quanto as das aliadas), viajavam com elas correspondentes de agências de notícias que registratavam o cotidiano da guerra e seus horrores. Os acervos de fotografias da guerra são diversos e extensos, o que nos ajuda, atualmente, a compreender um pouco esse acontecimento histórico. Contudo, em termos de cobertura jornalística, algumas fotos mais impactantes eram selecionadas (tal como ocorre na atualidade) para expressar dado acontecimento. Nesse sentido, fica implícito — para não dizer oculto — que uma fotografia, por si só, já é um recorte da realidade, de acordo com a posição (política, de concepção de mundo, técnica e física no local do acontecimento) do fotógrafo. E que, em conjunto, as fotografias de um acontecimento formam um quadro complexo de análise, mas sozinha, pré-selecionada por outros, uma fotografia, sozinha, pode levar a equívocos. Esse é o caso da foto da batalha de Iwo Jima. O acontecimento emblemático do hasteamento da bandeira original nunca foi fotografado. A substituição da bandeira, sim; com outros personagens. E, no entanto, foi esse segundo acontecimento e esses outros personagens que entraram para a história.

Atualmente, com acesso mais amplo às fotografias da Segunda Guerra, vários outros sentidos podem ser atribuídos, diferentemente do que acontecia na época.  Atualmente, pelo conjunto de fotografias sabemos muito mais do que um leitor da Time sabia, naquela época, quando via uma imagem isolada do evento, normalmente veiculados em jornais e revistas acompanhadas de uma descrição muitas vezes redigida por quem nem estava no local da guerra. Atualmente podemos, inclusive, questionar muitas dessas descrições e perceber as fotos que foram encenadas, de uma maneira diferente do leitor que, na emoção do acontecimento, se deixa levar pelo impacto visual da imagem e pela descrição normalmente convincente dela. E essa é uma das principais lições do filme: ponderar até que ponto as imagens que nos chegam pela mídia nos dias de hoje são falsamente verdadeiras e verdadeiramente falsas e que, em última instância, contribui para formarmos nossa visão de mundo.

Em tempos de redes sociais na internet, muitas vezes é comum veicular imagens fora de contexto em “notícias” (que às vezes não passam de boatos ou, pior, falsas construções) para que se tornem virais. Em alguns casos, alguém percebe e vincula a foto em seu contexto original. Mas dificilmente isso faz diferença em uma publicação que pretende ser viral: ou seja, os danos da mentira são maiores do que a virtude de quem tem a competência midiática (e interesse e ética) para buscar a verdadeira informação/imagem.

Outro ponto importante que o filme remete é, justamente, o aspecto limitado de uma fotografia para representar uma realidade mais ampla em um noticiário: além da posição particular do fotógrafo, a imagem passa pela ‘seleção’ de um editor (também com suas posições e convicções próprias) e é amarrada pelo redator (que também possui sua visão de mundo). E tudo isso chega de diferentes maneiras a cada leitor que, com suas mediações (que dependem de sua posição e concepção de mundo; também), vai atribuir um sentido ao que vê/lê. Millôr Fernandes brincou, certa vez, com aquela velha máxima: uma imagem vale mais do que mil palavras? tente expressar isso numa imagem”.

Heroísmo e ostracismo: o preço da guerra

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Os personagens do filme e as personalidades originais: John Bradley, Ira Hayes e Rene Gagnon

“Todo imbecil acha que sabe o que é uma guerra, sobretudo quem nunca esteve numa. Gostamos das coisas simpes: o bem e o mal, heróis e bandidos. Há sempre um pouco dos dois. Quase nunca eles são quem pensamos que são”. Com essa reflexão, nos primeiros minutos de filme, Clint Eastwood deixa claro que, além da intenção do filme ser provocativa, existe uma espécie de pré-disposição da opinião pública em ver aquilo que lhes é apresentado tal como é apresentado. Uma cena que lembra heroísmo, mesmo que fora de contexto, se torna sinônimo imponderável de heroísmo consumado. O mesmo vale para seus personagens.

No filme, os seis personagens identificados na foto não correspondem necessariamente aos personagens reais que fincaram a bandeira americana em solo japonês, o que causava constrangimento e briga entre o trio que fazia a turnê de arrecadação de fundos para a guerra. Além disso, ainda que passem por heróis, um dos personagens, Rene Gagnon (Jesse Bradford) — no filme, o mais exultante em ser herói de guerra — foi ‘promovido’ a mensageiro porque seu sargento temesse que, ficando na vanguarda da tropa, ele fosse abatido com facilidade.

Já o personagem Ira Hayes, que não considerava nada heroico o que precisou fazer e o que viu na guerra, perseguido pelas lembranças de batalha passou a se embriagar durante a turnê e depois dela, constantemente se envolvendo em confusão. Uma delas porque um restaurante recusou a atendê-lo (Ira era descendente de indígena, constantemente alvo de piada das autoridades durante a turnê pela sua origem; e as regras do restaurante não permitiam que indígenas fossem recebidos).

Ovacionados em todos os círculos sociais como heróis, com o fim da guerra o trio experimentou o ostracismo. Ira, por exemplo, aparece num campo trabalhando como agricultor com outro trabalhadores. Rene, que fez muitos contatos durante a turnê, não conseguiu arranjar emprego com nenhum daqueles empresários que o queriam por perto.

Apesar das condecorações e homenagens dos envolvidos (e do status de ícone que a foto até hoje representa para os norte-americanos), os episódios retratados no filme parecem estar muito mais próximos de um passado à sombra da história oficial, muito mais romantizada.


 

Questões que podem ser problematizadas em Educação a partir do filme

  • A classificação indicativa do filme é de 17 anos, portanto, a faixa etária dos envolvidos deve ser levada em consideração para a realização de qualquer atividade.
  • Além de aspectos históricos sobre um importante episódio da Segunda Guerra Mundial, o filme fornece elementos para discutir sobre propaganda de guerra e os gastos que países como os EUA têm nas guerras nas quais se envolve.
  • O papel da mídia para forjar uma opinião coletiva (manobra da opinião pública) a partir de exemplos concretos contribui para refletir acerca de outros aspectos da opinião pública contemporânea envolvidas em notícias sensacionalistas da veículos de comunicação tradicional, bem como em boatos tendenciosos que se espalham por redes sociais na internet. Pode-se relacionar, nesse caso, a filmes de super heróis, como Superman e Homem Aranha, nos quais os jornais (e seus bastidores) são decisivos nas narrativas.
  • Em atividades sobre análise de imagens, é possível trabalhar sobre os critérios de escolha de imagens, bem como a relação imagem x descrição do fato/evento que a imagem pretende representar. Nesse sentido, pensar em outras legendas possíveis para fotos veiculadas em revistas e jornais ou problematizar as legendas vinculadas a imagens existentes nesses meios de comunicação.
  • A construção coletiva de um evento (como a própria Segunda Guerra Mundial) a partir de fotos existentes sobre ele também pode ser uma forma diferenciada de trabalhar os diferentes conteúdos.
  • Ao final do filme, são apresentadas fotos originais dos personagens e locais exibidos no filme. Sabemos que a pesquisa histórica é um importante aspecto nas produções dramatúrgicas e cinematográficas. Em trabalhos sobre cinema, esse detalhe do filme inspira a buscar em outras produções sobre personalidades e/ou eventos históricos as imagens originais relacionadas a eles para diferenciar aquelas produções que remetem a uma aproximação maior da realidade daquelas em que o autor recorre a licença artística para reinterpretar os aspectos da realidade. Dois exemplos opostos cabem nesse sentido: um deles, o filme Invictus (dirigido pelo próprio Clint Eastwood) mostra, ao final, fotos originais dos personagens e eventos que inspiraram a história. De outro lado, a minissérie brasileira A Casa das Sete Mulheres recria os personagens (incluindo fisicamente) e a própria narrativa de uma maneira bem mais romantizada; basta comparar os traços do protagonista na história real e na história ficcional e a reconstrução estética da produção, conforme explicado pelos autores da obra nesse vídeo.

 

Outras informações:

Ver post nessa página sobre usos de fotografias e manipulação.

A música The Ballad of Ira Hayes, de Johnny Cash, é uma homenagem a um dos personagens do filme.

Em paralelo com A Conquista da Honra, Clint Eastwood gravou e produziu Cartas de Iwo Jima, a visão japonesa da mesma batalha.

Ver, ouvir e aprender

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Embora não seja um pensamento predominante, existe ainda, em Educação, um pensamento de que as inovações tecnológicas convertem-se em inovações educacionais e formas mais novas vão substituindo as mais antigas. Em partes, talvez esse pensamento pode ser explicado pela pouca mudança nas práticas escolares, se considerados outros avanços na sociedade em termos de tecnologias. Em partes, esse pensamento talvez decorra de modismos à medida que uma nova tecnologia (um aparelho, um aplicativo ou uma rede social) surge e precisa ser incorporada no contexto educacional, muitas vezes bastando o uso pelo uso. Esse é um tema de frequente debate, como se pode ver nesse artigo da professora Rosa Maria Bueno Fischer, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, sobre as ‘mitologias’ em torno das inovações tecnológicas em educação.

Na perspectiva da Mídia-Educação, é consenso — mas também motivo de luta — de que uma mídia não substitui a outra, e embora haja uma convergência midiática sendo embutida em aparelhos e aplicativos, as diferentes mídias continuam coexistindo, cada uma com sua potencial contribuição à educação. Mas, por outro lado, proliferam estudos sobre práticas educacionais em novidades tecnológicas, o que pode ser problemático. Cerca de uma década atrás, o Second Life e o Orkut eram lócus privilegiado quando se tratava de inovações tecnológicas em educação. Um acabou sendo menos popular do que se anunciava, o outro simplesmente encerrou suas atividades. Mais recentemente, redes sociais como Twitter e Facebook passaram a ocupar esse lugar, bem como os blogs, que desde a última década vem sendo introduzida por meio de programas educacionais do Ministério da Educação no âmbito da prática dos professores.

Os games, em geral, também ocupam papel de destaque na produção acadêmica sobre inserção de tecnologias e mídias na educação. Quando Marc Prensky trouxe ao mundo os nativos digitais, em 2001, uma de suas críticas aos professores das escolas eram práticas analógicas, por exemplo, ensinar as crianças sobre a II Guerra Mundial exibindo “A Lista de Schindler”. Nessa perspectiva, parecia que as mídias antigas deveriam ser substituídas por tecnologias novas; games, computador e internet, pois a partir deles é que as crianças aprendem. Hoje sabemos que a história não é bem assim: não só os computadores e os games não instauraram processos revolucionários de aprendizagem, como também alguns aspectos de seu uso (tomar decisões rapidamente, reelaborar estratégias e fazer várias coisas ao mesmo tempo) não são necessariamente positivas. Ao contrário, como nos mostra Byung-Chul Han em seu livro “A sociedade do cansaço”, pode ser porta de entrada para várias psicopatologias do tempo presente.

O consumo intenso de tecnologias digitais sobre o qual William Powers se debruçou em “O BlackBerry de Hamlet” vai no mesmo sentido e chama a atenção para a falta de profundidade nas reflexões, o que requer tempo e distanciamento. Mais do que movimentos mecanizados de estímulo e resposta, às vezes quase como intuição ou instinto, que as práticas de games trazem, a contemplação, a reflexão e a atribuição de sentidos é o que diferencia a humanidade de outras espécies. Com um game sobre a segunda guerra mundial podemos aprender sobre estratégias militares, logística, capacidade de armamento, mas o quanto aprendemos sobre solidariedade e compaixão que “A Lista de Schindler” pode ensinar?

É preciso insistir nesse ponto: em se tratando de educação ou de formas de aprender, não deve ser o grau de inovação por ele mesmo o critério de escolha da tecnologia ou da estratégia a ser adotada, mas o objetivo de para que(m) serve o que está sendo aprendido e/ou ensinado. E nessa perspectiva, teatro, rádio, cinema e televisão são tão importantes quanto jogos digitais e computador.

Para resgatar essa importância, a partir de hoje, nesse blog, vamos trazer elementos para pensar o uso de produtos culturais do cinema e da televisão para a educação. Vamos começar com uma série sobre produções cinematográficas que refletem o papel da própria mídia nas sociedades abordadas por ela. A lista poderá ser sempre acompanhada nesse link.

Vendo e aprendendo #1 – Jogos Vorazes

A mídia no centro da dominação e da revolução

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Todos sabem (pelo menos quem assistiu aos filmes) que a mídia ocupa lugar central na série Jogos Vorazes. Mais do que uma série de filmes de aventura voltada para o público jovem, Jogos Vorazes contém uma série de elementos narrativos que reportam a outras obras, como “1984” (1984, baseado na obra homônima de George Orwell) e “V de Vingança” (2006), no que se refere à opressão de um Estado totalitário que utiliza — e bem — a manipulação da informação para a manutenção do seu poder. E, no caso de Jogos Vorazes, o fator decisivo é um reality show anual em que jovens caçam uns aos outros até restar apenas um. Contudo, o que era para ser um estratagema ao estilo “pão e circo” (semelhante às arenas do coliseu romano, e tema também abordado no clássico “O Gladiador“) para manter o povo entretido enquanto é oprimido pelo poder central, o reality Jogos Vorazes carrega em si o germe da revolução. No final das contas, qualquer filme que faça os jovens pensarem sobre política e sociedade já é digno de reconhecimento.

A história
Para quem não assistiu aos filmes da saga, esse post é carregado de spoiler, por uma questão de necessidade.
Em um futuro distópico, um Estado totalitário se ergue após uma guerra civil que quase consumiu a nação. Unificados em torno de uma suntuosa capital, 13 distritos formam a PANEM. A unificação, porém, se dá por meio do medo e da força, além da coerção de diferentes formas — inclusive da informação e das formas de entretenimento. No terceiro filme da série (2014) o ditador, Presidente Snow, fala do ‘contrato’ que rege as relações entre capital e distritos: os distritos fornecem trabalho e produção e em troca a capital lhes fornece segurança. Isso sintetiza o que é mostrado nos dois primeiros filmes da série: enquanto a capital, imponente, parece uma atualização de Roma em seus tempos mais esplendorosos, os distritos são apresentados como vilarejos de operários, com ruínas, miséria e medo. Enquanto os holofotes, o colorido e as luzes fazem da capital um lugar em constante noite de Oscar, nos distritos o cenário é cinzento e sombrio. Enquanto na capital as pessoas ingerem bebidas que lhes permitem vomitar para poder comer mais nas festas de gala, nos distritos a população disputa comida com porcos (como na cena do primeiro filme envolvendo os protagonistas Peeta e Katniss). Isolados, os distritos só sabem do que acontece no país pela mediação (manipuladora) da capital — a fragmentação de forças sempre foi uma estratégia de poder.
Na PANEM, qualquer possível ameaça de um levante popular é reprimido com violência e rigor. E isso vale para coisas banais e cotidianas, que podem ser consideradas subversivas. Usando da perspectiva do ‘duplipensar‘ que George Orwell usou em “1984”, a polícia (repressora, violenta e que executa em praça pública qualquer ameaça à ordem) é chamada de Pacificadores. Bem armados dentro de suas impecáveis armaduras brancas, quase nunca mostram o rosto.
Para lembrar ao povo do poder do Estado e do que ele considera como memória ativa para que novos levantes populares não ocorram, foi instituído os “jogos vorazes”, para o qual, todos os anos, os distritos enviam jovens de 12 a 18 anos para lutarem até a morte. Eles são chamados de “tributos” dos distritos à capital. Os jogos são transmitidos em tempo real, como o melhor pacote de assinatura de programas do tipo Big Brother. É na edição de número 74 dos jogos que a história começa, quando uma jovem se oferece como ‘voluntária’ para salvar a pele da irmã de 12 anos que havia sido sorteada para participar do programa.

Crítica aos reality show
Mesmo considerando uma sociedade distópica, parece uma atrocidade aplaudir programas de TV em que garotos e garotas se matam ao vivo, certo? Errado. Assim como na Roma antiga o público lotava as arenas para assistirem gladiadores lutando violentamente e sangrando até morrer, na versão futurística desses jogos a morte é convertida em banalidade e a violência espetacularizada para um público que só se importa com o show- business. Pouco importa se, todos os anos, 23 crianças e adolescentes irão matar e/ou morrer — às vezes de forma violenta: o que conta é o espetáculo, para o qual há uma grande preparação de bastidores, entrevistas sobre futilidades e desfiles grandiosos dos participantes. Assim como na vida real existem pessoas que sonham em fazer carreira a partir da participação em reality shows (Big Brother Brasil é exemplo emblemático, mas não único, nesse sentido), na versão distópica também há carreiristas em distritos mais próximos à capital dispostos a ‘fazer história’ nos jogos vorazes: isso implica numa boa encenação e em boas habilidades para matar. E o público adora. Se na vida real o bordão ‘paredão’ (originalmente ligado a paredão de fuzilamento) foi esvaziado de sentido, nos jogos vorazes ser eliminado do programa significa necessariamente a morte (anunciada com tiros de canhão e, no final de cada dia, com uma síntese dos eliminados. Tal qual Big Brother, os apresentadores e comentaristas do programa espetacularizam as ações, decisões e escolhas como se fossem apenas elementos do programa, e não uma questão de sobrevivência.
Embora embutida nos filmes da saga de forma mais ou menos explícita, essa crítica aos reality show nem sempre é percebida por quem assiste aos filmes. Não se trata apenas da futilidade e superficialidade perante à vida, mas de uma inspiração nos melhores reality da atualidade e nos comportamentos predominantes da opinião pública sobre eles para, a partir daí, fazer a crítica: as cargas emocionais, os favoritos do público, todos os mecanismos de aceitação e rejeição dos participantes, os jogos de aparência e virtuosidade (uma forma de agradar o público e angariar patrocinadores que, por sua vez, diz respeito a uma questão de sobrevivência), as manipulações de bastidores e todo o arcabouço de engendramentos que tornam Big Brother fenômeno midiático estão presentes em jogos vorazes, no qual se acrescenta ‘apenas’ o ingrediente irreversível da morte. Em última instância, a distopia dos jogos vorazes não estão tão distantes dos reality do tempo presente, nos quais heróis, vilões, paredões e eliminações têm seus sentidos redimensionados.

A centralidade da mídia
Num Estado distópico no qual um reality show é central para a manutenção do poder, por premissa a mídia também o é. E, nesse sentido, todos os envolvidos com ela também ganham relevância. Mesmo após os jogos, os sobreviventes ganhadores também têm sua vida espetacularizada, fazendo uma espécie de tour pelos distritos afirmando a generosidade da capital. Tudo devidamente editado pelo poder central. No mesmo sentido, o próprio presidente do Estado aparece como ‘dono’ da emissora, ‘sugerindo’ que produtores fracassados se desliguem do programa — em outras palavras, sugerindo o suicídio.
Mas ao mesmo tempo em que a mídia é central para a manutenção do poder — tal qual em nossa sociedade — não devemos esquecer que ela pressupõe mediação e, portanto, espaço para contestação, ainda que muitas vezes de forma limitada. Em Jogos Vorazes, ao final do primeiro filme, o poder do Estado é contestado, ainda que implicitamente, quando os últimos participantes da edição do jogo decidem em conjunto se suicidar, em vez de tentar matar um ao outro [essa descrição é simplista para evitarmos mais spoilers. Existem outros elementos mais complexos envolvidos neste desfecho], contrariando as próprias regras do jogo e seu sentido de ser. A partir daí, a candidata a heroína do jogo vira uma inimiga do Estado e passa a ser coagida de todas as formas. Graças a um estratagema dos produtores dos jogos em função da “edição especial” de 75 anos, ela é inserida novamente no ano seguinte dos jogos vorazes. Mais do que matar a personagem da protagonista Katniss, o Estado (personificado no presidente Snow) pretende, antes, matar a sua imagem subversiva de suposto enfrentamento às regras. No entanto, os simulacros próprios da mídia iludem o próprio presidente, enganado pela sagacidade do produtor Plutarch Heavensbee que vê em Katniss a imagem de uma possível revolução. O último ato de Katniss no segundo filme da série é, ao mesmo tempo, revolucionário e emblemático no sentido de potencial papel da mídia para resistência, ao invés de resignação; de contestação em vez de dominação; e significa o fim do programa e o início de uma revolução social [assista aqui].
Embora até nisso Katniss tenha sido manipulada pelo produtor do programa, pelo seu mentor e por alguns dos participantes, a importância da mídia para a sequência dos filmes é vital. E, no que se refere à revolução social que começa a tomar formas, informação e contra-informação por meio de dispositivos midiáticos passam a ser central, como em qualquer guerra. Nos distritos, a programação midiática central imposta pelo Estado começa a ser corroída pela inserção clandestina de propagandas pró-revolução feitas a partir da imagem de Katniss como personagem revolucionária, a partir de gravação de cenas reais. A propaganda, como se sabe, sempre foi um elemento importante de guerra (a esse respeito, ver “A Conquista da Honra“): ela é quem convence a opinião pública para o empreendimento de guerras, tal como a revista Time foi um importante instrumento de guerra ideológica na Segunda Guerra Mundial e tal como a imprensa internacional, atualmente, repercute de formas diferentes episódios como atentados em Paris e na Nigéria, ataques do Estado Islâmico e bombardeio de civis pelo Ocidente na Síria (que já atingiu alvos como o hospital humanitário do Médicos Sem Fronteiras, em 2015). Em síntese, tal como na vida real, em Jogos Vorazes as tecnologias de comunicação e a própria informação carregam as ambiguidades de promover fragmentação, mas também a união em torno de interesses comuns dos grupos que as dominam.

Questões que podem ser problematizadas na Educação a partir do filme

  • O papel do entretenimento em diferentes períodos históricos para majoritariamente a conformação, mas também como espaço ainda que limitado de contestação da ordem social (lembramos que o estratagema do “pão e circo” vem desde a Antiguidade, mas outras formas de expressão como o teatro na Idade Média e na Renascença; o cinema e o rádio, ainda que não necessariamente como meras formas de entretenimento, também usam delas para a crítica aos modelos sociais vigentes em diferentes períodos históricos).
  • Os simulacros, as aparências enganosas e a omissão e/ou distorção de informações como forma de ganhar a opinião pública em torno de um projeto.
  • Os mecanismos aparentemente inofensivos utilizados para a manutenção das relações de poder.
  • As relações entre jogos vorazes e outros jogos perpetrados em reality show da atualidade.
  • As relações de poder entre capital e distritos que aparecem no filme (e como o modo de vida das sociedades aparece nesses diferentes contextos).
  • A questão da imagem, da linguagem e dos discursos, decisivos para convencimento da opinião pública.
  • Os limites e as potencialidades da mídia para que possamos ver (e compreender) o mundo para além do aparente mostrado por ela.
  • A permanência do trabalho, explorado e alienado, como fator de riqueza de uma pequena parte da sociedade (casualmente, a “capital”) em detrimento da miséria nos distritos – independentemente do período histórico.
  • Os elementos (técnicos, artísticos, conceituais; as cores e os cenários) utilizados pelo filme para retratar capital e distritos.
  • O protagonismo das mulheres nas revoluções sociais, presente em diferentes momentos históricos.
  • Conceitos de utopia, distopia, totalitarismo e revolução social como elementos para pensar a sociedade, os governos e a história.

Lembrou de mais algum elemento que pode ser trabalhado ou já utilizou esse filme em sala de aula? Conte pra gente.


Fotografia: utilização, registro, manipulação e educação

FOTOGRAFIA E EDUCAÇÃO[1]

O cenário cultural contemporâneo impõe aos educadores em geral o desafio de saber trabalhar com os novos meios e as novas tecnologias disponíveis, o que implica uma questão de competência midiática dos educadores (RIVOLTELLA, 2005) e de uma necessidade do professor emergir na cultura contemporânea e dominar os diferentes códigos e diferentes linguagens que estes meios e tecnologias trazem (FANTIN, 2008). Seria, nesse caso, a necessidade de uma alfabetização (no sentido de uso e função social da escrita) midiática – multiliteracies – do professor, que englobe gramáticas audiovisuais e digitais e que envolvem uma compreensão leitora e criadora nas diversas dimensões culturais pelas quais circulamos, que extrapolam a dimensão escrita e envolvem representações visuais, musicais, corporais, digitais, entre outras (FANTIN, 2008). É neste sentido que pensamos a leitura crítica das imagens e, mais especificamente, da fotografia.

O que faremos a seguir é uma breve reflexão sobre o tema fotografia. Trata-se de um desafio tecido a seis mãos, uma experiência atravessada pelo desejo de, em um número limitado de palavras, conseguir contemplar alguns relacionados à fotografia em articulação com a área da Educação. Nosso desejo é estabelecer um diálogo de várias vozes convidando para este ensaio Douglas Kellner (1995), Martine Joly (1998) e outros estudiosos do tema.

Para embarcar nesta aventura traçamos um pequeno roteiro que nos conduzirá a pensar sobre: a) imagem e fotografia; b) fotografia e alguns gêneros; c) fotografia, legenda, leituras e sentidos, d) cultura digital e fotografia, e) fotografia e a arte contemporânea e, por fim, f) considerações provisórias. Agora é hora de você também embarcar conosco nesta viagem!

  1. IMAGEM E FOTOGRAFIA

O que é uma imagem? Com essa indagação, Joly (1998) chama nossa atenção para o fato do termo “imagem” ser utilizado com tantos tipos de significação sem vínculo aparente que se torna difícil uma conceituação simples, uma que dê conta de todos os seus empregos. Arriscando um conceito, Joly define que imagem “indica algo que, nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual” (1998, p. 13). Berger (1999, p. 12), por sua vez, explica que “as imagens foram a princípio feitas para evocar as aparências de algo ausente”, mas gradativamente tornaram-se algo que “podia ultrapassar em duração aquilo que representava”.

Contribuindo com a definição de imagem, Paiva (2002, p. 13) ressalta que a imagem pode ser tudo e o seu contrário e que “a imagem não se esgota em si mesma […] há sempre muito mais a ser apreendido, além daquilo que é, nela, dado a ler ou a ver”. No mesmo sentido que Joly (1998) argumenta – de que a imagem é sempre um objeto segundo, em relação a outro que ela representa –, Paiva (2002, p. 19) sugere que “a imagem não é o retrato de uma verdade, nem a representação fiel de eventos ou objetos”, mas uma espécie de ponte entre a realidade retratada e outras realidades.

O que é uma imagem? Representação clássica do “Grito do Ipiranga”: mesmo que o autor do quadro nunca tenha estado presente às margens do Ipiranga em 1822, seu retrato entrou para a história como a versão oficiosa – e romantizada – do dia da Independência do Brasil.

O que é uma imagem? Representação clássica do “Grito do Ipiranga”: mesmo que o autor do quadro nunca tenha estado presente às margens do Ipiranga em 1822, seu retrato entrou para a história como a versão oficiosa – e romantizada – do dia da Independência do Brasil.

Além disso, uma imagem sempre depende da produção de um sujeito. Pois, independente de ser imaginária ou concreta, a imagem sempre passa por alguém que a produz ou reconhece. Ou seja, a imagem depende também do modo de ver de cada pessoa (BERGER, 1999; JOLY, 1998).

Construindo uma “genealogia” da imagem em nossa cultura, Joly (1998) situa a importância da imagem na filosofia, cultura e religião e vincula à arte a noção de imagem atrelada à representação visual. No mesmo sentido, na historiografia das imagens, com o tempo elas passaram a ser entendidas como parte de um “registro de como X tinha visto Y” (BERGER, 1999, p. 12), fruto de uma crescente percepção da individualidade e da História.

A importância das imagens nas diferentes culturas pode ser explicada por meio da constatação de que “ver precede as palavras: o ato de ver […] estabelece nosso lugar no mundo circundante” (BERGER, 1999, p. 9). Por sermos seres imagéticos (afinal, são com as “imagens mentais” que representamos a realidade a partir de uma visualização ou descrição), os grupos humanos, desde o Paleolítico, desenvolveram técnicas cada vez mais sofisticadas de representação da realidade através da imagem: dos rudimentares petrogramas e petroglifos às sofisticadas imagens digitais, as imagens imitam, esquematizam visualmente ou representam pessoas, objetos e fatos do mundo real através dos tempos (JOLY, 1998).

Com essa importância histórica – agregada ao “peso” de representar elementos concretos do cotidiano – que as imagens continuam ajudando a construir nossa percepção sobre o mundo, pois toda imagem incorpora uma forma de ver (BERGER, 1999). E com o aprimoramento dos meios e das técnicas de produção e reprodução de imagens, nosso cotidiano torna-se cada vez mais repleto delas.

A respeito da noção de imagem no tempo presente, Joly acrescenta que, no que se refere à mídia, “a imagem torna-se sinônimo de televisão e publicidade” (1998, p. 14), levando a uma confusão comum de que a imagem da mídia seja, por excelência, a televisão e o vídeo, desconsiderando o fato destas imagens animadas coexistirem com outros tipos de imagens fixas (fotografia, pintura, gravura, desenho, litografia, etc) no contexto da própria mídia.

Outra categoria que nos interessa, nas dimensões de imagem definidas por Joly (1998), é a das “novas imagens”: produzidas por computador, desde as antigas imagens-síntese dos primeiros jogos eletrônicos aos sofisticados universos virtuais, qualquer imagem passou a ser manipulável e por vezes perturbam a distinção entre real e representação do real.

É neste contexto que a fotografia nos interessa, enquanto técnica de captar a imagem (manipulável) de um objeto ou fato real e poder representá-los. Pois, como afirma Samain (1998), uma imagem visual – inclusive a da fotografia – nunca é apenas uma representação da realidade, mas um sistema simbólico. Impulsionados pelo desejo de pesquisar o dito e o não dito presentes no mesmo enquadramento, buscamos – tal como Kellner (1991) – ler e compreender criticamente as fotografias, considerando que as imagens comunicam para além do que nos é visível ou, quem sabe, ver o detalhe do visível (LEITE, 2010).

  1. FOTOGRAFIA, GÊNEROS E FOTÓGRAFOS
A primeira fotografia da história, que se tem notícia: Joseph Niépce, 1825.

A primeira fotografia da história, que se tem notícia: Joseph Niépce, 1825.

Como você já deve ter observado, muitos são os gêneros fotográficos existentes. Aqui optamos por trazer algumas definições sobre os tipos de fotografia e, na sequência, destacar fotógrafos que marcaram épocas com seus registros. Vale ressaltar que, ao longo da história da fotografia, cada um destes gêneros foi caracterizado por influências do campo das artes, além de contar com os jogos de composição e estilos peculiares elaborados por experientes fotógrafos.

Se antes as categorias fotográficas reportavam-se à criação dos gêneros documental, fotojornalístico, publicitário, retrato, experimental e doméstico ou afetivo, na contemporaneidade as criações ultrapassam estes limiares para pensar sobre abstrato, animais, arte digital, esporte e ação, espetáculos, gentes e locais, moda, nus, paisagem natural, paisagem urbana, fotografia noturna, etc. Cabe frisar que algumas fotografias apresentam características de mais de uma categoria, portanto sua classificação ou enquadre final estará sujeito ao olhar e à sensibilidade de seu criador – o fotógrafo. Assim, diante da imensidão de alegorias criadas, observamos ainda como a grande massa fotográfica cresce e se destaca, sobretudo, nas vitrines virtuais.

No quadro a seguir é possível observar alguns gêneros fotográficos e fotógrafos que marcaram épocas e estilos a partir da captura imagética. Cabe frisar que o quadro foi elaborado de modo aleatório, o que implica uma disposição não linear sobre os gêneros e seu surgimento espaço-temporal.

GÊNERO CARACTERÍSTICAS FOTÓGRAFO
FOTOJORNALISMO Capta imagens que sirvam para documentários de jornais. Capta o momento. Dentro deste gênero encontram-se: Fotografias sociais: da política, da economia, dos negócios, dos fatos gerais dos acontecimentos da cidade, do estado e do país, incluindo a fotografia de tragédia. Fotografia de esportes: de eventos esportivos. Fotografias culturais: têm como função chamar a atenção para a notícia antes de ela ser lida. Fotografias policiais: acidentes com morte, marginais em flagrante, aprisionamento, etc. Robert Capa,

Henri Cariter-Bresson,

George Rodger,

David Seymour,

William Vandivert

FOTOGRAFIA COMERCIAL Usada com a finalidade de vender algum produto ou serviço, evidenciando suas características. Len Steckler
FOTOGRAFIA PUBLICITÁRIA Tem por objetivo persuadir o observador. Nem sempre registra o real. É planejada antes de ser tirada. Muitas vezes são feitas montagens. Trabalha-se com conceitos e, muitas vezes, recorre-se ao uso de mensagens subliminares para auxiliar no objetivo de persuasão. David Field
FOTOGRAFIA DE RETRATO Utiliza-se de técnicas específicas para o registro de pessoas valorizando closes em algumas partes do corpo, especialmente, o rosto. Diane Arbus
FOTOGRAFIA CIENTÍFICA Fotografia que auxilia os cientistas a analisarem melhor certos objetos, como pequenos órgãos. Jean Leopold Solar
FOTOGRAFIA DE MODA Especialmente produzida com o objetivo da difusão comercial de peças de vestuário, adereços e acessórios, bem como de produtos de beleza. Richard Avedon
FOTOMONTAGEM É a arte de manipular, alterar ou misturar várias imagens, sendo que o resultado final pode ser uma imagem abstrata, surrealista ou realista. Aleksandr Rodtchenko
FOTONARRATIVA Conhecida como cinerromance, fotonovela, fotorromance. Configura-se como um híbrido e recebe influências da literatura, do cinema, das histórias em quadrinhos (HQ) e da própria técnica da fotografia. Duane Michals
FOTOGRAFIA AMADORA É o simples registro feito por uma foto tirada por um amador (eu, você, qualquer pessoa), sem vínculos ou propósitos comerciais.  

Veja aqui algumas imagens relacionadas a estes gêneros.

Como mencionamos anteriormente, categorias como: animais, arte digital, espetáculos, história, macro, paisagens entre outras também são bastante conhecidas, contudo, optamos por não evidenciar estas tipificações neste ensaio. Nosso foco, nesse trabalho, recai sobre as fotografias publicitárias e a produção de sentidos a partir da editoração e diagramação das fotografias que chegam ao público.

Exemplo de fotojornalismo: uma imagem emblemática da Guerra do Vietnã.

Exemplo de fotojornalismo: uma imagem emblemática da Guerra do Vietnã.

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Exemplo de fotografia publicitária: a polêmica campanha da Vogue em que crianças posavam como adultas

  1. FOTOGRAFIA, LEGENDA, LEITURAS E SENTIDOS

Ao iniciar a discussão sobre a transformação que a fotografia trouxe na produção de sentidos sobre um objeto, Berger apresenta uma citação de 1923, de Dziga Vertov, descrito como um revolucionário diretor de cinema soviético (1999, p. 19):

“Sou um olho. Um olho mecânico. Eu, a máquina, mostro a você um mundo de uma maneira que só eu posso vê-lo. Liberto-me por hoje e para sempre da imobilidade humana. Estou em constante movimento. Eu me aproximo e me separo dos objetos […]. Isto sou eu, a máquina, manobrando entre movimentos caóticos, registrando um movimento após outro, nas combinações as mais complexas. Liberto-me das fronteiras do tempo e do espaço […]. Meu caminho direciona-se no sentido de criar uma nova percepção do mundo. Dessa maneira explico, de uma forma nova, o mundo que é para você desconhecido”.

O que esta citação reflete é a transformação no olhar do homem, a partir da invenção da câmera fotográfica. Diferente da ideia por trás da unicidade da imagem da pintura, por exemplo, a reprodução de uma imagem através da fotografia altera seu significado e seus sentidos, pois em cada contexto em que é vista uma imagem, seu significado se diversifica (BERGER, 1999). Com as técnicas de reprodução da fotografia, as imagens passaram a circular simultaneamente por diferentes contextos, tomando emprestado deles seus significados e sentidos.

Se a imagem visual é ambígua e fluída (SAMAIN, 1998), permitindo diferentes interpretações conforme cada contexto, o seu conteúdo pode se tornar ainda mais descontextualizado quando atrelado a uma descrição ou “legenda”. O século XX foi prodigioso em exemplos de fotografias que, tecnicamente manipuladas ou agregadas a uma imagem verbal (manchete de jornal, legenda, slogan publicitário, etc), produziram significados e sentidos tão distintos que puderam ser utilizadas para produzir versões diferentes sobre um mesmo evento. Daí resulta a importância da construção de uma leitura mais ampla das imagens visuais, em especial, da fotografia.

Ao pensarmos sobre a articulação entre fotografia, legenda, leituras e sentidos, somos desafios a exercitar nosso olhar a fim de produzir leituras críticas sobre os conteúdos visuais a que diariamente somos expostos. Leite (2010, p.64) assinala que:

[…] há, na contemporaneidade, uma necessidade de ler as imagens e os enunciados através de uma pedagogia crítica visual. O objetivo é produzir um alfabetismo (crítico) visual, que alargue as leituras, as competências cognitivas de distintos conhecimentos e habilidades culturais, que abranja desde obras clássicas a anúncios publicados em jornais. Este alfabetismo visa emancipar o sujeito sobre a vastidão de imagens que o cerca. O que Kellner (1995) sugere é o desenvolvimento de uma análise crítica especialmente em relação à mídia, sobre as imagens que compõem os anúncios, suas mensagens e espetáculos. Busca-se com esta nova pedagogia tornar o/a leitor/a autônomo/a, apto/a a ler a variedade de elementos contemporâneos de dominação, a ponto de se envolver nos processos de transformação social.
Joe Rosenthal foi o autor de uma das fotografias mais divulgadas do mundo: os soldados norte-americanos colocando a bandeira dos EUA no Japão durante a Segunda Guerra Mundial circulou pelo mundo e foi a peça publicitária que impulsionou a propaganda de guerra que garantiu fundos e adesão da população norte-americana para a manutenção da guerra, por simbolizar a vitória próxima. No entanto, conforme muito bem retratado no filme “A Conquista da Honra”, a história da foto é outra: longe de simbolizar a vitória, no contexto real, a foto foi tirada num momento delicado para os norte-americanos recém desembarcados e que estavam sendo massacrados pelos soldados japoneses.

Joe Rosenthal foi o autor de uma das fotografias mais divulgadas do mundo: os soldados norte-americanos colocando a bandeira dos EUA no Japão durante a Segunda Guerra Mundial circulou pelo mundo e foi a peça publicitária que impulsionou a propaganda de guerra que garantiu fundos e adesão da população norte-americana para a manutenção da guerra, por simbolizar a vitória próxima. No entanto, conforme muito bem retratado no filme “A Conquista da Honra”, a história da foto é outra: longe de simbolizar a vitória, no contexto real, a foto foi tirada num momento delicado para os norte-americanos recém desembarcados e que estavam sendo massacrados pelos soldados japoneses.

Somos “bombardeados” por anúncios imagéticos o tempo todo. Propagandas televisivas, outdoors, filmes, fotografias, novelas e tantas outras formas emissoras de mensagens são projetadas e consumidas por nós, sem que haja uma leitura mais densa da parte do receptor – que muitas vezes atua apenas de maneira passiva.

A ênfase por uma nova pedagogia – alfabetização (crítica) visual – vem estimular o leitor a interagir com a mensagem, esquadrinhando todas as informações contidas na mensagem (símbolos, signos, códigos, etc). Este processo é cada vez mais importante, já que, conforme afirma Kellner (1995), a fotografia e o conteúdo imagético como um todo têm um crescente papel de centralidade na sociedade.

A publicidade é a fonte mais potente de imagens culturais e, por isso, precisa receber uma atenção especial em relação a suas características. “A própria publicidade é uma pedagogia que ensina os indivíduos o que eles precisam e devem desejar, pensar e fazer para serem felizes (…).” (KELLNER, 1995, p.112).

A fotografia foi a principal tecnologia utilizada pelo jornalismo para contar ao mundo os horrores da Segunda Guerra Mundial, concentrada na Europa. Essa foto percorreu os EUA e a legenda dizia: soldados aliados estarrecidos com a brutalidade dos nazistas. A fotografia registra a chegada dos soldados aliados a um dos campos de concentração e o encontro com vagões de trens com cadáveres empilhados. Uma análise da foto, contudo, desmente a legenda: é perceptível que, embora o cenário seja real, os soldados não estão estarrecidos: até posam para a foto. Um deles segura um cigarro, o que sugere que a foto foi forjada, provavelmente horas depois da chegada dos soldados, o que levanta a suspeita que até mesmo o cenário pode ter sido modificado para aumentar a sensação de horror de quem lê a imagem juntamente com sua legenda original.

A fotografia foi a principal tecnologia utilizada pelo jornalismo para contar ao mundo os horrores da Segunda Guerra Mundial, concentrada na Europa. Essa foto percorreu os EUA e a legenda dizia: soldados aliados estarrecidos com a brutalidade dos nazistas. A fotografia registra a chegada dos soldados aliados a um dos campos de concentração e o encontro com vagões de trens com cadáveres empilhados. Uma análise da foto, contudo, desmente a legenda: é perceptível que, embora o cenário seja real, os soldados não estão estarrecidos: até posam para a foto. Um deles segura um cigarro, o que sugere que a foto foi forjada, provavelmente horas depois da chegada dos soldados, o que levanta a suspeita que até mesmo o cenário pode ter sido modificado para aumentar a sensação de horror de quem lê a imagem juntamente com sua legenda original.

A foto emblemática, símbolo do fim da Segunda Guerra, mostra soldados soviéticos no telhado de um prédio de Berlim, na Alemanha Nazista, durante a invasão da URSS e tomada da cidade. Há relatos, contudo, de que não era a bandeira da URSS no mastro, mas um pano vermelho (provavelmente uma toalha de mesa ou lençol encontrado em uma das casas abandonadas) qualquer, que pode ter sido substituído pela bandeira soviética mais tarde.

A foto emblemática, símbolo do fim da Segunda Guerra, mostra soldados soviéticos no telhado de um prédio de Berlim, na Alemanha Nazista, durante a invasão da URSS e tomada da cidade. Há relatos, contudo, de que não era a bandeira da URSS no mastro, mas um pano vermelho (provavelmente uma toalha de mesa ou lençol encontrado em uma das casas abandonadas) qualquer, que pode ter sido substituído pela bandeira soviética mais tarde.

3.1. Fotografia publicitária e manipulação

Conforme vimos anteriormente, a fotografia publicitária tem o objetivo de persuadir os leitores, estimulando o desejo nas pessoas que são expostas a anúncios e propagandas. Porém, nem sempre o que compreendemos tudo o que realmente vemos numa fotografia publicitária. As cores, os rostos dos atores e os demais elementos fotográficos são escolhidos com racionalmente por quem elabora a propaganda, mas não necessariamente são racionalmente compreendidos pelo público que tem contato com o anúncio (KEY, 1996).

Uma das principais ferramentas com que trabalham os profissionais ligados à fotografia publicitária é a inserção de mensagens subliminares em anúncios. Propositalmente inseridas, essas mensagens são captadas pelo leitor sem, no entanto, serem percebidas durante a visualização da fotografia.

Entre as principais estratégias subliminares estão

– Inversão Figura/Fundo: as percepções visuais (e também auditivas) podem ser divididas em figura – conteúdo, primeiro plano, objeto – e fundo, o segundo plano que serve de apoio à figura, o espaço em que a figura ocorre. As áreas periféricas à figura normalmente passam despercebidas e são consideradas irrelevantes. Porém, as pessoas inconscientemente sempre distinguem a figura do fundo, separando os dois.

– Embutir imagens: os enxertos aparecem, a princípio, como se um artista tivesse escondido engenhosamente imagens dentro de um quadro.

– Duplo sentido: frequentemente usado na persuasão, esta estratégia enriquece o significado de virtualmente qualquer estímulo simbólico.

– Exposição taquistoscópica: é a inserção, numa propaganda em cinema, por exemplo, de imagens em alta velocidade (cerca de 1/3000 segundo de exposição), fazendo que o público não perceba conscientemente a presença das imagens velozmente projetadas.

– Luz em baixa intensidade: é a luz de baixa intensidade também utilizada para inserir imagens subliminarmente em fotografias publicitárias.

– Iluminação de fundo: a luz de fundo nos filmes não costuma ser percebida pelo público, mas sustenta ou reforça o que está sendo conscientemente percebido numa determinada cena. A extensão de uma sombra e mudanças sutis de luz e sombra controlam inconscientemente as intensidade emocionais.

Estratégias subliminares utilizadas na publicidade

Estratégias subliminares utilizadas na publicidade

Conforme explica Key (1996), tais estratégias são viáveis graças aos mecanismos sobre os quais nosso cérebro se sustenta para permitir que convivamos em harmonia no nosso cotidiano. Porém, nada é eliminado no inconsciente, nada é superado ou esquecido. Nesse contexto, a fotografia publicitária costuma se utilizar os seguintes símbolos na inserção de estímulos subliminares:

– Nascimento, reprodução e morte: a repetição desses eventos da vida da sociedade durante milhares de anos pode tê-los gravado nas predisposições ou na memória humana. Valores simbólicos relacionados a estas experiências afetam poderosamente o comportamento, enquanto a percepção consciente desses efeitos permanece reprimida.

– Sexo: a expectativa básica comunicada pela mídia comercial é a de sexo. O sexo vende comportamentos de compra, bem como comportamentos sociais.

– Atração física: editores de revistas relacionadas à cultura do corpo sabem que, por exemplo, os homens são fortemente atraídos pelos corpos de outros homens. Esta atração pode ser consciente ou inconsciente. É uma atração poderosa, que permanece latente ou reprimida pela maioria dos homens, se não por todos.

– Expectativas: somos todos influenciados pela expectativa em níveis de percepção sobre os quais temos pouco controle ou dos quais temos pouca consciência. As pessoas trocam continuamente informações das quais não estão conscientes e estas informações afetam poderosamente o comportamento.

– Stress: as expectativas influenciam nossa suscetibilidade às doenças. Praticamente todas as doenças são afetadas pela percepção que o paciente tem da situação de sua vida. O estresse, claro, é um produto de expectativas – o que pensamos de nós mesmos e o que sentimos que os outros pensam de nós. A eficácia dos remédios verdadeiros, por exemplo, é aumentada ou diminuída pelas expectativas do paciente e pelo grau de entusiasmo de uma equipe médica.

– Autoestima: as expectativas de sucesso são extremamente importantes. Em tarefas com as quais não se está familiarizado, a percepção de si mesmo como capaz de ser bem-sucedido normalmente deriva de uma comparação com outros. As percepções de si mesmo evocam profecias autorrealizadoras. Quando, no entanto, a mídia comercial entra em cena, a autoestima derivada da associação com pessoas semelhantes deteriora-se rapidamente. Os anúncios são projetados para evocar no público um sentimento de inferioridade por comparação com as personagens da mídia – o beautiful people.

Nesse contexto, podemos compreender que a capa de uma revista, por exemplo, é uma propaganda da própria. Ela tem uma função: estimular a leitura da publicação e, com isso, gerar vendas. Capas de diversas revistas têm sido alvo de análises e busca de mensagens subliminares, as quais são eventualmente percebidas.

A mesma fotografia pode ser utilizada para contar duas histórias diferentes (sendo que nenhuma delas pode ser a verdadeira). Veja a imagem acima: o quadro à esquerda, veiculado a um canal de imprensa árabe, retrata a desumanidade com que um soldado ocidental trata seu adversário num cenário de guerra. O quadro destacado à direita, veiculado à britânica CNN, mostra o oposto: a humanidade do soldado ocidental para com seu adversário árabe de guerra. O quadro central relativiza as duas posições. Ainda assim, trata-se de um recorte da realidade (alguém, com alguma intenção, produziu essa imagem). Na dúvida, duvide das imagens.

A mesma fotografia pode ser utilizada para contar duas histórias diferentes (sendo que nenhuma delas pode ser a verdadeira). Veja a imagem acima: o quadro à esquerda, veiculado a um canal de imprensa árabe, retrata a desumanidade com que um soldado ocidental trata seu adversário num cenário de guerra. O quadro destacado à direita, veiculado à britânica CNN, mostra o oposto: a humanidade do soldado ocidental para com seu adversário árabe de guerra. O quadro central relativiza as duas posições. Ainda assim, trata-se de um recorte da realidade (alguém, com alguma intenção, produziu essa imagem). Na dúvida, duvide das imagens.

 

3.2. Diagramação, editoração e leitura dirigida

Os veículos de comunicação tradicionais – como jornais e revistas – utilizam-se das fotografias em diversos espaços. Seja na capa ou nas páginas internas, as imagens estão presentes em toda a publicação e fazem parte do próprio conteúdo veiculado.

Segundo Vilches (1987), a leitura dos veículos de comunicação como o jornal e a revista não depende somente do conteúdo textual e da fotografia dispostos em cada página. A página em si e a disposição dos elementos (textos, fotos e espaços em branco, por exemplo) compõem a informação que é compreendida pelo leitor, auxiliando na identificação do conteúdo e, inclusive, na compreensão do viés utilizado pelo meio de comunicação para abordar o assunto.

Cada página de uma publicação – ou conjunto de páginas, quando consideramos que uma revista, por exemplo, é visualizada pelo leitor sempre de duas em duas páginas – apresenta uma mesma mancha gráfica (espaço do papel que pode receber impressão na gráfica). Porém, dentro da mesma publicação é possível identificar diferentes usos da mancha gráfica, a qual permite guiar a leitura do conteúdo impresso no papel. Entre os elementos que podem ser utilizados por uma revista, por exemplo, para guiar a leitura de uma página estão o posicionamento e o formato do texto e das fotos, o equilíbrio visual de cores e contrastes e a utilização de espaço em branco distribuído na mancha gráfica disponível. Vilches (1987) lista como os principais elementos visuais das publicações jornalísticas o contraste, a cor, a escala de planos, a nitidez, a altura, a profundidade, a luminosidade e a horizontalidade.

Tratando especificamente sobre o uso da fotografia em jornais e revistas, Vilches (1987) afirma que as fotografias formam uma relação indissociável com a página na qual estão inseridas, e também definem a relação da página com as demais do periódico, proporcionando ao leitor uma compreensão lógica com início, meio e fim em relação ao conteúdo publicado. “Una página de periódico no se lee, en primer lugar, por su contenido sino por su expresión” (Ibidem, p. 55).

O emblemático (mas não único) exemplo da Revista Veja, sobre sensacionalismo impulsionado via fotografias.

O emblemático (mas não único) exemplo da Revista Veja, sobre sensacionalismo impulsionado via fotografias.

4 – CULTURA DIGITAL E FOTOGRAFIA

Cerca de 150 anos após ter sido tirada a primeira imagem oficialmente reconhecida como uma fotografia – em 1825, produzida pelo francês Joseph Niépce –, em 1975 a Kodak criou o que se pode denominar de “primeira câmera fotográfica digital” do mundo. A câmera, que pesava quatro quilos, foi a primeira a não utilizar um filme fotográfico para gravar imagens. Porém a máquina não despertou interesse comercial da empresa e não foi lançada no mercado. De 1975 para cá, milhares de novos modelos de câmera foram lançados e, a cada novo modelo, menor é a câmera e maiores são os recursos e qualidade da imagem capturada.

Hoje, estamos imersos numa cultura digital, não só pelo advento da máquina fotográfica digital e, mais recentemente, com o aperfeiçoamento das câmeras acopladas nos dispositivos móveis; mas devido a diversos aspectos da contemporaneidade que nos inserem neste novo contexto. Embora as concepções acerca de cultura digital sejam amplas e diversas e não sejam a preocupação desse texto, consideramos que o que pode ser entendido como cultura midiática contemporânea inclui práticas que envolvem a produção e circulação de imagens fotográficas em diferentes contextos, sobretudo digitais. Aqui, vamos observar como a fotografia ganha destaque na contemporaneidade e estabelece uma nova cultura (digital/imagética), sobretudo com o advento da Internet e na perspectiva da convergência das mídias, a qual tem ampliado a possibilidade de acesso aos meios e aos equipamentos fotográficos.

Muitos softwares, como se fossem grandes lentes, conseguem capturar crianças, adolescentes e adultos através da abertura de um espaço virtual para a publicação de fotografias do cotidiano. Geralmente são fotografias amadoras que abarrotam pastas online de inúmeros usuários e que narram a vida e os fatos comuns vivenciados por sujeitos que, aparentemente, tentam cruzar a fronteira do anonimato para o reconhecimento através de algo que lhes aconteceu e que foi partilhado em um “diário virtual”. Há quase que uma publicação de fotografias simultânea aos acontecimentos habituais. Publicamos, editamos, compartilhamos, curtimos e excluímos fotografias o tempo todo.

Uma das imagens mais icônicas do século XX é conhecida como

Uma das imagens mais icônicas do século XX é conhecida como “O Beijo”, e simboliza o amor após a guerra. A foto, em preto e branco, foi feita por Alfred Eisenstaedt em 1945 e publicada na revista “Life”. Graças à cultura digital e a um usuário anônimo de apelido “migrapefruit”, do aplicativo Reddit (uma rede social que agrega amantes de fotografias), tivemos a oportunidade de imaginar quais seriam as cores presentes na foto.

Na era da cultura digital, a fotografia tem um papel fundamental. Numerosos programas são projetados especialmente para o uso deste tipo de conteúdo. Quem não se recorda do Fotolog – o primeiro site de compartilhamento de fotos –, do Flickr, do Picasa? Mais recentemente temos a febre dos blogs e das redes sociais (a começar pelo Orkut e consolidado com o Facebook, Twitter e Tumblr). A mensagem destes programas geralmente é a mesma: “compartilhe conteúdos (especialmente fotos), faça amigos”!

Nesse contexto, surgem redes sociais específicas para compartilhamento de imagens e, fenômeno igualmente interessante, a recombinação de imagens (um bom exemplo é a fan Page “Artes da Depressão”, no Facebook) que geram uma quantidade infindável de novas imagens, memes e reafirmando que somos seres imagéticos, desde sempre, como exposto no início desse texto.

Hibridismo cultural: acima, aquela que é considerada a melhor foto do século XX, “O Beijo do Hotel de Ville” (“Le Baiser de l'Hotel de Ville”) – tirada em frente ao edifício da Prefeitura de Paris, 1950 por Robert Doisneau (1912-1994). Abaixo, uma homenagem feita ao fotógrafo pela Lego, usando peças de seus brinquedos. Assim, uma imagem vira um brinquedo, que vira uma imagem e se insere novamente na cultura imagética, via redes sociais

Hibridismo cultural: acima, aquela que é considerada a melhor foto do século XX, “O Beijo do Hotel de Ville” (“Le Baiser de l’Hotel de Ville”) – tirada em frente ao edifício da Prefeitura de Paris, 1950 por Robert Doisneau (1912-1994). Abaixo, uma homenagem feita ao fotógrafo pela Lego, usando peças de seus brinquedos. Assim, uma imagem vira um brinquedo, que vira uma imagem e se insere novamente na cultura imagética, via redes sociais

5 – FOTOGRAFIA E EDUCAÇÃO

O leque de pesquisas que aborda Fotografia e Educação é bastante amplo, contudo, aqui escolhemos três estudos para fornecer fontes de análise sobre as temáticas bem como apresentar brevemente a súmula das pesquisas e continuar tecendo a reflexão sobre a fotografia, eixo principal de nosso texto.

O trabalho de Camargo (2005), apresentado ao curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UNICAMP, buscou investigar os retratos fotográficos da Educação para uma educação do corpo. Assim, a autora – através da estética de fotografias conhecidas e divulgadas pela mídia – procurou observar a relação com o tema da Educação, verificando as possíveis implicações quanto a uma educação para o corpo associada aos manuais de comportamento de Castiglione e Senancour.

A tese “Foto quase grafias: o acontecimento por fotografias de escolas”, de Alik Wunder, apresentada à Faculdade de Educação da UNICAMP, em 2008, pensou a partir da teoria de Gilles Deleuze (acontecimento) e Roland Barthes (linguagem), os eixos: fotografia – acontecimento – escola. A pesquisadora propõe a partir de oficinas realizadas por ela e do registro de cenas cotidianas de escolas – produzidas por educadoras – questionar: o que mora nesses gestos habituais de fotografar e olhar fotografias de escolas? Como se dá a criação de sentidos por esses dizeres com imagens? Com que forças, com que tensões? Entre os pontos de análise, evidencia-se, por exemplo, que as fotografias produzidas nas escolas parecem querer eternizar momentos de um espaço de passagem.

Outra pesquisa importante, realizada pelo professor Antônio Carlos Amorim, da Universidade Estadual de Campinas, intitulada “Fotografia, som e cinema como afectos e perceptos no conhecimento da escola”, trabalha a partir de três eixos potenciais: experimentação, plano de sensação e imagens. Trata-se de um estudo que parte da “Escrita-experimentação”, derivada do encontro com textos, imagens e sons, composições de escolas e das experiências do diferir e dos devires estudante-professor. A proposta é abrir fendas e “esvaziar a substância da Educação, para, quem sabe, criar um pensamento sem sujeito. Nesta incerteza, a escrita fere-se pelos conceitos do filósofo francês Gilles Deleuze, e os trai”.

Poderíamos alongar esta sessão trazendo outras pesquisas ao longo de várias páginas, mas aqui não dispomos deste espaço. Seria necessário estabelecer, em cada exemplo, uma detalhada reflexão. Entretanto, assim como os estudos mencionados acima, desejamos acenar para a promoção de novas pesquisas que projete o pensamento crítico entre as áreas da Fotografia e da Educação. Fica o convite!

  1. CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

A fotografia, presente em cada vez mais meios, suportes, canais e momentos da vida das pessoas, cresce diariamente em relevância na sociedade. Aprender a compreender e a ler essas imagens torna-se, então, uma necessidade social para a qual a educação não pode virar as costas. Por meio de uma prática educacional adequada a esta característica social podem ser formados cidadãos capazes de ler e compreender criticamente o imenso volume de fotografias, imagens e demais informações com os quais se tem contato no cotidiano, além de filtrar boa parte deste conteúdo conforme as necessidades e interesses de cada pessoa.

O entendimento sobre a subjetividade na percepção humana e na produção de conteúdo fotográfico parece especialmente relevante quando se trata do contato com as fotografias publicitárias. Compreender a subjetividade da percepção humana significa adquirir competências necessárias para se proteger mais eficientemente da manipulação – ou, como muitos fazem, entrar no ramo de administrar as percepções dos outros.

Ainda que a ideia de massificação já não seja atual e que os consumidores de conteúdos midiáticos – como as imagens e as fotografias – não devam ser considerados passivos, no contexto da cultura midiática contemporânea é preciso que a educação e a escola não fiquem alheias às necessidades de desenvolver uma competência midiática (RIVOLTELLA, 2005). Dessa forma, evidencia-se o papel da educação de contribuir para um posicionamento crítico sobre as imagens fotográficas consumidas e produzidas em diferentes meios – e por diferentes públicos.

Diferentes perspectivas fotográficas de um mesmo fato social histórico

Diferentes perspectivas fotográficas de um mesmo fato social histórico

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  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

AMORIN, Antônio Carlos Rodrigues de. Fotografia, som e cinema como afectos, perceptos no conhecimento da escola. TEIAS: Rio de Janeiro, ano 8, nº 15-16, jan/dez 2007.

BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CARMAGO, Ana Lucia Ferreira de. Retratos Fotográficos da Educação: uma educação do corpo / Ana Lucia Ferreira de Camargo. Campinas, SP, [s/n], 2005.

FANTIN, Mônica. Os cenários culturais e as multiliteracies na escola. Comunicação e Sociedade, São Paulo, vol. 13, 2008, p. 69-85.

GURAN, Milton. Fotografar para descobrir, fotografar para contar. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 10, 2000, p. 155-165.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papyrus, 1998.

KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. 7. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1995. p. 104-131.

KEY, Wilson Bryan. A era da manipulação. São Paulo: Página Aberta, 1996.

LEITE, Amanda Mauricio Pereira. Imagens do diverso [dissertação] / Amanda Mauricio Pereira Leite; orientadora, Ana Maria Borges de Sousa, co-orientador, Wladimir Antônio da Costa Garcia. – Florianópolis, SC, 2010. 158 p.: il., grafs.

PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. 2. ed. Rio de Janeiro: Autêntica, 2002.

RIVOLTELLA, Píer Cesare. Formar a competência midiática: novas formas de consumo e perspectivas educativas. Revista Comunicar, Huelva (Espanha), n. 25, out./2005. Disponível em: <http://www.revistacomunicar.com/verpdf.php?numero=25&articulo=25-2005-167>. Acesso em: 26 abr. 2012.

SAMAIN, Etienne. Questões heurísticas em torno dos usos das imagens nas ciências sociais. In: FELDMAN-BIANCO, Bela; LEITE, Miriam L. Moreira (Orgs.). Desafios da Imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais. Campinas, SP: Papirus, 1998.

VILCHES, Lorenzo. Teoría de la imagen periodística. Barcelona: Ediciones Paidós, 1987.

WUNDER. Alik. Foto quase grafias: o acontecimento por fotografias de escola [tese] / Alik Wunder. Campinas, SP, [s/n], 2008.

[1] Texto adaptado do Seminário sobre Fotografia, elaborado e apresentado por Amanda M. P. Leite, Daniel Augustin Pereira, Rafael Cunha. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, 2012.

2014: o ano dos extremos visto na e pela mídia

A dez dias do fim do ano e olhando em retrospectiva, podemos visualizar um 2014 de extremos. A baixaria eleitoral da campanha presidencial transbordou as redes sociais, mas a cisão verificada entre os usuários de redes sociais nesse contexto nem de longe pode se resumir apenas a uma questão partidária. A polaridade verificada no contexto eleitoral é apenas a ponta de um iceberg mais sintomático, cujos fenômenos já podiam ser apreendidos desde o começo do ano. Mas, numa era em que vivemos de excesso de informação, quem lembra?

Nesse texto, tentamos resgatar alguns dos episódios do ano de 2014 que geraram grande repercussão nas redes sociais que sugerem uma cisão de posicionamentos muito clara e pouca relativização dos fatos sociais.

Quem lembra dos rolezinhos, dos justiceiros de ocasião, da dona de casa assassinada em público após um linchamento de rua ou das reações causada pelo beijo gay da novela? Pois foi assim que começamos o ano, divididos. Elitismo, racismo, homofobia, sexismo, troca de acusações e ódio: 2014 foi o ano dos extremos, que extravasou as redes sociais. Mas, se por um lado, essa visão sobre 2014 pode parecer desoladora com os rumos que a sociedade tem seguido, por outro mostra um aspecto positivo: as posições estão exacerbadas. As pessoas “saíram do armário” e mostraram, em alto e bom tom (e boa definição de imagem) os projetos de sociedade que concebem e aderem.

Classes sociais e elitismo são questões obsoletas?

Há quem diga  que a luta de classes é coisa do passado e que vivemos em harmonia numa sociedade cada vez mais interconectada, globalizada, que valoriza e reconhece as diferenças. Embora esse slogan seja intencionalmente forte, o que se viu nesse ano nas diferentes formas de mídia apontam para o lado oposto. O ponto de partida, ainda em janeiro, foram os “rolezinhos”: fenômeno social desde o fim do ano anterior, em que jovens, em geral de periferia, combinavam passeios, via internet, em grandes shoppings. Do ponto de vista da análise midiática, somente esse fenômeno já é interessante de se analisar. Contudo, foi a repercussão desses eventos nos veículos de comunicação tradicionais o que mais gerou debate – muitas vezes acalorados – nas redes sociais contra ou favor dos rolezinhos. Pouca gente parou pra pensar os significados e sentidos do fenômeno e suas motivações.

rolezinho

Apresentados como ‘um perigo’ aos clientes e lojistas dos shoppings, esses jovens de periferia pareciam, muitas vezes, uma afronta à classe média elitista e virou caso de polícia, com a proibição dos jovens de entrar nos shoppings e intervenção policial às vezes desmedida, utilizando até mesmo bomba de gás. A multidão de jovens e sua algazarra no episódio dos rolezinhos eram um incômodo por quais motivos? Pela classe social e cor (e, digamos, práticas culturais próprias desse grupo) ou por estarem em um local ao qual ‘não pertenciam’? O rolezinho era, afinal, um ato político? Essas e outras questões, muito mais profundas que o fenômeno aparente, apresentado pela grande mídia, nos debates das redes sociais costumam ficar em segundo plano. E no geral, a postura predominante de “clientes” de shoppings (que também se sentiriam incomodados com a presença de jovens negros e pobres e seus trejeitos) nos debates nas redes sociais criminalizavam e “bagunça” causada pelos rolezinhos, sem interessas as causas ou motivações desses eventos. [Evidências? jogue no Google a palavra rolezinho e leia os comentários abaixo das reportagens; e analise as posturas predominantes]. Estava clara a primeira cisão do ano nos debates em redes sociais: de caráter mais classista e racista do que qualquer outra coisa.

Poderíamos ter aprendido com o episódio dos rolezinhos. Mas, em uma sociedade dividida, continuamos reproduzindo as bizarrices classistas e elitistas, julgando os outros pelas aparências e demarcando território com a nossa suposta superioridade. Quem lembra do post preconceituoso da professora universitária, com a conivência de outros professores universitários, que julgou pela aparência um passageiro no aeroporto Santos Dumont? Não bastasse o preconceito, a professora ainda fez questão de compartilhá-lo em sua timeline no Facebook: “aeroporto ou rodoviária?”, perguntou.

aeroporto

O passageiro, como se sabe, era um advogado. A repercussão do episódio foi imediata (foi criada até mesmo uma página no Facebook para ironizar a professora), mas passageira. Talvez porque seja mais fácil esquecer posicionamentos com os quais as pessoas, em geral, se identificam. Afinal, quem é o usuário de rede social na internet?

Ainda estávamos em fevereiro de 2014. E o que aprendemos desses dois episódios? Nada.

A campanha eleitoral, sobretudo a presidencial, colocou novos ingredientes nas discussões sobre lutas de classes, políticas sociais, bolsas e meritocracia, por exemplo, colocando em pólos extremos pobres e ricos, numa relação diretamente proporcional à sua capacidade de escolha ou ao seu emburrecimento.

merito

Palavras como meritocracia passaram a vigorar nos posts mais conservadores, como se a mudança de condição social dependesse, exclusivamente, da vontade de cada um. “Não tem que dar o peixe, tem que ensinar a pescar”, era um discurso quase uníssono entre os mais conservadores. Mas e o anzol? E a linha? E o rio? Que meritocracia é essa, em que as pessoas já têm, como ponto de partida, uma situação de desigualdade?

 

Racismo, xenofobia e defensores de igualdades de ocasião

Era início de fevereiro, quando torcedores peruanos destilaram seu racismo em massa contra o jogador Tinga, do Cruzeiro. Em abril, foi a vez do lateral Daniel Alves, do Barcelona, ‘receber’ uma banana de uma torcedora na Espanha. Em setembro, foi a vez do goleiro Aranha, do Santos, ser chamado de macaco por uma torcedora em Porto Alegre.

banana

Além de expor a atualidade do tema racismo em nossa sociedade, esses três episódios expressam, pelas discussões colocadas em prática nas redes sociais, o quanto não sabemos lidar com o racismo. O quanto esse tema ainda incomoda, a tal ponto de não entendermos nada e, ao tentar criticar o racismo, acabarmos reforçando ele. A polêmica campanha #somostodosmacacos, por exemplo, começou com merchandising de ocasião e ganhou, nos perfis de famosos, repercussão das redes sociais. Logo, milhares de pessoas começaram a postar fotos com bananas em seus perfis com a hashtag “somostodosmacacos”, esvaziando de sentido a atitude de Daniel Alves, que por si só suscita várias interpretações: o que significa para alguém que foi comparado a um macaco comer a banana que lhe atiraram?

Um episódio de grande repercussão sobre esse é sempre uma boa maneira da mídia faturar em cima e o tema, é claro, foi amplamente explorado nos programas de entrevista na TV ou em reportagens nos veículos de comunicação impresso/digital. Em setembro, outro episódio de racismo voltou a acontecer no futebol e, novamente, teve grande repercussão nas redes sociais. A repercussão, no entanto, por vezes tirou do centro do debate a questão em si do racismo e colocou as questões clubísticas em primeiro lugar. Houve a condenação do clube da torcedora que xingou o goleiro Aranha de macaco, mesmo com o voto de um auditor que, por ironia, também publicava fotos racistas em seu perfil no Facebook. Socialmente falando, as repercussões geraram hostilidades contra toda uma torcida e, mais, contra todo um povo que sofreu linchamento moral, numa espécie de ação-reação a la olho por olho, dente por dente, como se ódio de combatesse com ódio e racismo com racismo.

Cá estamos no final do ano e continuamos vendo cotidianamente casos de racismo, às vezes de forma mais velada, às vezes de forma mais explícita, mesmo entre aqueles que se solidarizaram com Tinga, que postaram fotos com bananas em solidariedade ao Daniel Alves e que vociferaram ódio contra “aqueles outros racistas” na causa Aranha. Uma questão sintomática de uma sociedade que destila hipocrisia em posts politicamente corretos nas redes sociais, mas que é incapaz de rever seus próprios comportamentos. Comportamentos como os vistos nas redes sociais à época das eleições.

divisao

Inconformados com os resultados do processo eleitoral, eleitores atribuíram o resultado a uma suposta inferioridade do Norte-Nordeste ou à sua predominante dependência de programas sociais do governo. Como se sabe, nem uma nem outra é verdade. Contudo, durante 3 ou 4 semanas avassaladoras vivemos uma espécie de divisão do país, no melhor estilo “nós” (os mocinhos) vs “eles” (os vilões). Quem passou incólume por essas discussões de caráter preconceituoso em 2014, nas redes sociais, está de parabéns. Na maioria dos casos, não teve como não se envolver. Mas uma boa forma de criticar o racismo, a xenofobia o sexismo e a homofobia é fazer o que a Teoria Crítica ensina: começar pelo autocrítica. Ou seja, criticar a nós mesmos e nossas atitudes.

Conservadorismo: ‘JUSTICEIROS’, sexismo, homofobia E VOLTA À DITADURA

Esse foi também o ano em que os conservadores, até os menos conservadores, saíram do armário. Foi o ano em que dolorosamente alguns lembraram os 50 anos do golpe militar, enquanto outros pediam uma nova intervenção militar no país. Enquanto uma comissão preparava um dossiê sobre as atrocidades cometidas durante o regime militar, outros defendiam que nem houve ditadura e que “apenas terroristas” sofreram as consequências do golpe. Que cisão é essa, afinal, numa sociedade que aparenta ser tão pacífica e “igual”?

Para quem pensa que esse apelo ao militarismo é um sintoma da insatisfação com os resultados das eleições presidenciais, lembramos que já em 31 de março repercutiu nas redes sociais um vídeo em que estudantes invadiram a sala enquanto docente lia um documento de sua autoria, em comemoração ao golpe de 1964. A aula, realizada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), motivou um protesto de alunos da graduação da unidade. Vestidos com capuzes pretos e camisas manchadas de vermelho, em alusão à violência da ditadura, alunos ocuparam a sala no momento em que o professor Eduardo Gualazzi lia o discurso intitulado ‘Continência a 1964’.

ditadura

Teorias da conspiração sobre um golpe comunista no Brasil (qualquer semelhança com o contexto pré-1964 não é mera coincidência) e insatisfação com os resultados das eleições levaram a manifestações que pediam a intervenção militar, num claro desconhecimento histórico sobre o regime — o que, obviamente, mereceu ironias nas redes sociais. Não satisfeitos, parte desses manifestantes pediram “ajuda” aos EUA para intervir na política brasileira. Inspirados por Bolsonaro, Olavo de Carvalho e Rachel Sheherazade, Lobão, Rodrigo Constantino e outros, as bandeiras de luta do novo conservadorismo brasileiro são difusas, mas perigosas. Quem lembra da dona de casa assassinada no litoral paulista, após um linchamento coletivo por ser confundida com uma sequestradora? Ou quem lembra que os ‘justiceiros’ que amarraram um infrator em um poste (após ser linchado) também foram presos, meses depois, por tráfico de drogas?

santos

O mais bárbaro desses episódios de ‘justiça com as próprias mãos’ é, muito além da distribuição da violência gratuita, as dezenas de pessoas filmando e tirando fotos dos espancamentos, para compartilhar nas redes sociais. A barbárie da sociedade e de um conservadorismo que prega que “bandido bom é bandido morto” (no qual o ‘bandido’ não tem direito de defesa, nem julgamento) é, de um lado, a memória curta (e o silenciamento sobre as barbáries que os  ‘intelectuais da violência’ apregoam) das pessoas em geral e, claro, a sensação de impunidade.

Mais do que isso, é perceber que apesar dos efeitos catastróficos de um conservadorismo que ironiza e banaliza a violência e distorce a história e ameça a democracia, ele continua se perpetuando no centro do poder e, se de um lado causa repulsa, de outro angaria adeptos às personalidades que o defendem.

Chegamos ao mês de dezembro ainda com essa pedra em nosso sapato: como lidar nas redes sociais, com as notícias que por vezes chocam, com a conivência de uns e com a sensação de que, em alguns casos, as posturas são irreconciliáveis. Como dialogar, por exemplo, com quem, apesar de todas as evidências que a história vem ano após ano demonstrando, defende que a ditadura militar é apenas uma ilusão, um construto? E que o trabalho de reconciliação com o passado não passa de uma manobra política?

Enfim, participar de redes sociais na internet em 2014 não foi tarefa fácil quando o assunto foram questões sociais e políticas mais amplas, muito além das, muitas vezes, patéticas discussões eleitoreiras. Quem viveu um pouco das redes sociais em 2014 lembra da campanha “Eu não mereço ser estuprada”, lançada ainda em março, após a divulgação de dados de uma pesquisa em que a maioria dos entrevistados concordavam que os estupros eram ‘culpa’ das próprias vítimas. Com milhares de adesões, inclusive dos grandes veículos de comunicação, parecia um consenso generalizado de que nenhuma mulher, nem qualquer pessoa, por qualquer motivo que seja, merece ser vítima de estupro. Consenso, mas não tanto.

estupro

Enquanto alguns lutam por bandeiras que deveriam ser óbvias (repúdio ao estupro) e sofrem as consequências de sua práxis, outros se valem do possível anonimato das redes sociais para fazer o oposto. Temos, de um lado, a possibilidade do anonimato nas redes sociais, que encoraja atitudes covardes; mas ao mesmo tempo temos a certeza de que estamos longe de um modelo social com respeito aos valores básicos. E, nesse ano, as redes sociais tiveram papel importante para mostrar as pessoas — e suas ideias — como elas realmente são.

De março a dezembro, muita coisa poderia ter mudado no que se refere ao “merecimento” do estupro. Contudo, chegamos ao final de dezembro tendo que engolir discursos de que algumas pessoas não merecem ser estupradas porque são muito feias. Pior: temos que debater com os adeptos dessa opinião o porquê essa ideia não apenas é um equívoco (para não dizer uma afronta à liberdade individual) sexista, como também uma forma de ironizar uma situação tão cara em nossa sociedade — a violência contra a mulher. E, de quebra, uma forma de ‘incentivar’ outras formas de apologia ao estupro.

APESAR DISSO, ‘THE ZOEIRA NEVER END’

Apesar das questões emblemáticas e urgentes (as que apresentamos acima são apenas algumas delas) com as quais tivemos que conviver nas redes sociais em 2014, o trânsito pelo Facebook, Twitter e Youtube no ano que está encerrando também trouxe momentos de descontração, para quebrar o clima tenso do ano. Em grande parte, por dois grandes eventos do ano: a Copa do Mundo no Brasil e as eleições.

copa

A Copa (#nãovaitercopa versus #vaitercopasim) no  Brasil passou de evento que causou apreensão geral até a constatação de que foi a Copa das Copas – e da zoeira. Motivos e criatividade dos internautas não faltaram.

As eleições também foram generosas com os internautas no aspecto zoeira, principalmente os debates dos presidenciáveis. Teve até página criada especialmente pra isso e lista de todo tipo. A zoeira foi tanta que virou notícia nos principais portais de notícia do país.

O que aprendemos com as redes sociais em 2014? Que ainda temos muito o que aprender sobre convivência em rede, hipocrisia, política e história. Mas que sempre há espaço para a criatividade e descontração. Que em 2015 a convivência melhore, que tratemos com mais seriedade os assuntos sérios desse país, que façamos das redes sociais arena de luta das questões mais urgentes da nossa sociedade e que a zoeira exista, mas não desvie nosso foco do que é impossível varrer para debaixo do tapete do ciberespaço.